terça-feira, 31 de maio de 2011

Ironman II — Algumas histórias — Olho de gato

Depois da novela do taquinho, finalmente fui dar uma volta com a bike. Eis que descubro que o Cateye (minicomputador de bordo que dá a velocidade, velocidade média, velocidade máxima, tempo decorrido, hora, distância e RPM) não está funcionando.
Cato a magrela e vou direto à oficina falar com o Manuel. Detalhe o Manuel - irmão do famoso (ao menos no mundo das bikes ele é famoso) Johnny Lin é o primeiro descendente de japonês que eu conheço com este nome. Pode ser preconceito meu, mas não combina. Mas isso não tem nada a ver coma história e o cara é o maior gente fina. Ele, o Edu e mais outro mecânico cujo nome não cheguei a saber, trabalharam incansavelmente das 9 às 19, sempre disponíveis e bem humorados.
Edu girou a roda pra lá, virou cateye pra cá... e nada de funcionar. Só marcava o RPM (giro). Até que ele pegou o sensor de outra roda – e o sem-vergonha funcionou. O sensor é um pequeno imã, de cerca de 5 milímetros de diâmetro que fica preso a um dos raios da roda.
Depois da confusão com o taquinho, parecia um problema simples de ser resolvido. Engano meu. Eles não tinham imãs sobressalentes. Lá ia eu de novo até a feirinha ver se achava alguém que vendesse. Já sabendo que precisaria de sorte párea encontrar sensores avulsos à venda. E comprar um novo conjunto de cateye completo estava fora de cogitação.
Chegando lá, fui direto ao stand do Max. Ele já tinha me salvado uma vez... quem sabe não me salvaria mais uma. Vi-o por ali, mas fiquei com vergonha de abordá-lo – “aquela maluca de novo” ele poderia pensar. Então encostei no balcão fiquei buscando com os olhos alguém que me atendesse.
Um cara parou bem na minha frente, do outro lado do balcão. Ele não tinha crachá de expositor. Sei lá porque, olhei pra ele e pergunte “você tem sensor de Cateye?”
Ele me olhou incrédulo e, em vez de responder, enfiou a mão no bolso e começou a procurar alguma coisa. Fiquei olhando pra ele e aguardei. Meio hesitante, ele me disse
“Tenho um a mais, aqui no meu bolso”
“Você não trabalha na loja?”, perguntei
“Não. Eu vim aqui pra comprar um tênis”, ele respondeu e me mostrou o saco plástico que segurava na outra mão.

O imã sensor, preso ao raio

Aí fui eu quem ficou de queixo caído.
“Ma-mas você não é da loja? E tem um sensor sobrando?”
“Pois é”, disse ele
“E você vai me emprestar?”
Ele, conformado, respondeu “Vou, né... acho que eu trouxe ele pra você!”
Tirou do bolso e me deu.
“Você é um anjo que caiu do céu!”
“Não, vim de Tocantins mesmo...”
Perguntei seu nome, trocamos os celulares e prometi devolver depois da prova. Não nos encontramos, mas acabei de mandar um torpedo pra ele pedindo o endereço pra enviar pelo correio.

Obrigada, Walter, de Tocantins!




Ironman II – algumas histórias Operação troca taco

Bike nova, sapatilha nem tanto
A 35 dias da prova tomei uma decisão bastante ousada e quase imprudente. Trocar de bicicleta. Não só porque teria pouco tempo pra me habituar a ela, mas, principalmente, porque estaria me endividando por, ao menos, cinco meses. O que eu não poderia imaginar é que a maior dor de cabeça que teria com essa mudança seria por conta do taquinho.
Quando fui montar a bike nova, os “especialistas” torceram o nariz: “hummmmm... este seu taquinho está muito fino. Vai quebrar. Precisar trocar.” “Ok”, respondi, “troque-se o taco”. Mas já era tarde. Eu queria pedalar no dia seguinte que era feriado e, como não tenho outra sapatilha, deixei pra fazer isso no sábado.
Para quem não é do ramo, esclareço que o taquinho é uma peça que fica embaixo da sapatilha e encaixa no pedal. A posição do taquinho é decisiva na geometria da pedalada. Taquinho torto, pedalada torta, desconfortável e, dependendo da distância, passível até de causar uma lesão.
Vai e vem
No sábado deixei a bike e a sapatilha. Na segunda, a bike estava pronta, mas a sapatilha... “Os parafusos oxidaram, está muito difícil de tirar. Precisa deixar de molho no WD40”. De novo, tinha treino no dia seguinte e não podia deixar a sapatilha. Levei pra casa, enchi de WD40.
Depois do treino deixei a sapatilha lá de novo. Na quarta, fui buscar. Não estava pronta.
“Não conseguimos. Não quer comprar uma nova?"
“Não. Esta está amaciada. Molinha. No jeito. Não quero usar outra
“Vai precisar serrar por dentro. Você usa palmilha?”
“Uso”
“Então deixa aí que nós vamos serrar.”
“Não deixo. Amanhã tem treino. Deixo depois do treino”.
Deixei depois do treino. Telefono pra saber. Tem treino no dia seguinte. “Já já fica pronta e eu te ligo. Meia hora”. Não ligou. Corro atrás de uma sapatilha emprestada. Minha amiga Kelly, me salva. Vou até a casa dela, quase nove da noite. Ela me espera de pijama na porta do prédio. Temos treino logo cedo.
Acho que foi só na 5ª vez, quando fiquei lá esperando, que a troca de taco foi feita. Agora precisava retornar ao Igor, do bike fit, pra fazer os ajustes. Chego no Igor, de taquinho novo, mas ele não consegue abrir os parafusos! Estão espanados.
Volto pra loja, troco os parafusos e o taquinho é ajustado. Mas não fica bom. Meus joelhos estão virados pra dentro. Só que é dia 24 de maio. Embarco no dia seguinte. Ligo pro Igor, mas não consigo falar. Não dá mais tempo. Agora é rezar pra encontrar algum santo que me ajude.

Em Flops
Chegando em Flops vou direto à oficina do hotel. O Manuel, irmão do Johnny Lin, me explica que arrumar o taquinho não está na programação deles. Nem têm os materiais necessários. Vou ter de arranjar esquadro, transferidor e um rolo! Rolo é um suporte onde se coloca a bike para pedalar com ela estacionada e também para fazer os ajustes do taquinho, selim, guidão etc.

Meu anjo salvador e eu

Está fácil... mando um torpedo pro pessoal, perguntando quem tem um rolo - sempre tem algum maluco que leva – mas, os que me respondem, não só não tem, como acham que estou maluca e ainda tiram uma da minha cara. A engraçadinha da Kelly responde “tenho rolo de macarrão, serve?”. O tempo urge e ruge. Fazer um novo fit, agooora????
E lá vamos eu, bike, sapatilha e seu marido, o taquinho, rumo à feirinha. Alguém há de me salvar. Vou passando ao lado das oficinas, meio perdida. Um careca grandão se posta ao meu lado e pergunta
“Posso te ajudar em alguma coisa?”

“Siimmmm! Pode me salvar!!!”

Então explico a situação pra ele. Ele coloca a bike no rolo e começa o seu serviço. Além do taquinho, ele alinha meu banco que está empinado pra cima, e abaixa ele um pouquinho. É simpático, firme e seguro. Quando pergunto seu nome, se apresenta, humilde “Sou o Max”. Quase caio das pernas (ou melhor, do rolo). É o Max, da Kona Bikes. Mega atencioso. Fica 15 minutos comigo e ajusta o taquinho. Não me cobra nada. Apenas que faça uma boa prova.

Obrigada Max, de Curitiba!

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Longão na estrada

Ronaldo, Serginho, Diogo, Kaká, eu, Wagner e Roi. Missão cumprida.


Pico
Domingo, dia 1º de maio, rolou o treino de bike. É aquele tal, de 180 kms,  para o atleta ganhar confiança, saber que dá conta do recado, que segura as pontas (as costas, as pernas, os quadris). Nessa mesma semana rola também o famoso mais longo de corrida que, para alguns ultrapassa os 30 kms mas, a maioria faz até esta marca. É o pico do treinamento. E a sensação é essa mesmo. Vamos subindo, subindo e a cada semana a trilha fica mais íngreme, mais cansativa.


Temores
O Wagner, meu querido técnico, decidiu organizar um treino na estrada: Ayrton Senna/Carvalho Pinto. Relutei muito em ir. Muito mesmo. Tenho um medo lascado de morrer na estrada. Sou cautelosa, não solto o freio e vou a 60 por hora nas descidas, ando o máximo possível à direita, presto a maior atenção nas entradas e saídas da rodovia mas... Não depende apenas de mim. Um carro desgovernado, um caminhão distraído, um buraco no acostamento... A chance de um incidente transformar-se em acidente e em uma tragédia, existem e não são remotas. Além disso, não gosto de retardar o grupo quando sei que a maioria pedala mais forte que eu. E ficar sozinha na estrada, não dá.
Depois de muito ponderar, discutir com o Wagner todos estes medos e saber que: 1. teríamos dois carros de apoio, 2. ele pedalaria uma boa parte com os mais lentinhos, 3. que meu maridão iria me escoltando, acabei topando.
Amanhecer
Chegamos no posto BR da Ayrton Senna com o dia clareando. O grupo era: Kaká, Ronaldo e Diogo - mais fortes e Serginho e eu - cafés com leite - e o Roi, meu marido, que não é café com leite, mas foi um doce e nos acompanhou. Wagner saiu pedalando junto e ficou - até decidir ir pro apoio - na rabeira. Karlinha, namorada do Kaká, e Dani, esposa do Wagner, deram o apoio, cada uma em um carro.

Primeiros quilômetros
No início, não escondi de ninguém que estava absolutamente tensa. Agarrava o guidão como se ele pudesse tentar escapar. Não parava de me perguntar "porque diabos entrei nesta enrascada? 180 quilômetros! Não vai acabar nunca!"
Chegamos ao primeiro pedágio e foi uma piada, pois passamos por uma cancela do Sem Parar, sem parar, o que fez com que um alarme disparasse e uma das cobradoras viesse correndo atrás da gente. Fizemos de surdos e seguimos em frente.

Relaxing
Depois da entrada para Mogi, o movimento diminui um pouco e comecei a me acalmar. O Wagner, que não é tatu, ficou do meu lado um bom tempo batendo papo, me dando uns toques sobre mudança de marcha e outros temas técnicos, falando da vida...cuidando de mim, me pageando sem me constranger.
A Dani parecia estar escoltando uma prova, não um treino. Torcia, vibrava, fotograva (todas as deste post são dela), gritava "Vaaaaaai Irooooooon!" "Vaaai Chrissie Wellingtoooon!". Era ótimo. Eu dava risada e lembrava porque estava ali.
Lá pelas tantas o Wagner ficou atrás com o Serginho e o Roi cuidou de mim, me ajudando em todos os trecho em que havia bifurcações, saídas e entradas de outras rodovias. Eu imaginava que ele devia estar louco pra ir com os caras que dispararam na frente, mas ele se controlou bem.

Túneis
Uma das partes mais desagradáveis é passar pelos túneis. São três, não são muito extensos, mas a combinação de barulho com escuridão é apavorante. Quando calha de passar um caminhão, o ruído é ensurdecedor.  A única vantagem é que dentro deles o acostamento tem o dobro do tamanho.
No Iron, também passamos por um túnel, mas sem o trânsito de carros, então, não há o barulho. Em compensação, não sei porque, é o lugar em que muitos atletas decidem descer de suas bikes e marcar território. Dá pra imaginar o cheiro.

Agua e gatorade
O xerife, esperando eu passar.
Normalmente, quando treino na USP, na ciclovia ou outros lugares, costumo dar uma paradinha para reabastecer as caramanholas de agua e gatorade, já que, diferente da prova, não tem ninguém pra me entregar enquanto pedalo. E, confesso, acho ótimo. Essas paradinhas são providenciais,  pois o treino é longo, estou exausta e é uma desculpa legítima pra parar por um minutinho que seja.
Mas não quando você vai treinar com seu técnico e ele decide que não tem paradinha, não. Ele mesmo vai dar uma de voluntário e entregar a água e o gatorade enquanto você passa por ele. É mole?! 180 km e nenhum refresco?! Só faltou ele me dizer "minha filha, é pro seu bem! você ainda vai me agradecer isso um dia..."


A volta e o pneu
Então o retorno foi feito já pertinho de Taubaté, sem nenhuma paradinha no Frango Assado. (E olha que eu adoro entrar no banheiro feminino, de sapatilha e capacete, toda desgrenhada, enquanto a mulherada do Cometão, tão desgrenhadas quanto eu, após 36 horas de viagem, me olham com aquela cara de "de que planeta ela veio?)".
E a volta é mais dura. Não só porque vc já está com 90 kms em cada perna mas porque a gente sai de 800 metros de altitude e chega a 300. Na ida não parece que tem mais descidas. Mas na volta COM CERTEZA tem muito mais subida.
Lá pelas tantas, Dani e Karlinha emparelharam o carro (o Wagner estava no outro, traidor,  não pedalou na volta) e eu implorei: dá uma caroninha??? Só uns 10 kms... eu não conto nada pro Wagner... depois eu te recompenso... você não vai se arrepender!" Não teve jeito. Ela não cedeu.
A coisa estava tão feia que comecei a pensar "fura pneu! fura pneu! assim vou poder esticar as pernas um pouquito!"
Um anjo passou, fez amém na mesma hora. Entre o primeiro e o segundo túnel,  furou não uma, mas duas vezes! Nunca fiquei tão feliz em ter um pneu furado! O Roi ficou comigo quase todo o tempo, e estava ali àquelas alturas. (Obrigada, amor!) Embora eu tenha feito boa parte da operação sozinha, tem um pedaço que as minhas mão femininas não dão conta: terminar de colocar o pneu na roda. É muito duro!!!
Subida na ida...

...subida na volta!

Chegada
Karla, eu e Dani - mais que apoio, torcida!
Custou mas acabamos chegando. No início de um retão, Karlinha cantou a bola "é logo ali!". Só que não era. Era lááá, não ali.  Não chegava nunca. Minhas costas, ombro e quadris estavam imprestáveis.
Finalmente chegou. Paramos no posto no sentido SP. Lá Karlinha, Dani, Roi e eu aguardamos Wagner para fazer o transporte para o outro lado. Fomos de carro já que parece que o retorno perto do posto onde deixamos os carros é perigoso. Enquanto esperávamos, Roi foi se trocar e eu e as meninas levamos aquele papo feminino, que cria intimidade em cinco minutos. As duas - Karla e Dani - já moram no meu coração!
Lá  chegando revelei a surpresa que havia preparado para todos: pão de ló recheado de doce de leite (leite moça cozido) - praticamente um bem-casado, só que sem o açúcar por cima. Delícia! Foi devorado com muito prazer por todos.
No final, gostei de ter ido. Sim, Wagner, nem vai demorar o dia pra eu dizer "você tinha razão". Independente do resultado da prova, sei que já sou  uma atleta melhor do que era antes de treinar com você - e você é sim o maior responsável por isso. Obrigada.
Repartindo o bolo. Hummmmmm.