sexta-feira, 24 de junho de 2011

Ironman II - Lições e agradecimentos

Lições de um segundo Iron
A experiência desta prova foi muito diferente da primeira, mesmo assim, uma regra se confirmou: o resultado da prova expressa o que foi treinado. Nas provas curtas é possível ter um tempo melhor do que os tempos de treino. No Iron não há menor possibilidade. Na melhor das hipóteses, você faz o que treinou.
Com exceção da natação, fui mais rápida em todos os meus tempos:

Natação 2010 1h06m35s Natação 2011 1h09m59s

T1 2010 11m25s (perderam minha sacola...) T1 2011 5m08s

Ciclismo 2010 6h12m51s Ciclismo 2011 5h59m37s

T2 2010 6m00s T2 2011 2m46s

Corrida 20103h58m30 Corrida 2011 3h57m35s

Aprendi a ser rápida na transição, pedalei melhor e ainda consegui baixar quase um minuto na corrida.
Treinei melhor, fiz um tempo melhor.
Saber lidar com as próprias expectativas, exigências e críticas é quase impossível de treinar e, durante o Iron, são obstáculos tão ou mais difíceis do que as distâncias que temos de transpor. Isso, depois do debut, é muito mais complicado. Quando estava me preparando para o primeiro Iron fiz uma estimativa do tempo que iria demorar MAS não me cobrei muito, não. O principal objetivo era cruzar a linha de chegada sem rastejar. No segundo, no mesmo percurso que o primeiro, não tem jeito: queremos superar nossa própria marca. Ao longo de toda a prova essa cobrança martelou minha cabeça e não foi bom. Passei por uma montanha russa de sensações, alternando momentos em que me sentia bem tanto física quanto psicologicamente com outros em que queria desistir.
Ao longo dos meses estive muito focada. Minha prioridade era cumprir minha planilha, no ritmo proposto. Abri mão de treinar com amigos e amigas porque queria fazer o meu ritmo e não bater papo. Foi muito mais solitário. Não fiz treinos de corrida na rua, pra não quebrar o ritmo –  fiquei na USP,  no Ibira e  noVilla Lobos. Algumas vezes, esteira. Sem música. Nos longos, com fuelt belt (com gel e accelerade), meia de compressão, viseira, o tênis e o modelo de meia que iria usar. O mais parecido com a prova possível.
No pedal tentei sempre andar com a média acima dos 30km/h. Não foi fácil e algumas vezes caí na tentação de pegar uma roda. Ainda assim, buscava uma roda daquelas bem difíceis, atrás da qual eu tivesse de fazer força.
Foi uma viagem solitária, focada e concentrada. Assim como a prova. Sem muitas gracinhas e brincadeiras. Um pouquinho, porque não combina comigo ser sisuda. Séria sim, sisuda não.
Entendi melhor o que é ser um Ironman. Dei muito mais de mim, terminei mais perto do limite, com a sensação de que venci a guerra depois de uma série de árduas batalhas. Por incrível que pareça, acho que tenho margem pra melhorar ainda um pouco mais. E, confesso, isso me assusta.


Agradecimentos
O Iron é uma prova individual mas, mesmo assim, competimos respaldados por uma equipe: técnicos, nutricionistas, parceiros de treino e família.
Meu segundo Iron não escapou à regra. A lista de pessoas que ajudaram, torceram e apoiaram é extensa. Agradecer nunca é demais. Então... agradeço, sem nomear todo mundo. Quem não for citado textualmente, mas estiver lendo este relato, por favor, sinta-se contemplado pela minha gratidão. Agradeço:

O apoio da minha família que, mais uma vez, soube compreender e suportar o fato de ter uma mãe/esposa/filha pouco disponível por tanto tempo.

Ao meu técnico Wagner Spadotto, a quem devo muito do meu resultado. Ele soube exigir de mim, colocar metas difíceis mas possíveis e, no momento crítico estava lá para me incentivar. Wagner você é um PUTA TÉCNICO além de ser uma pessoa maravilhosa. Conhecer e conviver com o Spadotto Team também deu aos treinos e ao Iron um gostinho especial. Valeu Spadotta, Karla, Kaká, Ronaldo e Nati!

À Julinha, parceira de treino, companheira de padoca e de momentos familiares além de técnica especializada em compressão de bisnaguinhas.

Nilma e Pedro Fernandes pela companhia sempre animada e as intermináveis conversas sobre triathlon.

Thelma e Gra, irmãs, amigas, madrinhas de triathlon, pela torcida e as palavras “calmantes” antes da prova.

Mari Klopfer pelas conversas, toques e a confiança no meu bom senso.

Aos amigos triatletas, corredores e técnicos da MPR, Planet, Sumaré Sports, BK (entre outras assessorias) por suas palavras de incentivo e por compartilharem comigo esta paixão pelo esporte.

A todos os amigos não triatletas e colegas de trabalho que tiveram paciência de me ouvir contar sobre os treinos e a prova e que torceram por mim mesmo sem entender como posso gostar desta insanidade.

Aos leitores deste blog que me escrevem, me incentivam, me acompanham.

sábado, 18 de junho de 2011

Ironman II – pós prova - A vida não é filme

A chegada estava uma muvuca. Como se vê no post anterior a este, nem dá pra me ver na foto de tanta gente que estava chegando ao mesmo tempo. Pena. Queria uma imagem como a do ano passado, bem debaixo do pórtico, com toda a família. Mas tudo bem. Paramos um pouco adiante e tiramos esta outra que postei ali em cima.
Abracei e beijei meus amores e combinei que nos encontraríamos no funil da chegada. Em 2010 fiquei meia hora procurando alguém da família depois da prova e isso não foi nada divertido. Apesar de não estar rastejando, estava bem cansada e sentia um pouco de tontura. Decidi passar por uma avaliação médica – se achassem que eu deveria tomar o soro, tomaria, caso contrário, medalha, camiseta e rua! O seu dotô me olhou e disse: bem... um pouco desidratado todo mundo aqui está... Se quiser um sorinho, deite aí na maca, alguém já lhe coloca.
Achei melhor só dar uma deitadinha pra passar a tontura e depois ir embora. Fui parar bem do lado do Flavinho Souza Ramos que chegou menos de 10 minutos antes de mim (hehehe) e engatamos numa conversa animada que nem parecia que a gente tinha acabado de completar um Iron.  E, bem, já que o papo estava bom e não tinha um chope pra acompanhar, decidi tomar o soro mesmo. A moça que foi colocá-lo em mim estourou duas veias e não teve sucesso. Desisti e decidi me hidratar por via oral que é mais agradável e não estoura a veia de ninguém.
Saí dali enrolada naquele coberto de papel alumínio e, na hora de pegar a medalha e a camiseta de finisher encontrei o Roger Haybittle, feliz da vida porque tinha melhorado seu tempo.  
Encontrei meu pessoal no local combinado. 
Sentei na calçada e lancei âncora. Lembrei que tinha pego umas broinhas de milho e um sache de mel no café da manhã e que deveriam estar dentro da minha mochila que estava com a minha mãe. Que delícia!!! Foi a melhor coisa que comi o dia inteiro. Mas lembrei também que tinha prometido à Mari, minha nutricionista, que tomaria as vitaminas e uma medida de (bleeeeergh) R4 logo após a prova.  Como estávamos bem em frente à residência dos Blois, lá foi ela bater e pedir água pra fazer a mistura. De quebra, trouxe o Daniel, que já estava de banho tomado e roupa seca e limpa. Que inveja.
 Ficamos lá, de papo furado. A Julinha passou e os meninos foram fazer uma segunda chegada com ela.
Daniel, de banho tomado


Com o R4 na mão: "será que vou tomar?"


Enrolada no alumínio, com os meninos, esperando a Juju.
Quando ela chegou, passei meu chip e o cartãozinho pro Roi pegar minha bike e fomos pegar a van pro hotel.
Ju e Martim, logo após a chegada dela
Levantar dali e andar até o ponto de onde saia o transporte foi um esforço e tanto. Fomos andando pela rua e chegou um momento em que teríamos de subir na guia. Julinha e eu nos entreolhamos. Ambas queríamos evitar este movimento. Não parecia possível elevar a perna, flexionar o joelho, apoiar o pé, colocando o peso na perna da frente, elevar a perna de trás e apoiar. Muito complexo e doloroso. Assim como parecia impossível entrar na van. Não foi fácil. Quase choramos, pedimos um guindaste, mas conseguimos.
Depois do banho e antes do jantar, eu e Roi resolvemos abrir o site pra ver se tinha algum resultado da prova.  Pegamos a lista de inscritas e fomos checando uma a uma. Assim descobri que tinha ficado como segunda da categoria.
Bem, se minha vida fosse um filme, eu teria vencido e a vaga para Kona seria minha. Mas não foi assim. Sim, ficaria feliz em ser a primeira e levar a vaga. Mas não fiquei chateada. Vice-campeonato, pódio e troféu de Ironman? Bom demais. Fiquei muito satisfeita com o resultado. E fomos comemorar, com pizza, jantar, familiares e amigos, o aniversário da Juju e os nossos Irons.
Feliz da vida, no pódio, com meu troféu de vice.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Ironman II - Demônios e anjos - a corrida

Transição
Desci da bike a apertei o “lap” sem olhar o tempo e nem a média. Bom... não tinha prestado atenção nesses detalhes quando fiz a metalização da prova...
Diferentemente de 2010, eu tinha pernas, mas meus pés estavam completamente anestesiados. Fui manquitolando até a tenda, tirando o capacete e a faixa, peguei rapidinho minha sacola — de novo os adesivos me ajudaram — e fui me preparar. Duas voluntárias estavam desesperadas pra ajudar. O ano passado, elas foram uma mão na roda. Este ano, com a nova regra, via-se que estavam se sentindo meio inúteis ali, tentando fazer alguma coisa, mas sem infringir as regras.
No meu caso, enquanto eu trocava de meia e calçava o tênis, pedi pra ela verificar se encontrava um novo par de pés, porque o meu estava inutilizado. Ela entrou na brincadeira e começou a fuçar dentro da sacola “Negativo. Você esqueceu de colocar um de reserva”. Vesti a viseira, o fuel belt, catei o saquinho plástico onde tinha colocado os dois recipientes com gel e água e fui embora.
Quando puxei o número de peito pra frente, rupt! Rasgou de um dos lados e ficou pendurado. “De novo!” pensei, “igual ao ano passado, só que logo no começo da corrida!” Ajustei o número por baixo do belt e segui em frente.
Não me esqueci de apertar o “lap” mas, logo ao passar o tapete, me dei conta de que não tinha tirado a camisa de ciclismo. Aquela hora, estava quente. “Vou sentir calor, melhor tirar”. Fui correndo e improvisando um striptease nada sexy. A camisa ficou na mão até que eu avistasse a Dani e a Karla. Joguei pra elas e segui.

Primeira volta
O espírito maligno parecia ter ficado na bike. Estava me sentindo bem. Quando olhei pro Garmin e vi 4m40s lembrei do que já sabia desde o ano passado e que os técnicos não cansam de alertar: “Puxe o freio! Este ritmo é uma ilusão que vai fazer você quebrar no meio da maratona! Seguuuuura!” E, assim, a contragosto e muito racionalmente – pois meu ímpeto era continuar naquela toada—, diminui o ritmo. O tempo iria provar que foi uma sábia decisão.
A torcida, na espera
Vi os pequenos, finalmente, que eu não tinha avistado desde a largada. Estavam na frente do hotel e fizeram aquela torcida de levantar o astral. Meus pais eu tinha visto durante o pedal, mas os filhos, não.
Assim que a gente sai da avenida dos Búzios, tem placa “33km”. Não resisti. Olhei pro cara que estava do meu lado e falei “bem que podia ser verdade...” Ele riu e pediu “Não me faz rir agora, por favor!”
Logo na primeira volta, no segundo ou terceiro quilômetro, ultrapassei a Silvia Paller. “Ueba”, pensei, estamos bem. A Silvia é da minha categoria e tomei pau dela em Penha, por 1 minuto de diferença em 2009. Ela era uma das minhas referências. A outra, era a Rita, pra quem perdi o terceiro lugar no Iron do ano passado e o primeiro no GP Extreme, este ano. Para ter alguma chance de subir no pódio este ano, precisava ganhar delas. A Valéria, da Ironmind, eu sabia que seria muito difícil de pegar. E ainda tinha a vencedora de 2010, uma Argentina forte como um cavalo. Quem sabe o terceiro lugar que escapou em 2010?
Então, quando passei a Silvia, me animei. Onde estava a Rita? Eu nado um pouco melhor que ela. Em São Carlos ela me pegou logo no início do pedal. Este ano, ela não me passou no pedal. Eu não sabia se ela já tinha saído da água na minha frente ou se não tinha me alcançado no pedal. Aí seria difícil ela me pegar. Teria de ficar ligada pra ver se e quando encontraria com ela no percurso da corrida. Aí saberia se ela estava na minha frente ou não. Outra que estava na minha mira, era Nilma. Ela saiu da água na minha frente mas, no pedal, fiquei com a impressão de que eu estava me aproximando dela a cada volta e não me distanciando, como ocorreu no ano anterior.
Sim, sim, confesso, sou competitiva. Não vou negar. A maior competição é, sem dúvida, comigo mesma só que as pessoas da sua categoria ou aquelas que sempre competem com você, passam também a servir de parâmetros.
Lá pelo quilômetro seis ou sete, o Wagner apareceu de bike. “Como você tá? Ta bem?” Respondi que sim, até aquele momento, tudo bem. E ele “você ta correndo muito bem, se você mantiver este ritmo, não tem pra ninguém!” Claro que a frase me animou.
Logo depois disso, ultrapassei a Nilma. Aí sim, senti firmeza. Em 2010 só tinha chegado nela na volta de Canasvieiras e isso porque ela tinha sofrido um acidente no pedal e isso a tinha atrasado bastante. “Opa! Não é possível que ela tenha sofrido outro acidente! Parece que meu pedal não foi tão mal mesmo!” Ela, como sempre, me deu aquele apoio: “Vai, Clau, agora você chegou na sua praia!”
Com o número na mão, animada, ainda...
Acabei de tomar meu accelerade (blergh, como é enjoativo esse trem), tirei o advil que estava no bolsinho e joguei o cinturão de utilidades do Batman pro Wagner pegar e guardar. Aí fiquei com um abacaxi: o número de peito. Do jeito que estava — preso de um lado só —, não dava pra ficar. Então arranquei da cinta, dobrei e enfiei dentro da bermuda. Joguei minha cintinha OG fora com dor no coração. Quanto menos coisas penduradas, melhor.
E fomos nós pra subida de Canas-Jurê ou melhor Jurê-Canas. De novo, não andei. Fui num trotinho bem leve, mas não deixei de correr, nem na ida, nem na volta.
É uma hora bem legal da prova porque a gente cruza com meio mundo de gente e vê quem está perto, quem está longe, quem está se arrastando, quem ainda tem gás. Este trecho também tem bastante gente torcendo e aplaudindo. Senti falta de estar com meu número de peito à mostra porque as pessoas não podiam gritar meu nome. Não parece, mas faz uma tremenda diferença.
Na volta de Canas, cruzei a Rita, que ainda estava iniciando a subida. Como sempre, ela foi simpática “vai com tudo, Clau!”. “Eba. Ela está bem atrás. Será que agora sou a terceira?”
O fim da primeira volta é uma farra. Está de dia, você vê um monte de gente, o pique ainda é muito bom. Mas o sol já está bem baixo, o vento sopra e a transformação do clima se anuncia.

Segunda volta
De posse da primeira pulseirinha, saí para segunda volta. No quilômetro 23, ele voltou.
Já não estava mais tão animada
Vesti a blusa de manga comprida com os nomes de todos os meus homens estampados nela, peguei a garrafa com accelerade e segui. Não agüentei dar meio gole. Não descia. Decidi ficar só com o gel mesmo, que estava tomando a cada 7 km.
O espírito voltou a me assombrar. E agora, era muito pior. Faltava pouco, mas faltava muito. Faltava pouco, mas já tinha sido muito. Principalmente para as pernas e os pés, e as costas e a unha e a sola do pé. “Você vai mesmo até o fim?” o demônio me perguntava, “Em nome de quê? Pára com isso. Você já não agüenta mais! O que você quer? Um troféu? Ir pro Havaí? Primeiro: sem chance. Segundo: você ficou louca? Já se imaginou treinando de novo tudo isso??? Sofrendo naquele vento e naquele calor? Tem certeza? Desista! Isso não é pra você.”
As palavras soavam verdadeiras. Naquele momento eram verdadeiras. E foi uma luta pra não entregar os pontos. “Não. Não vou me entregar. Fiz o mais difícil, que foi treinar pra essa bagaça. Agora, eu vou até o fim. Eu dou conta. Estou preparada. E tem muita gente aqui torcendo por mim. Imagina a cara dos meus filhos?! Sem chance!”
Então eu conseguia afastar o maligno por algum tempo. Conforme a 2ª volta foi terminando, fui recobrando o ânimo. Torcida, aplauso, festa, sempre ajudam. Mas meu cansaço era visível e mãe, pai, marido, amigos, técnico perceberam. Também não escondi de ninguém. “Como você está?” eu ouvia alguém gritar, “cansada”, eu respondia.

Definitivamente, cansada.
Terceira volta
Logo na saída pra derradeira volta, no posto de hidratação que tem bem ali no comecinho, tinha uns quatro atletas andando. Eu estava cansada, mas não ia sair andando bem ali, tão no início da volta. Como eles estavam mais á esquerda, onde se concentrava o staff que oferecia as bebidas, decidi ultrapassar pela direita. Eis que um dos atletas decide, na última hora, estender a mão pra pegar água com um voluntário à direita. Ou seja, estendeu o braço bem á minha frente, na hora em que estava passando. Não tive a menor hesitação: dei um tapão no braço do cara e pernas pra que te quero. Nem olhei pra trás. Certamente, ele não iria me alcançar pra reclamar. Desculpe colega, mas não dava pra fazer outra coisa.
Eu imaginava, pela luz do dia, que meu tempo era melhor que 2010. Mas não tinha certeza e não queria checar pois se fosse pior, teriam me derrubado de vez. Era melhor viver iludida e na esperança do que me confrontar com uma realidade frustrante.
A última volta foi um verdadeiro suplício. O maldito me atormentou quase a volta inteira. Não consegui brincar com ninguém nos postos de hidratação. O máximo que fiz foi agradecer com um murmúrio ininteligível. Não tinha energia pra desperdiçar.
Mesmo com o demo falando na minha orelha sem parar, a outra voz dizia: “vamos, vamos que o seu tempo vai ser melhor que o ano passado. Vamos, vamos que você não pode deixar a Rita ou a Silvia se aproximarem.“
Por volta do km 37, no trecho que passa atrás da Búzios, onde tem uns prédios baixos, quando voltava do retorno, cruzei com um atleta que gritou “olha moça do blog!”. Consegui sorrir, acenar e fiquei emocionada. Que bacana esse negócio do blog! Na véspera da prova, encontrei um atleta, Sidnei, que veio conversar comigo, dizer que lia meu blog e que eu o tinha inspirado a fazer o Iron. Foi muito gratificante. Mas voltando ao atleta desconhecido, fiquei intrigadíssima: quem é ele? Como me reconheceu de viseira, nesta escuridão? Já consegui a resposta da primeira questão: é o André Cruz (mas não é o Xampa), de Porto Alegre. Mas a segunda, eu sinceramente espero que ele responda ao comentar este post!! Ok, André?!
A verdade é que esta intervenção do André distraiu o deminho por alguns minutos, o que foi muito bom. Mas logo ele voltou à carga. Os joelhos doíam, os pés pareciam estar pisando direto no chão, como se eu estivesse descalça mas, por outro lado, a unha do dedão parecia apertada, o ritmo despencava a cada quilômetro.
Tomei um pouco de Pepsi no penúltimo posto e depois no último. Estava me arrastando.

Chegada
Então apareceu um anjo. Faltavam 2,5km e ele veio me resgatar. Quem? O Spadotto, Wagner, meu técnico.
Foram 2,5 km em que ele calou o maligno e basicamente me carregou. “Vamos, guerreira, agora falta pouco! Vamos guerreira, que a sua família ta te esperando! Bora bora bora! Você ta bem! Vamos, falta pouco!”
E fiz um esforço que parecia 4m30s por km, mas era 5m50s, como pude conferir depois. Mas fui achando aquele finzinho da energia e me alegrando e me preparando pra encontrar com meus meninos.
E o Wagner, como um pai que entrega a filha no altar (só que um pouco mais rápido), me deixou com os meus cinco amores para cruzar a linha de chegada em 11horas, 15 minutos e 5 segundos. Vinte minutos a menos do que em 2010.











segunda-feira, 13 de junho de 2011

Ironman II - Sai de mim que este corpo não te pertence! - O pedal

  Então sai da água e vi meu tempo. 1 hora e 9 minutos. Não gostei. Três minutos a mais do que em 2010. “O mar estava mexido, todo mundo deve ter nadado pior” – pensei. Mas não adiantou. Não queria sair perdendo de mim mesma logo na primeira modalidade.

Apertando o "lap"
Estava congestionado na área de “arrancagem de roupa de borracha” e quase tive de pegar senha. O staff é eficiente, portanto consegui me liberar rapidinho. Voei pelo tablado afora, ultrapassando um monte de gente que passeava, recuperando o fôlego. Quase na tenda, passei o Marquinhos Pereira, colega de treino, e notei que ele estava muito pálido e parecia mancar. Perguntei se estava tudo bem e ele respondeu que sim, mas não foi muito convincente. Eu estava com pressa, não havia muito que fazer por ele mesmo e eu tinha certeza de que em questão de minutos ele me alcançaria no pedal, segui em frente.
Para minha felicidade, a sacola estava lá e os adesivos coloridos facilitaram o serviço de encontrá-la.
Sentei, vesti a meia, a camisa de ciclismo, a faixa na testa, passei Chamois nas regiões de maior contato com o selim, saí com o capacete na cabeça e os óculos na mão. Árvore e tenda, árvore e tenda, árvore e tenda, repetia pra mim mesma enquanto me dirigia ao corredor onde estava minha bike. Árvore qual? A da tenda branca! Achei fácil. Empurrei até a área de monte, achei um cantinho e deslizei o pé pra dentro da sapatilha da direita, que estava clipada e presa por um elástico. Saí pedalando no estilo “pé com pano, pé sem pano” (quem lembra???). O elástico não soltou fácil, não. Mas nem entrei em pânico. Já tinha até treinado essa situação. Esperei chegar a um lugar menos tumultuado para calçar a outra sapatilha. E esse procedimento que, confesso, tanto temi em tantas provas, foi super tranquilo. Parece bobagem, mas fiquei toda orgulhosa.

Testa franzida. Espírito do mal encarnado

Por incrível que pareça, lembrei de apertar o botãozinho de “lap” do Garmin tanto na passagem da transição do tapete ao sair da natação, quanto na hora em que saí pra pedalar. Mentalizar a prova antes ajuda a gente a não esquecer estes pequenos detalhes.
Logo na saída de Jurerê a pista estava congestionada. Muita gente saiu junto e no trechinho inicial a estrada é estreita, estão estava difícil não embolar. Até aí, eu estava recuperando a calma e entrando no espírito ciclístico. Na hora em que entrei na SC 401, começou o inferno 2.

Bad trip. “Tem algo estranho com minha pedalada. Vou ter dor. Estou sentindo o joelho. A minha virilha está esquisita. Nunca usei essa roda 1080, isso não pode dar certo. Não fui bem na natação, vai ser muito pior no pedal. Porque diabos eu inventei de fazer outro Ironman mesmo???”. E por aí afora. Vinte quilômetros de auto sabotagem.

Assim como veio, o espírito do mal que me encarnou, foi embora e comecei a me sentir muito, mas muito bem. Não ventava, o pedal encaixou, minha média estava cada vez melhor, o sol brilhava – ah, não passei protetor depois de sair da água – os passarinhos cantavam, o dia estava lindo. “Que bobagem... É CLARO que vou fazer um tempo melhor! Estou bem mais treinada! Vai dar tudo certo!”
Passei a Juju, avistei a Nilma que estava à minha frente, ultrapassei um atleta que lotou seu capacete gota com adesivos da família, conversei rapidinho com um e outro atleta. No retorno, há poucos quilômetros do fim da primeira volta, percebi que o vento estava aumentando.
No retorno, a passagem pelo trecho “Paris-Roubaix”, com todos aqueles paralelepípedos e pessoas aclamando, a gente fica animado. Logo de cara, onde começa a avenida que termina no retorno, estava o Wagner, meu técnico, que queria, a um só tempo, saber como eu estava e me incentivar a ir com tudo e não perder tempo com acenos e beijinhos. kkkkk. Mas é LÓGICO que não obedeci.
Na hora que a gente passa pela principal aglomeração, tem um locutor que vai anunciando quem passa. Quando passei, ele estava anunciando o cara da minha frente e eu logo gritei “E TAMBÉM A CLAUDIA, 729! É A CLAUDIAAAAA! APLAUSOS PRA ELA!!!” levantei braço (e não oS braçoS, porque naqueles paralelepípedos nem o Lance Armstrong se atreve), o locutor deu risada, me aclamou,a galera aplaudiu, saí rindo e com a energia – supostamente – renovada.


Sorriso. Espírito do mal desencarnado
 
E no início da segunda volta, ao contrário da primeira, nas subidas, eu já ultrapassava mais atletas do que era ultrapassada.
Chegando ao centro, o vento começou a pegar. E o terceiro inferno começou a pegar. O espírito do mal reencarnou em mim novamente. “Que m... estou fazendo aqui? Nunca vou melhorar meu tempo com esse vento. Vai ser uma frustração. Tanto treino, bicicleta nova, pra nada! Nada! Só este sofrimento, só essas dores? Para quê? Alguém pode me explicar pra quê isso tudo? Investir todo esse tempo, esse dinheiro? Não faz sentido. Nunca mais vou fazer essa merda. Chega.”
Como este trecho é vai e volta e vai e volta e vai,  e assim também o espírito do mal vai e volta, porque, obviamente que há momentos em que o vento esta a favor. Nessas horas o espírito do mal se afastava um pouco.
Lá pelas tantas, num trecho em que o vento era lateral, uma rajada quase me derrubou. Juro mesmo. Nunca tinha passado por algo assim. Culpa da 1080. Que susto. Dali em diante só deitei no clipe quando tinha certeza de que o vento não era lateral. Eu, hein.
No meio da volta, o Marquinhos Pereira me alcançou. “Nossa,” pensei “só agora?” Então ele me contou que tinha sido jogado pra pedras ao final da natação e que tinha se machucado. Estava explicado.
Na volta, embora o cansaço fosse maior, o vento ajudava e, assim, o espírito do mal foi sendo soprado pra longe. Soquei a bota. Não olhei a velocidade –porque a essas alturas o imã do cateye tinha escorregado e não funcionava, — mas fiz força. Ultrapassei muita gente. Na subida, na descida, no plano. Na descida bati meu recorde de velocidade: 59,9 km/h (vi isso depois no registro do Garmin). Nunca tinha feito isso na vida. Foi bom. No trechinho final – que a gente passa a saída pra Jurerê, aproveitei o vento a favor e, na volta, a leve descida. Na estradinha pra Daniela, em empolguei. Sentia-me como um cavalo quando percebe que está voltando pra cocheira. Alcancei o Marquinhos. “Sou eu que estou bem ou você que está mal?” Ele, gentil, respondeu que eu estava bem. Era um pouco de cada coisa.

"Tudo bem!"
 Chegando a Jurerê, passo pela Dani e Karla, esposas do Wagner e do Kaká, que perguntam como estou, respondo com um sinal: positivo.
Solto as sapatilhas e já vou, mentalmente, visualizando tudo que farei no momento em que desmontar da bike. Desço, aperto o “lap” só que esqueço de olhar meu tempo final e minha média. Não sei se fiz como queria, mas tenho certeza de que fui melhor do que em 2010.

sábado, 4 de junho de 2011

Ironman II - Pimenta (ou shampoo) nos olhos dos outros, não arde! - Natação

Vai começar...

 Passei o pórtico e perdi a Juju. Queria ter dado mais uma abraço na filhinha – para quem não sabe “adotei” a Julia desde o ano passado. Só tenho filhos meninos (quatro) e, a essas alturas do campeonato não tenho intenção alguma de adotar um bebê e nem condições de produzir mais um. Mas uma menina faz falta na minha vida. Como a família da Ju mora fora de São Paulo, ela me adotou como mãe eventual. Os meus filhos amaram a idéia de ter uma irmãzinha e se dão todos muito bem. Então eu queria desejar boa prova pra ela embora soubesse que ela iria fazer uma boa prova. Até tranquilizei seus pais “verdadeiros” garantindo que ela faria abaixo de 12 horas.
Perdi-a no meio da confusão. Mas achei Nilma e Daniel o Marquinhos e mais 1800 atletas com nervos à flor da pele que, para seu bem, estavam devidamente protegidos por roupas de borracha.
Tentei girar um pouco os braços, mas não havia espaço. Conformei-me em rodar os ombros, mas sem exageros. Só o que faltava era eu tirar as minhas âncoras do lugar bem naquela hora – era naufrágio na certa (pra quem não sabe, em agosto fiz uma artroscopia de ombro e coloquei duas âncoras – vai entender como isso pode ajudar uma nadadora).
Foi aí que lembrei que tinha esquecido de 1, tomar o gel planejado para 15 minutos antes  e que estava por dentro da minha roupa de borracha, 2, passar filtro solar e 3, de tirar o excesso de shampoo jonhsons  para crianças que, supostamente deveria me ajudar a enxergar durante a natação. Pus os óculos. Estava uma meleca. Não dava pra mais pra ir até o mar. Faltavam 3 minutos pra largar. E eu não tinha nem um copinho d’água pra dar uma lavadinha. Danou-se. Vou no faro.
Começou!
O sol apareceu, soou a buzina. Disparei o Garmin e vambora.
O mar estava manso, a temperatura fria, sem ser congelante mas logo de cara, começou a pancadaria. Estava difícil achar um espaço pra nadar. Mas já havia aprendido em Penha, 2008. Vale-tudo, jiu-jitsu, boxe e, principalmente kickboxing. Teve uma hora que me senti até culpada. Acho chutei a cara de alguém. Mas não parei pra olhar, não. Ainda mais que eu estava cegueta, não ia enxergar mesmo. Na água é assim mesmo. Salve-se quem puder. 
O shampoo formou uma grossa película que dava a impressão de que o mundo à minha frente estava derretendo. Quando cheguei à primeira bóia, que forma uma tremenda correnteza que leva todo mundo sem necessidade de nadar.   Bem na curva, encontrei o Rodrigo Previatti Contheux, que também tinha levantado os óculos. Olhei pra ele e disse "Oiii! Você vem sempre aqui?"
Tirei os óculos e dei uma lavada. Não sei se foi pior ou melhor.
Olha eu ali, de touca vermelha.
Inferno 1.  Meu olho começou a arder. Um deles. “Será que estou louca? Este ardor deve ser psicológico! Shampoo jonhsons para crianças não arde!!!” Psicológico ou não, ardia de verdade. Segui nadando feito um pirata, só com um olho aberto.  Já não enxergo direito,  caolha... estava fácil.  Não tinha a menor idéia do lugar que deveria mirar. Não achei a bola inflável vermelha que marcava a entrada do retorno nem quando cheguei à praia. Ela estava lá? Disseram-me que sim. Mas não vi. Segui o fluxo e, pelo que vi do meu trajeto no Garmin,  fiz apenas um “v” desnecessário. No mais, fui quaaase em linha reta.
Beijinho, só de longe
Cheguei à praia vi o maridão firme, na torcida e entrei no corredor polonês. Tinha muita gente andando e gente que gritava, tentando correr “vamô gente, isso é um Iron, não é passeio no parque, não!!! Bora! Bora!” Engrossei o coro do “vamo gente!” Não estava lá pra brincadeiras. Vi a mãe e, dessa vez, não parei. Mandei o beijo de longe. (O Wagner disse que me batia se me visse parando pra dar beijinho e eu estava com medo de apanhar. É sério.)
Ondas!
A hora que avistei o mar pra encarar a segunda perna, vi que o vento tinha mudado. Duas ondas estouraram enquanto eu me aproximava, fazendo um strike. Assim que a segunda estourou, o mar baixou e eu, vupt, atravessei a área de maior risco e fui embora. Timing! Como diz o Kevin Johansen “timing is the answer to success!”
A correnteza parecia puxar mais e, na volta, consegui avistar a bóia amarela e me alinhar com ela. O efeito jonhson tinha, felizmente, passado.  Do outro lado tinha pedras. Eu lembrava bem disso. Queria passar bem longe delas. Com o mar feroz daquele jeito, era prudente passar o mais longe possível.
Assim que deu pé, puxei o zíper da roupa e comecei a tirá-la. No meio treino na piscina, tirar a manga do braço com o Garmin tinha sido um tormento. Teria de fazer isso dentro d’água – seria muito mais rápido.  E a onda veio e me ajudou a arrancar as mangas. O creminho da cunhada – karité butter da Body Shop, foi sensacional. Valeu, Roxana!
Saí com 1 hora e nove minutos do mar. Não tão bem como em 2010 mas, pelas condições, acho que não fui a única. Desta vez minha sacola não estaria perdida (se estivesse seria fácil localizá-la com todos aqueles adesivos) e, assim, meu tempo de transição compensaria essa diferença.

Ironman II - Antes da largada

Por incrível que pareça, dormi o sono dos justos na noite da véspera do Iron.  Jantamos no hotel mesmo – estava uma muvuca. Todo mundo quis jantar lá, e todos na mesma hora. Pobres garçons. Correram fácil uma maratona. E nem ganharam medalha.
Levantei às 3h50, vesti a roupa da prova com um agasalho por cima, peguei as garrafinhas e comidas na geladeira, organizei tudo na porta do quarto e desci pra tomar café.
É duro comer nessa hora. O estômago ainda está dormindo, não quer saber de trabalhar. Forcei um pouco e ainda levei três broinhas de milho e um mel pra comer dali a pouco. Óbvio que nem lembrei. E ainda bem.
Subi pra pegar as coisas e lá fomos nós — Roi e eu — no mico ônibus. Nem de longe eu estava tensa como no ano anterior. Mas a excitação e a emoção eram quase as mesmas.
Será que eu tava tensa?


Acho que não!
No caminho fui listando mentalmente tudo o que tinha de fazer:
1. Encher os pneus.
2. Colocar as comidas no bento box (vide o post Glossário).
3. Zerar o cateye.
4. Colocar as caramanholas nos suportes e abastecer o quickdrink com água e gatorade. Putz! Esqueci a água! Deve ter lá.
5. Prender as sapatilhas no clipe e prendê-las com elástico.
6. Levar a camiseta de ciclismo pra sacola de ciclismo.
7. Colocar as garrafinhas de accelerade no fuel belt (cinturão do Batman usado na corrida pra carregar líquidos e géis - vide glossário de novo).
8. Colocar o saquinho plástico com as garrafinhas de gel com água dentro da sacola da corrida.
Era bastante coisa.
Tinha também de entregar a sacola de special needs.
Body marking
Entrei na fila pra pintura corporal – ou body marking (para os leigos – os voluntários escrevem seu número de peito nas pernas e no braço) e, quando chegou minha vez, fui informada de que deveria entregar as sacolas de special needs em outra freguesia. Corri até lá, deixei as sacolas e voltei pro fim da fila.
Entrei na transição e fui seguindo minha lista mental, calmamente. Até a água que tinha esquecido, lembrei.
 Chamei o Arthur, mas ele não meu ouviu. Pena. Quando estava arrumando as bisnaguinhas amassadas no bento box lembrei do advil. Liguei pro Wagner, nos encontramos e ele me “passou a droga”. Coloquei dois no bento e um no fuel belt. Nunca se sabe quando o bicho vai pegar. Ano passado tomei três durante a prova.
Encontrei Marcos, Daniel, Kelly, Pedro... e a gente se cumprimenta como se não nos víssemos há anos!
Ah, o Pedro me deu um pouco de shampoo Jonhsons pra passar nos óculos de natação. Segundo ele, não deixa embaçar e, segundo a Jonhson & Jonhson, sem lágrimas, porque não arde nos olhos. Hum.
Benção, Wag!
Terminadas as arrumações, respirei fundo, pensei “espero que não esteja esquecendo nada” e sai da transição. Como o tempo voa quando você está lá! Já eram quase seis e meia quando saí dali. Mais um abraço nervoso no técnico. Benção.
Encontrei a Juju e a sua mãe, Mônica, que deu uma ótima notícia: a casa do primo Joel, que era ali do lado, estava à nossa disposição. BANHEIRO!!!! A clássica dor de barriga já me assolava. E, banheiro químico é, pra dizer pouco, deprimente.
Que casa hein, Joel?!

A casa do primo Joel é cinematográfica. Aaaaa, nada como um banheirinho cheiroso. Um luxo! Pra completar, era praticamente pé na areia. Dali, fomos pro ponto de encontro, mesmo do ano passado.
Pai, mãe e os dois caçulas. Theo e Martim ficaram dormindo. Eu já tinha liberado. Mas fiquei bem contente de ver o quarteto.
O tempo corria apertado. Passei um creminho maravilhoso que minha cunhada chilena me deu da Body Shop que é uma verdadeira manteiga. Nota dez. Minha mãe ajudou. Posamos pras fotos e tive de sair apressada – a largada seria em 10 minutos. Beijos e abraços em todos.
Mônica, Félix, Lidia, Roi, eu, Ju, Ian, Paulo e uma bunda que passava!
Fui até o pórtico de entrada com o marido. Um beijo e despedida. Estava segura de que faria uma boa prova. Só não imaginava que iria do céu ao inferno tantas vezes naquele dia. 
Adeus, vou à luta!

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Ironman II - Algumas histórias - Véspera

Que festa é essa?

Na noite de sexta-feira, antevéspera da prova, quem entrasse no saguão do hotel Il Campanário e não soubesse da existência da prova de Ironman ficaria intrigado.
Pedro, Nilma e eu, no bar, mas não pra beber
A primeira impressão é que está rolando uma festa. Muitas pessoas, embora não haja música, o clima é animado, há várias rodinhas de conversa. Poderia ser um casamento mas os trajes, esportivos (não esporte fino), não condizem com uma ocasião dessas. Também não se vêem bebidas alcoólicas, apenas água, café, sucos, isotônicos.
Quem sabe é uma convenção de alguma empresa? Também não. Há famílias inteiras — do patriarca setentão ao bebê de colo —, e crianças correndo pra lá e pra cá.
A maioria das pessoas está na faixa dos 30. O observador continua intrigado. Se não é uma festa e não é uma convenção... Talvez seja uma excursão! Mas, para onde, se está todo mundo, em plena sexta-feira, nove da noite, enfiado dentro do hotel em vez de passear?
É realmente uma cena inusitada e os não iniciados precisam de informações para poder fazer alguma idéia de que fenômeno é este. É bem possível também que, ao ouvir as explicações, conclua que, de duas, uma: ou ele não entendeu direito ou aquele bando todo, que irá para o matadouro em menos de 48 horas, é completamente insano em estar assim, relaxado, festejando, como se fosse divertir-se!

Outro mundo
Era este o clima quando minha família chegou na 6ª feira. Uma grande confraternização.
Desta vez, diferente de 2010, tratei de ficar em um dos hotéis “da prova” – o Campanário, onde ficam boa parte dos atletas. É caro? Sim, é. Mas vale muito a pena. No ano anterior, quis economizar, e o barato saiu caro.  Em primeiro lugar, porque a diferença de preço não é das mais absurdas e a qualidade da hospedagem e os serviços são muito, mas muito superiores. Fiquei sem café da manhã, sem espaço, sem janela e sem a arrumação diária do quarto!!! Foi um estresse.
Este ano, além de todo o conforto e dos serviços de qualidade (translado pra expo, transição e largada, casa de hospitalidade e oficina no hotel) o melhor de tudo era estar junto com os amigos todo o tempo. Julinha, Pedro e Nilma quase sempre, e ainda outros como Flavio, Valter, Marcos, Cesar, Giovane, PG, Kaká ...
Eu, Pedro, Daniel, Nilma, Marcos e Julinha
logo depois do treino no mar.
Essa convivência é um bálsamo. A gente pode ficar falando de Ironman 100% do tempo que ninguém vai reclamar.  Estratégia para alimentação, os trajes, as rodas, o ritmo, a forma física dos concorrentes às vagas para Kona... Os temas vão e vêem, com pequenas variações, temperados de risos e gozações mas também de palavras de apoio e confiança.
É um descanso pra cabeça. Esquecemos trabalho, família, dívidas; dos problemas pessoais, nacionais ou mundiais. Ficamos totalmente alienados. Se estourar a terceira guerra mundial e viermos a saber, nossas únicas preocupações serão: “Vai atrasar a largada? Haverá buracos no asfalto?”

Família ê
Os familiares, de modo geral, intuem que ali acontece uma loucura coletiva e, sabiamente, ficam no apoio e na torcida sem cobranças, nem exigências de atenção. Mesmo os acompanhantes de marinheiros de primeira viagem – como o Nilton e a Mônica, pais da Julinha, por exemplo, rapidamente perceberam que deveriam estar ao alcance de um telefonema, mas que não precisariam escoltá-la.

Os meus acompanhantes, que já conheciam o andamento daquela carruagem, foram na medida. A prioridade eram meus horários e ninguém ficava ofendido se, por acaso, meu programa era almoçar às13h e jantar às 20h e não acompanhá-los no almoço das 14h30 e jantar às 21h.
Mamãe na piscina...
...papai lendo. Eles também se divertiram um pouco!
Minha mãe cuidou da retaguarda, meu pai me acompanhou na entrega da bike e o marido ficou como um anjo da guarda, pairando por todos os lugares ao mesmo tempo: cuidando das crianças, atento às minhas necessidades e curtindo também o clima geral com os amigos.

Preparativos e ajustes
No sábado de manhã já estava quase tudo pronto para a entrega das sacolas e bike.  
Aconselhada pelo Wagner, decidi comprar aqueles recipientes de colocar gel diluído em água então ainda dei uma chegada a jato na feirinha. A feira abria às 9h. Às 9h10 já estávamos de volta, Ju e eu, com as garrafinhas.
Faltavam apenas detalhes: passar veda-rosca nos prolongadores de válvula (para os leigos – as rodas de competição são mais largas e, por isso a válvula dos pneus ou câmaras precisa de um prolongamento ou não há como enchê-los), passar cola nos pneus tubulares reservas (para os leigos – este tipo de pneu sem câmera é colado à roda) e prender um deles no suporte.

Wagner, meu técnico, tinha chegado na noite anterior e eu estava aflita para falar com ele. Queria que ele desse uma olhada na bike, ajeitasse o pneu no suporte, discutisse comigo detalhes da mudança relativa às sacolas de special needs.  Vou precisar fazer um tópico sobre esta questão. Vamos lá:

Sacolas em geral, e special needs em particular– pra leigos e não tão leigos

O kit da prova de Ironman tem, além do chip de cronometragem, uma camiseta (que não é a de finisher) e dois números de peito, SEIS sacolas: uma branca – geral; uma preta – natação, uma azul – ciclismo, uma amarela – corrida, uma verde – special needs ciclismo e uma vermelha – special needs corrida.
Sacolas personalizadas...
O planejamento do que vai em cada sacola leva meses e, um erro ou esquecimento pode ser (quase) fatal.  As mais importantes são a azul e a amarela. A azul você pega quando sai do mar, antes de ir pra bike. Ela deve conter, no mínimo, o seu capacete. Ele não pode ficar na bike e, sem este item, você não pode pedalar. Além disso, podem também estar nela uma roupa seca, óculos escuros, chamois butter (creme contra assaduras causadas causadas pelo atrito com o selim), número de peito (se você não estiver com ele, deve colocar neste momento) e parte da comida que vai consumir durante o pedal.
Na sacola de amarela, o mínimo que ela deve ter é um par de tênis, a menos, é claro, que você pretenda aderir à moda de correr descalço... mas não recomendo.  O que também pode ficar nela é um par de meias, o número de peito reserva preso a uma cinta reserva (pro caso do seu ter rasgado durante o pedal), um boné ou viseira, géis e outros suplementos.
...com adesivos coloridos!
E as special needs, afinal? Até o ano passado estas sacolas poderiam ser deixadas ou com os staffs ou com algum amigo ou parente que ficavam numa área delimitada pela organização da prova na qual o atleta poderia parar rapidamente para pegar, por exemplo, outro pneu reserva, uma garrafinha com suplemento, mais alimentação.
Qual a vantagem? Não ter de sair carregando um monte de peso morto. Afinal, a gente paga uma fortuna pra ter a bicicleta de carbono, levíssima e depois enche de tranqueira e recupera o peso perdido.
No special needs da corrida geralmente, o que se deixa é uma blusa de manga longa para o frio que chega ao cair da tarde, um tênis reserva, uma meia, algum suplemento.
Dá pra passar sem? Dá mas era preciso repensar as estratégias.
Agora um parênteses. ( ) Preciso tirar meu chapéu pro Carlos Galvão, organizador da prova. Quando o pessoal tomou conhecimento de que as sacolas de special needs não iriam mais poder ser entregues, que cada um ia ter de pegar a sua — todo mundo reclamou.  Minha expectativa era que na hora em que Galvão falasse sobre isso durante o congresso técnico fosse haver um protesto generalizado.
A expectativa era grande quando ele foi se aproximando do assunto. Na hora em que apareceu o slide que dizia SPECIAL NEEDS, pensei “é agora que o bicho pega!”. Ele foi, direto, firme e objetivo:
- Conforme está no regulamento da prova deste ano (Rá rá, ponto pra ele! Quem leu o regulamento???) cada atleta será responsável por pegar sua sacola de special needs.
- Isso é uma orientação dada pela WTC para todas as provas de Ironman.
- Vai ser muito melhor e mais organizado. Além do que, o special needs do ciclismo pode ser acessado nos km 45 e/ou 135 e da corrida em qualquer uma das três voltas.
Ninguém deu um pio. No final, ele ainda foi aplaudido efusivamente.
Para mim, foi uma lição. Comunicação é tudo. O cara não deu brecha pra discussão e nem por isso foi antipático ou autoritário.  Palmas pra ele.

Continuando os preparativos e ajustes
 Então decidi com o Wagner que não faria parada no special needs da bike a menos que furasse um pneu, pra pegar o reserva.  No mais levaria uma garrafa no suporte traseiro e outra no quadro, ambas com R4 (suplemento líquido). No quickdrink colocaria água e gatorade, reabastecendo nos postos.
Conversamos sobre alguns detalhes e combinamos de nos encontrar na hora da entrega de bike e sacolas.

Entrega de sacolas

Wagner prendendo o pneu no suporte
antes da entrega da bike
Fomos, meu pai de câmera em punho, e eu, dentro do horário estipulado pela organização que, este ano, foi seguido rigorosamente. Resultado? Não tinha fila alguma!! Lado bom, não tinha demora. Lado ruim, não teve a animação e os encontros que rolaram em 2010. Ano passado, como a fila era quilométrica, ao passar por ela a gente encontrava todo mundo que não tinha visto ainda.
Mas encontrei o Wagner de novo, a Cicarelli – miss simpatia de sempre, a Mari e o Diglu. Na hora de entrar com a bike na transição, a grande surpresa: o Arthur lá estava como staff! Ah, foi o máximo! Esvaziamos um pouco os pneus – porque ainda estava sol e os tubulares são danados pra estourar quando está quente -, depois colocamos a bike no suporte. Ele me aconselhou a levar as sapatilhas, me ajudou a encapar a bike (ainda bem que eu tinha guardado a capa do ano anterior) e se despediu prontificando-se a me ajudar no dia seguinte.
Dali fui deixar as sacolas na tenda. Desta vez personalizei minhas sacolas. Não queria correr o risco de ter alguma perda novamente.
Recepcionada pelo Arhur, staff mais que especial!
Tudo entregue, voltamos pro hotel para a última etapa de preparação: comidas.

Bisnaguinhas!!!
Julia, Nilma e eu preparando a merenda.
Reparem como estou comprimindo  a bisnaguinha
Julinha, Nilma e eu. No centro da mesa, vários pacotes de peito de peru, caixas de poleguinho light, sacos de bisnaguinha, potes de geléia sem açúcar, bananinhas, goiabinhas, minhoquinhas, stiksy, papel alumínio, pratos, colheres e facas.
Nossa conversa era de alto nível:
“Você usa um polenguinho inteiro numa bisnaguinha? Não é muito?”
“Que geléia é essa?”
“Essa minhoquinha não gruda no dente?”
O auge do nosso colóquio ocorreu quando a Federmann resolveu nos instruir acerca da técnica de diminuição do volume dos panifícios de pequeno porte através da compressão para retirada total do volume de ar. Traduzindo: ela ensinou como esmagar a bisnaguinha de modo que ela ficasse quase da espessura de uma folha de papel (papelão, vai...)
Na primeira demonstração ela pegou uma bisnaguinha recheada de polenguinho e foi até a porta de entrada do quarto, inseriu pouco abaixo da dobradiça e fechou. Resultado: polenguinho all over the place, inclusive ao lado do elevador!
Conclusão: melhor esmagar bisnaguinha sem recheio. Aí sim. A técnica foi infalível e a quantidade de bisnaguinhas por metro cúbico que podem ser colocadas no bento box é dez vezes maior do que quando não é comprimida.
Profa Dra J. Federmann ensinando a técnica de extração
máxima  de ar do panifício
As minhas eram todas recheadas então não utilizei a técnica da porta mas aproveitei o princípio da compressão e esmaguei-as com as mãos, de modo que elas realmente ficaram bem menos volumosas!
Demos muitas risadas e chamamos a Mônica, mãe da Juju, pra registrar o momento impar.