domingo, 31 de março de 2013

(Meu) Iron 2013 - III

Uma semana depois
Naquele dia não consegui me levantar da cama. Estava com  sonda, com dreno, cateter epidural e mais a medicação via soro que entrava pela veia. 
Até o meio da tarde, não me sentia mal, a dor estava controlada e tive até fome. Pude tomar suco e encarar uma gelatina. Permissão exclusiva para a ingestão de líquidos.
A lembrança desses dias está toda enevoada pelos efeitos da morfina, mas consigo resgatar os principais eventos.
Meu marido passou a manhã comigo, minha mãe chegou no meio da manhã com seu indefectível bordado e na hora do almoço recebi a visita da Thelma. Foi a primeira amiga a vir. Elegante, portando um enorme vaso de flores e esboçando um sorriso tranquilizador. Fez uma visita de médico, pra se certificar com os próprios olhos que eu estava bem. E, naquela hora, eu estava bem.
Queria receber a visita de meus filhos. Por um lado, sabia que era importante que me vissem logo, mas, ao mesmo tempo, temia que ficassem impressionados com meu estado, com aquele monte de tubos saindo e entrando do meu corpo.
Logo depois do almoço, minha sogra trouxe os dois caçulas, meus gêmeos de onze anos, Ian e Félix.  Foi rápido, mas cumpriu seus propósitos: fiquei contente em vê-los e eles certamente aliviados em me ver. Eu conseguia falar,  estava sentada e os tubos razoavelmente discretos.
Martim, de 13 anos, veio um pouco mais tarde e Theo, meu mais velho, quase não veio. 
Para nosso azar, justo nesta semana, Theo estava vivendo a sua primeira dor de amor. Ele tem 18, quase 19 e namorava há dois. Na semana que a mãe está internada no hospital, a namorada "pede um tempo". E ele fica desnorteado.  Felizmente, ele veio com meu pai. Enrodilhou-se aos meus pés na cama do hospital, como um filhotinho que necessita do calor e da proteção da mãe.
Meu colo estava avariado, mas consegui me ajeitar de modo a passar as mãos nos seus cabelos recém raspados, aparar suas lágrimas e ouvir o relato de sua tristeza confusa e surpresa.
Ai como dói. Como dói. E a dor dele é minha também. Há um ditado que diz "Quem a boca do meu filho beija, minha boca adoça". É verdade. mas, o revés é ainda mais forte e eu nunca havia sentido a potência de dor de amor em coração de filho.
Os dois ainda estavam ali quando comecei a passar mal. Uma onda de náusea me tomou e não deu tempo de fazer nada. Só vomitar. A contração abdominal foi muito dolorosa, principalmente no lugar do corte.
Foi um momento de virada. Dali em diante, meu estado geral piorou. Se até então eu tinha conseguido mandar mensagens tranquilizadoras e me comunicar com todo mundo. A partir dali, silenciei.

26 de fevereiro - tarde
Daniel liga avisando que conseguiu um horário na tomografia no final da tarde. Diz para eu enviar o pedido médico que eles lá na Digimagem se encarregariam de conseguir a famosa autorização prévia. 
Resolvo essas pequenas operações, mas tenho um dia de trabalho pela frente. Toco a vida, como se nada tivesse acontecido.
Naquele dia, o Secretário da Educação (que respondia interinamente pelo expediente) nos pede - a mim e aos outros diretores da Fundação, que fiquemos a postos pois queria falar com todos nós. 
Torço para que ele não nos chame bem na hora que eu preciso sair para fazer o exame.
No meio da tarde somos convocados. Faz uma fala relativamente rápida mas as outras  pessoas começam a falar e falar e falar e não é tão simples a gente pedir licença e sair no meio de uma reunião com o senhor Secretário. 
Olho o relógio, meus pé batem impacientes por debaixo da mesa e, dentro da minha cabeça, mando meus colegas de trabalho pelamordedeus encerrarem logo o assunto. Mas não tem jeito. Aproveito um momento de dispersão para me levantar e pedir licença ao Secretário, explicando que tenho um exame médico.
Ele - que é atleta também e sabe um pouco das minhas estripulias - brinca comigo ah, é por conta da sua vida de atleta? Respondo de modo que só ele me escuta não, infelizmente, não. É um exame pra descartar o pior. Puxa, ele responde, não há de ser nada. Por favor, me mantenha informado. Agradeço e zarpo pro Tatuapé.
Daniel, meu anjo protetor, me espera na recepção. Fique tranquila, que isso não há de ser nada. Por que você está tão preocupada? Porque o histórico de câncer na família e grande.
Entendi.
Ele então me explica como é o exame. Eu nunca fiz. É rápido, e precisa de contraste. O contraste, me diz ele, provoca uma série de sensações desagradáveis: calores, sensação de que fez xixi na calça, náusea...Um horror! preparei para o pior.
A auxiliar me pergunta se eu tenho alergia ao contraste. Não sei. Nunca usei. Se eu for alérgica, o que vai acontecer? Vou morrer? ela ri. Não. A gente tem medicamentos pra evitar que isso aconteça. E então reforça todo o calvário que eu iria passar durante o exame.
Resignada, entro na sala do exame, esperando pelo pior.
Tudo se passa de modo, rápido, fácil e indolor. Ufa.
Daniel me espera à porta. Se eu tivesse que laudar exames abdominais, morreria de fome! Amanhã, assim que o médico que faz este laudo chegar, ligo pra você e ele liga para o seu médico. Agradeço mais uma vez pela ajuda e o carinho e vou para casa.
Faz menos de 24 horas que li o laudo do ultrassom. Neste curto  período, fiz tudo que estava ao meu alcance, resolvi o que dava para ser resolvido. Esta atividade toda dá vazão pra minha ansiedade que, até aquele momento, não era ainda, angústia.
Agora, eu preciso sossegar um pouco, até saber o resultado do exame, no dia seguinte.
(continua)

quarta-feira, 27 de março de 2013

(Meu) Iron 2013 - II


Uma semana depois
Converso animada até uma da manhã. Estão todos visivelmente aliviados em me ver bem. Inclusive eu mesma. Minha irmã e meus pais se despedem. Meu marido arruma a cama de acompanhante e capota. Não foi um dia fácil pra ninguém.
Com a cama hospitalar reclinada, me recosto e cochilo na medida do possível. Durante toda a noite,  enfermeiras entram e saem do quarto para medir a pressão e a temperatura, trocar o soro verificar a sonda, colocar medicações.
Ao amanhecer, o cirurgião vem para a visita. Abre um sorriso e comenta que já não tenho mais a palidez cadavérica dos que tomaram anestesia geral.  Diz que tudo correu bem mas que devo ter paciência, pois, foi uma cirurgia grande, que requer muita calma no processo de recuperação.

26 de fevereiro
Acordo antes das 4h30, antes mesmo de tocar o despertador. O marido, pelo jeito, desistiu de treinar, pois continua dormindo. Meu bilhete ansioso continua no mesmo lugar, junto ao espelho do banheiro. Deixo lá. Espero que ele veja quando acordar e me ligue. E diga que não é nada. Que vai ficar tudo bem. E que venha me abraçar.
Vou pra USP pedalar. Direto pra Bolinha (praça da Reitoria) e lá fico girando girando girando. Encontro um e outro amigo e converso amenidades como se nada estivesse se contorcendo dentro de mim. Quebrei no Internacional. Na corrida? Deve ter sido o calor. Não, não foi o calor. Tive umas dores estranhas no abdômen. E, quando digo isso, volto a pensar no assunto. Será que foi por isso que quebrei? Porque estou doente? Muito doente? Tento espantar esses pensamentos pra longe acelerando meu giro.  Consigo, por alguns instantes, esquecer do assunto. Mas ele retorna. Uma ideia que parece ter um anzol, vai se enganchando em qualquer pensamento.
O celular, que ficou junto ao corpo, não tocou. Sinto-me só com aquele medo todo. Então vejo Pedro terminando sua corrida.
Pedro é um amigo próximo, querido, feliz. Ele me chama de fanfarrona.
Logo percebe que o assunto é serio. Faço um breve relato da minha angústia. Não há de ser nada. Mas, se for, você vai tirar de letra. Queria ter essa certeza.  Vou me embora depois de prometer que o manterei informado.
Ao entrar no carro, vejo que Daniel me respondeu. Sua mensagem me acalma um pouco. Fica sossegada. Isso não é absolutamente nada. Fica tranquila e assim que falar com o seu medico, liga pra mim. Estarei na Digimagem a tarde e acredito que não vai ter problema algum em fazer um encaixe hoje mesmo. Bjo
O que eu não sabia é que ele só tinha recebido um pedaço do laudo, que mencionava “cistos parapiélicos” e não a parte mais tenebrosa.
Chego em casa, torcendo para encontrar o marido. Mas ele já foi. Subo correndo. No banheiro, confirmo que o bilhete foi lido. Mas a resposta é curta, despreocupada. Tenho vontade de chorar, mas acho melhor ligar pro meu médico.
Consigo achá-lo em casa. Leio o trecho do laudo sobre o rim E. Ele também não gosta e diz que o caso deve ser tratado por um especialista na área, um cirurgião urologista, já que, provavelmente, pelas características e localização – está desviando fluxo sanguíneo do rim – precisará ser retirado.  E o próprio cirurgião deve decidir qual exame complementar pedir – tomografia ou ressonância.
Ligo para minha mãe e peço que ela contate o urologista que cuidou do meu pai para saber que exame fazer. Ela fala com ele, que pede uma tomografia computadorizada. 
Imediatamente aciono o Daniel por mensagem, pedindo a ele que me encaixe em algum horário.
Não são 9 horas. Preciso ir pro trabalho.
(continua)

terça-feira, 26 de março de 2013

(Meu) Iron 2013 - I

25 de fevereiro de 2013
Estava eu terminando o post que sobre o Triathlon Internacional de Santos, quando resolvi dar uma olhada no site do laboratório onde havia feito, na manhã daquele dia, um ultrassom de rotina. Durante o exame, fiquei encasquetada pois o médico ligou o doppler enquanto examinava meu rim esquerdo. Na mesma hora pergunte "Por que você ligou o doppler?". A resposta foi evasiva. Uma embromação. Eram 22h30 quando li o laudo. Não consegui terminar o post.

Uma semana depois
Maligno ou benigno? Segundo o dr. Grohmann, assim que abri os olhos, na sala de recuperação, disparei a pergunta. Não lembro. Junto com ele estava também meu ginecologista, que acompanhou a cirurgia. Também não lembro disso. 
Lembro, a partir de um certo momento, que escutei os enfermeiros discutirem se eu iria pra UTI, ou não. Não fui. O estado geral era bom. Pressão, batimentos, oxigenação.
Na minha mão, um instrumento mágico: parece um interrupto de abajur daqueles antigo, que a gente segura com os quatro dedos e aperta com a ponta do dedão. É a bombinha com o bônus de morfina, me explicam. Estou com um cateter peridural que injeta morfina permanentemente mas, caso a dor aumente, a cada 12 minutos, tenho direito a um plus.
Não sinto as pernas, a cabeça está leve, e a dor é afastada logo que se aproxima.
Converso com Aline, uma das auxiliares de enfermagem atenciosas, que explica sobre a bombinha. Ela tem o rosto lindo. Digo isso pra ela sem me importar com o que pode, equivocadamente, inferir. Deve ser o efeito das drogas.
Também puxo papo com Sergio, o corintiano. Quero subir pro quarto, quero ver meu marido, digo pra ele. Já estou bem.
Desci para o Centro Cirúrgico por voltas das 18h. Já é meia-noite. Não lembro de quando sai do quarto. Pela primeira vez, me deram o dormonid na veia. Nas duas artroscopias que fiz, tomei via oral e lembro da minha chegada à sala de cirurgia. Desta vez, é um grande apagão. (Que bobagens será que falei?)
Finalmente sou liberada para voltar ao quarto. 
Chego falante, quase eufórica. Marido, mãe, pai e uma das irmãs. Fico sabendo que o corte foi na frente e não nas costas como inicialmente planejado. O médico quis ver (ver como as crianças veem, com as mãos) meu fígado também. Não encontrou nada. Ainda bem. 
Dou uma olhada no curativo. É imenso. Não consigo saber como é a incisão. Mas dá pra perceber que é grande.

25 de fevereiro 2013
O marido dormia. Não tive coragem de acordar. Liguei para minha mãe. Li o laudo. Não é bom. Liga pro Nilson amanhã cedo.
Copiei a parte do laudo que descrevia o rim esquerdo e enviei para o Daniel, meu amigo e radiologista compartilhando minha angústia e pedindo ajuda pra agendar o exame complementar - sugerido pelo médico que escreveu o laudo - se possível, no dia seguinte mesmo.
Deixei um bilhete para o marido no espelho do banheiro, compartilhando minha angústia. Supunha que fosse acordar antes de mim. Assim compartilharia o assunto logo cedo. Feito isso, apaguei as luzes. Iria acordar cedo para treinar no dia seguinte. 4h30 da manhã.
mas não dava pra dormir. O medo de estar com câncer me assombrou a noite toda. Minha mãe teve linfoma aos 48 anos. Eu tenho 49. Ela está muito bem, mas passou por todo aquele tratamento violento de quimio e radio.  Apavorada, mal dormi.
(continua)