domingo, 26 de setembro de 2010

No pain no gain?

Dizem que nós, esportistas, temos uma tolerância maior à dor. Um dia estava pedalando com uns amigos e ouvi o seguinte: “Fui pedalar  lá em Romeiros semana passada. Nooooosssa, como eu sofri! Foi muito bom! Adorei!” Então parece que não apenas toleramos a dor, como, em certa medida, até gostamos dela.

Do que, exatamente, gostamos? Creio que gostamos de controlar a dor, de saber que vamos superá-la, de sermos mais fortes que ela.

Mas o que é a dor? Geralmente é sintoma de algo que não vai bem. Então, em que medida devemos, mesmo, tolerá-la? “A dor é passageira, a derrota é para sempre”. Já ouvi esta frase, atribuída a Lance Armstrong, dezenas de vezes entre os triatletas. Será mesmo? Às vezes a dor não é passageira. É uma lesão mais séria. E aí, você não desiste, cruza linha de chegada com uma lesão que não será passageira coisíssima nenhuma. Vai lhe acompanhar por meses. Talvez, se tivesse desistido, a derrota seria temporária e a dor também!

Muitas vezes não sabemos quando é hora de tolerar e seguir em frente, quando é preciso parar. Com o tempo e a experiência de treinos e provas podemos nos tornar mais hábeis em escutar nosso corpo e classificar as dores em perigosas/não perigosas. Digo “podemos” porque se trata de realmente criar uma sintonia fina e tentar distinguir as nuances. Ou seja, não negligenciar os sintomas e passar por cima todas às vezes até ganhar um repouso forçado ou, pelo contrário, correr pro ortopedista depois de qualquer treino mais forte.

Nessas últimas semanas estou tendo um convívio intenso com a dor. Da minha maior ou menor tolerância à dor dependia minha recuperação e, portanto, meu retorno completo aos treinos. A dor, neste caso, é um sintoma mas, ao contrário da maioria das situações, o aumento da dor, não é um aumento de lesão, mas sim de mobilidade articular. Então tenho agüentado firme. O instinto me mandaria puxar o braço na direção oposta àquela que a fisioterapeuta está empurrando. Expiro e, com lágrimas escorrendo pelo canto do olho, mas sem emitir um gemido, tento colaborar e ampliar ainda mais a extensão do movimento. Fui recompensada. Volto pra piscina daqui uma semana. Menos de dois meses após a cirurgia. A previsão era de três meses. Sem dúvida aumentei meu limiar de tolerância à dor com essa experiência. Não diria que é prazeroso mas, certamente, estou me sentindo mais forte.

E o outro tipo de dor? A dor da tristeza? Será que temos de aumentar nosso limiar de tolerância a esta dor também?

Eu fico com essa dor, ah essa dor, tem de morrer. A dor que nos ensina e a vontade de não ter...

Segundo o mestre Luiz Melodia, essa dor ensina. Aí também, dor é sintoma. Algo que não vai bem. E oh, embora a dor da tristeza possa ter sido provocada pelo outros (por outros, por outra) — como a dor física é provocada por treinos ou traumas, — ela é SUA. Assim como o tendão é seu e ele pode agüentar mais ou menos kms, precisar de mais ou menos alongamento, os sentimentos feridos também são seus e cabe a você aprender o que lhe faz mal, o que lhe faz bem, o que você precisa mudar para se deixar machucar menos.

Não dá pra viver sem se machucar. Isso lá é verdade. Tanto pro esporte quanto pra os departamentos mais sensíveis e subjetivos da vida. Mas quando aumentamos nossa tolerância à dor da tristeza fortalecemo-nos? Ou nos endurecemos? Tornamos-nos pessoas melhores? Ou piores? Precisamos sofrer todas as dores? Não há algumas que poderíamos evitar? Será que há momentos em que, para crescer, para se libertar de algo, ou, fazendo uma analogia com meu ombro, pra ter uma recuperação mais rápida e ser recompesada, precisamos aguentar firmes a dor?

Nesse caso também, a gente precisa de muita estrada, muitos papos com bons amigos e muita reflexão pra encontrar a medida. Pra não tolerar o intolerável, pra não transformar em lesão permanente pequenas coisas que nos incomodam e às quais não damos atenção no cotidiano ou, por outro lado, pra não correr da raia ou logo falar em rompimento à primeira dor que aparece. Pra, de fato, aprender mais sobre si mesmo com a dor.

A vida não é pra principiantes. E, quando se trata dessas dores, nós esportistas, somos como o restante da humanidade: nem melhores, nem piores.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Equipamento em manutenção

Uma das coisas que mais me irrita é quando um elevador, uma esteira ergométrica ou um aparelho de musculação estão com a mensagem acima. Escrita num pedaço de papel ou numa plaquinha de plástico, dá na mesma. Na maioria das vezes é a mais absoluta mentira. Não se avista ninguém nas proximidades com uma caixa de ferramentas, macacão sujo de graxa e muito menos fazendo a manutenção do equipamento. Ninguém tem coragem de escrever a triste realidade: equipamento quebrado.

No meu caso, entretanto, “equipamento em manutenção” é a mais pura verdade. Estou funcionando, mas não a pleno vapor e tem sim, alguém trabalhando no equipamento. Ela não está de macacão, nem suja de graxa — pelo contrário. Está de jaleco branco, bem limpinha, mas leva consigo uma série de ferramentas: faixas de elástico, bolsas de gelo, maquininhas de eletrodos e, principalmente, um par de mãos que escondem sua força e a firmeza atrás de unhas delicadamente pintadas.

Mais uma vez, estou cumprindo uma planilha de sessões de fisioterapia. É quase um treino. Ocupa o lugar do treino. Tem momentos de muita dor. Nunca antes na história de tratamentos fisioterápicos desta atleta que vos escreve eu havia sentido tanta dor.

Mariana, com sua carinha de boneca de porcelana, pega meu braço e vai empurrando, empurrando e empurrando até que eu comece a ver estrelas, planetas, cometas e buracos negros. É para o meu bem, eu sei. Mas dói.

Logo na primeira sessão ela me conta sobre um alemão que bateu o recorde em recuperação rápida e em estoicismo. Segundo reza a lenda, ela praticamente se pendurava no braço do senhor Ingo e ele não mexia nem a sobrancelha.

Acho que ela me contou essa história pra me provocar. Decidi que não vou lhe dar o gostinho de me ver gemer de dor nem uma vezinha.

Assim, meu progresso tem sido rápido. Da primeira para a segunda vez que fui lá a amplitude do meu movimento aumentou muito. No primeiro dia eu só levantava o braço à altura do peito. Na segunda, já esta acima da cabeça!

Não contei pra ela, mas fiquei treinando em casa.
O movimento mais doloroso. (Este não sou eu. Não mudei tanto assim por ter ficado sem treinar)

Como viu que sou firme, cada dia ela força mais o meu limite. Estou adquirindo técnicas para suportar a dor e deixá-la ampliar a movimentação do meu braço o máximo possível. Fecho os olhos, respiro, deixo o corpo entregue e tento levar a minha mente pra bem longe dali, me concentro em outra parte do corpo — a mão direita por exemplo, repito, dentro da minha cabeça “já vai passar, já vai passar, já vai passar”. E passa mesmo.

Estou, claro, de olho na marca a ser superada – a do Ingo. Acho que são 10 sessões.


Lições sobre o ombro

De fato, estou cada dia melhor. Aprendi, neste período, muitos fatos interessantes sobre o ombro e adjacências:

1. O ombro é a parte mais sociável do corpo (a expressão "ombro amigo" confirma minha tese. Todo mundo gosta de por a mão nele. Repare: desde os mais íntimos, que apóiam a mão no seu ombro pra dar o beijinho de “oi”, até os nem tão chegados que dão um tapinha amistoso pra manter uma certa distância ou aqueles mais animados que dão logo um tapão. De qualquer modo, aiiii! Acredite se quiser, nem mesmo com a tipóia as pessoas tomam cuidado.

2. Usamos o ombro para uma série de tarefas que eu nunca tinha imaginado. Afivelar o cinto de segurança e ligar o pisca, abrir a tampa de um pote bem fechado, fechar o zíper da calça e girar a chave na fechadura;

3. Homens sabem vestir e desvestir blusas fechadas de um modo que usa muito menos o ombro. Veja: As mulheres, primeiro, colocam a cabeça e depois os braços, os homens primeiro enfiam os braços nas mangas e, por último, a cabeça. Pra tirar, o movimento é no sentido contrário. Tive de aprender este jeito masculino de vestir e desvestir.

5. O ombro é mais importante do que o travesseiro para uma boa noite de sono. Um ombro meia boca é prejudicial ao seu descanso. Os médicos não te contam quanto é difícil conseguir dormir. Acho que se eles contassem ninguém operaria se tivesse escolha.

Aprendi o suficiente por essas cinco semanas. Está bom. Feliz ou infelizmente, diferente de elevadores e aparelhos de musculação, nosso equipamento não sai da manutenção já pode ser usado como se nada tivesse acontecido. Nossa volta é mais lenta e gradual. Mas já estou em uso, sim.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Não conto

Você procurou por "ironman" no Google? Desculpe, foi engano. Talvez tenha dado uma busca por "triathlon", ou, quem sabe, "treinos"? Lamento informar, mas hoje esses assuntos estão temporariamente fora do ar. Do mar, do chão e das rodas. Fica pra próxima, tá?
Não vou contar nada de triathlon. Nem de treinos. Esquece. Não tem utilidade. É perda de tempo você insistir.  Está achando que vou contar alguma coisa sobre corrida? Relatar alguma prova, dar alguma dica, compartilhar alguma sensação? Errou.
Não conto nada. Me recuso a contar a falta que faz entrar naquele transe de uma corrida longa e lenta, onde cada passo combina com a respiração, como o baixo e a bateria numa balada de soul music.
Não conto nada também da sensação de correr até o coração sair pela boca. Não gosto mesmo.  Detesto correr até o coração sair pela boca. É horrível aquela pulsação tão forte, tão rápida, tão techno. Aquele suor pingando, aquele cansaço. Ninguém vai me convencer a contar nada disso.
Não conto nada sobre correr falando sobre nada com os amigos, e rir. 
Mas o que você pensa que está fazendo? Eu avisei que não iria falar de triathlon. Você está aqui ainda? Não falei de corrida e também não vou contar nada sobre ciclismo. Desista.
Recuso-me a contar sobre a vontade que estou de sentir um ventinho no rosto. Muito menos a discorrer sobre um pelotão desorganizado, que não tem ninguém pra puxar ou aquele que quem puxa não respeita o ritmo e larga os outros pra traz e não avisa os buracos... e que a gente depois passa horas reclamando desse tal pelotão como se fosse a coisa mais séria e importante do mundo. E quem foi que disse  que vou  contar sobre o pelotão mais organizado de todos, comandado pelas mulheres, que revezam, mantém o ritmo proposto, dão dura nos marmanjos e ainda conseguem trocar confidências quando não falta o fôlego? Não conto.
Leu até agora por que? Você é persistente, hein? Natação, nem pensar.
Não tenho nada a declarar sobre a modalidade. Tem cabimento  contar sobre o paradoxo que é treinar sozinha, numa água transparente, quente, sem roupa de borracha, com uma trilha a ser seguida bem ao alcance dos olhos, uma borda para apoiar a cada 25 metros para depois nadar em águas abertas, frias, sem direção exata, levando tapas e pontapés, de roupa de borracha e sem lugar algum pra descansar? Nunca. Jamais vou contar sobre essa insanidade.
Nem tampouco sobre a insanidade que é acordar num domingo às 6 da manhã pra nadar na raia gelada da USP, ou às 5 e descer a serra pra pedalar numa avenida esburacada como a Portuária ou ainda, pegar um avião pra Penha! Sabe onde é Penha? Não conto. Não conto que é em Santa Catarina e que tem meia dúzia de quatro hotéis de meia estrela e que a gente vai pra lá e acha o máximo.
E pra que vou contar que a gente organiza a vida em função de treinos e de provas? E que incluimos no vocabulário palavras estranhas como cateye, volantão, 404, clincher, clipe, endurox R4, accel e bento box? Imagina se vou contar que são equipamentos, alimentos e outras frescurar dos triatletas. Não interessa.

Você ficou maluco? O que há com você?  Acho que tem algum problema. Um problema sério. Você é obsessivo. Não desiste nunca. Vai até o limite. Até o fim. É insano. Será que você é o que estou pensando?

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Quem procura...Procura? Ou a perna faltante.

Será que o Y é manco, como diz minha amiga Thelma? Que costela de Adão que nada. No processo de criação, Deus se distraiu e, num acidente cortou aquela perninha.  Mas é justo nela que deve estar a porção de DNA correspondente à capacidade de procurar as coisas. Ou vai ver que o Y é míope de nascença. Não que não saiba procurar, simplesmente não enxerga.
Exemplo?
1.
XY:  Cadê a tesoura grande?
XX: Está na segunda gaveta da cozinha.
(Barulho de gaveta sendo aberta).
XY: Em que lugar? (estamos falando de UMA GAVETA, não de um armário)
XX: Do lado esquerdo.
XY: Não tá aqui! (Note bem: a frase é "Não está aqui" e não "Não estou encontrando")
E lá vai XX. Abre a gaveta, tira um guardanapo de cima, e lá esta ela, a tesoura. E não é pequena.
XY: Ah, mas você não falou que tinha um guardanapo em cima.
2.
XX: Me faz um favor? Já que vai subir, pega os meus óculos que estão em cima da cama?
XY: Claro!  (os XY são, geralmente, muito atenciosos)
Dez segundos depois...
XY: XXiiiisssss! Não está aqui! (Note bem: a frase é "Não está aqui" e não "Não estou encontrando")
XX sobe as escadas vai até o quarto. Em cima da cama, há um objeto preto, uma caixinha. De óculos. XX pega e olha para XY. XY responde ao olhar, indignado: ah mas você não disse que estava no estojo.

3.
Sábado eu estava com dor no meu ombro operado, deitada no sofá da sala, assistindo a um filme. Roi (meu marido e notório XY) perguntou se eu queria um remédio.
Eu: Sim, por favor! Traga a cartela de comprimidos que está no meu criado-mudo. Tem duas pilhas de livros, está em cima da pilha da esquerda. Não está nas gavetas. (Eu sabia que se estivesse nas  gavetas, o manquinho não iria encontrar nunca).
Quinze segundos depois....
XY: Claaau, não tá aqui! (Note bem, mais uma vez: a fase é "Não está aqui" e não "Não estou encontrando").
Visto a tipóia e subo. Adivinha? Está lá. Na pilha da direita? Não. Dentro da gaveta? Não. Caída, atrás do criado-mudo? Não!!! Na pilha da esquerda? Sim!!! Mas então, está embaixo da pilha? Não!! Entre os livros? Nãããão! Está em cima da pilha, com um pequeno sachê cobrindo metade da cartela.
XY: Ah, mas estava escondido!

***
Além disso, suponho também que esteja na tal perninha faltante a capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo e, certamente, uma porção da memória de curto prazo.

No domingo, nosso filho Martim tinha um jogo de futsal importantíssimo. Ele é goleiro e costuma fazer a diferença. A partida é no fim do mundo, dobrando a esquina.
Vamos todos assistir.
O técnico, ao ver o Martim, respira aliviado. Então faz a pergunta fatal: trouxe o RG?
Martim olha, aflito, pra mim. Eu olho com poucas esperanças para XY, digo, Roi. Ele não tem pra quem olhar. Não trouxe. Não leu o email até o fim, onde estava escrito "Levar o RG". Ele tenta se justificar, mas não há tempo a perder.
XY, digo, Roi: Vou lá buscar.
Eu: Ok. Seja rápido.
Roi: Onde está o RG?
Eu: Dentro da primeira gaveta do meu escritório, ao lado do computador.
Antes que ele pergunte "onde", sugiro: "Porque você não traz a gaveta? Assim não tem perigo de não encontrar!"
E estava falando sério.
Ele sai apressado.
A partida que antecedia o jogo de Martim, termina. Nada de ele chegar.
Os meninos aquecem, o técnico tenta negociar com a arbitragem. Nada feito.
Meu celular toca. É XY.
"Clau, a chave de casa está com você?"


Definitivamente, este não é um post apenas para esportistas. Mas, me pergunto: como é que vocês, triatletas XY conseguem encontrar as coisas nas sacolas de transição ou mesmo lembrar de tudo que precisa estar nelas?