Do que, exatamente, gostamos? Creio que gostamos de controlar a dor, de saber que vamos superá-la, de sermos mais fortes que ela.
Mas o que é a dor? Geralmente é sintoma de algo que não vai bem. Então, em que medida devemos, mesmo, tolerá-la? “A dor é passageira, a derrota é para sempre”. Já ouvi esta frase, atribuída a Lance Armstrong, dezenas de vezes entre os triatletas. Será mesmo? Às vezes a dor não é passageira. É uma lesão mais séria. E aí, você não desiste, cruza linha de chegada com uma lesão que não será passageira coisíssima nenhuma. Vai lhe acompanhar por meses. Talvez, se tivesse desistido, a derrota seria temporária e a dor também!
Muitas vezes não sabemos quando é hora de tolerar e seguir em frente, quando é preciso parar. Com o tempo e a experiência de treinos e provas podemos nos tornar mais hábeis em escutar nosso corpo e classificar as dores em perigosas/não perigosas. Digo “podemos” porque se trata de realmente criar uma sintonia fina e tentar distinguir as nuances. Ou seja, não negligenciar os sintomas e passar por cima todas às vezes até ganhar um repouso forçado ou, pelo contrário, correr pro ortopedista depois de qualquer treino mais forte.
Nessas últimas semanas estou tendo um convívio intenso com a dor. Da minha maior ou menor tolerância à dor dependia minha recuperação e, portanto, meu retorno completo aos treinos. A dor, neste caso, é um sintoma mas, ao contrário da maioria das situações, o aumento da dor, não é um aumento de lesão, mas sim de mobilidade articular. Então tenho agüentado firme. O instinto me mandaria puxar o braço na direção oposta àquela que a fisioterapeuta está empurrando. Expiro e, com lágrimas escorrendo pelo canto do olho, mas sem emitir um gemido, tento colaborar e ampliar ainda mais a extensão do movimento. Fui recompensada. Volto pra piscina daqui uma semana. Menos de dois meses após a cirurgia. A previsão era de três meses. Sem dúvida aumentei meu limiar de tolerância à dor com essa experiência. Não diria que é prazeroso mas, certamente, estou me sentindo mais forte.
E o outro tipo de dor? A dor da tristeza? Será que temos de aumentar nosso limiar de tolerância a esta dor também?
Eu fico com essa dor, ah essa dor, tem de morrer. A dor que nos ensina e a vontade de não ter...
Segundo o mestre Luiz Melodia, essa dor ensina. Aí também, dor é sintoma. Algo que não vai bem. E oh, embora a dor da tristeza possa ter sido provocada pelo outros (por outros, por outra) — como a dor física é provocada por treinos ou traumas, — ela é SUA. Assim como o tendão é seu e ele pode agüentar mais ou menos kms, precisar de mais ou menos alongamento, os sentimentos feridos também são seus e cabe a você aprender o que lhe faz mal, o que lhe faz bem, o que você precisa mudar para se deixar machucar menos.
Não dá pra viver sem se machucar. Isso lá é verdade. Tanto pro esporte quanto pra os departamentos mais sensíveis e subjetivos da vida. Mas quando aumentamos nossa tolerância à dor da tristeza fortalecemo-nos? Ou nos endurecemos? Tornamos-nos pessoas melhores? Ou piores? Precisamos sofrer todas as dores? Não há algumas que poderíamos evitar? Será que há momentos em que, para crescer, para se libertar de algo, ou, fazendo uma analogia com meu ombro, pra ter uma recuperação mais rápida e ser recompesada, precisamos aguentar firmes a dor?
Nesse caso também, a gente precisa de muita estrada, muitos papos com bons amigos e muita reflexão pra encontrar a medida. Pra não tolerar o intolerável, pra não transformar em lesão permanente pequenas coisas que nos incomodam e às quais não damos atenção no cotidiano ou, por outro lado, pra não correr da raia ou logo falar em rompimento à primeira dor que aparece. Pra, de fato, aprender mais sobre si mesmo com a dor.
A vida não é pra principiantes. E, quando se trata dessas dores, nós esportistas, somos como o restante da humanidade: nem melhores, nem piores.