sexta-feira, 23 de abril de 2010

Quem quer treinar comigo?


Quando comecei a treinar pro Iron e percebi que era a única “menina” do meu grupo que estava inscrita  pensei que iria fazer muitos treinos sozinha. Puxa, como me enganei!


Têm sido raros os treinos solitários. Tão raros que, quando eles aconteceram, achei bom porque estaria treinando a cabeça, já que a prova, mesmo com 1500 participantes, é cada um na sua.

Cada vez que vou fazer um treino, mando um torpedo pra várias pessoas, publico no facebook, convido pessoalmente. E tive adesões, sempre.

Muitas pessoas adaptaram ou encompridaram seus treinos para me acompanhar Achavam ótimo começar mais cedo, terminar mais tarde, treinar mais... E eu acho ótimo ter a companhia delas.

A Thelma me fez companhia na USP, quando ainda estava sob suspeita (tomando anticoagulante) naquele domingo que o pneu furou a caminho de Romeiros e estava um sol daqueles. Também encarou um longuinho na Aclimação, impondo um ritmo forte pra mim e pro Zé. O Zé foi outro parceirão. Era um cara simpático com quem eu havia trocado meia dúzia de palavras e quando soube que ele estava treinando pra Big Sur e que iria ter grandes volumes de corrida, combinamos uns treinos juntos. Foi ótimo! A gente ia batendo papo e quando se via... os 20 kms já tinham acabado num instante. Vez o outra chamei o pessoal pra começar mais cedo e, além do Zé, o Marquinhos, a Julinha e o Ricardinho também entraram na turma do comando da madrugada, sextas-feiras, no Ibira. O Marquinhos é impressionante! Topava todas. Estando em SP, vinha mais cedo pro Ibira ou mais cedo pro pedal. O Marcos também é da turma que madruga mais ainda no pedal, principalmente aos sábados. Vamos chegar 5h30? Borá lá!!

Roi, meu marido, também me fez companhia nas primeiras sonolentas voltas da USP, nas 3ª e 5ª quando não tem quase ninguém pedalando, me ajudando a dar conta do volume e sem ficar discutindo a relação nem resolvendo questões domésticas. Simplesmente papeando sobre amenidades.

Ricardinho, vulgo cachorro louco, não só entrou no comando da madrugada de duas sextas-feiras como também me acompanhou num tiro de 800 mts quando todo mundo já tinha terminado, inclusive ele, e eu ia sozinha pro último. Tiro não é bolinho. De 800, então... Se não fosse ele, eu não conseguiria ter feito com o tempo menor que dos anteriores! Isso sem contar que, mesmo colocando os bofes pra fora o cara consegue falar cada bobagem que a gente, mesmo se esfalfando, não consegue deixar de rir. E ele faz isso com o tom de voz mais sério do mundo.

Nos treinos de pedal tive muitas companhias especiais. O sempre disciplinado e eficiente pelotão das meninas com Tarsila, Mariana, Julinha (ói ela aqui de novo), Gra (fez comigo o segundo lote de 40 km, hoje), Dani (bissexta), Paulinha filhinha (que é bissexta também, mas hoje até acrescentou 5km pra me ajudar na reta final - que estava duríssima!) e Patê. As sessões de “pedalterapia” que tornavam o treino um tremendo exercício não só cardiorrespiratório mas também psico-sócio-afetivo! Meninas, aquele treino no Riacho teria sido insuportável sem vocês.

Fabio, como o Marquinhos, sempre topando todas as propostas de pedal e disposto a puxar o pelotão pelo tempo que fosse necessário.

Lester, que me deu o maior apoio naquele treino em Alphaville, debaixo da chuva, ficando o máximo de tempo comigo (tinha um churrasco na casa dele naquele dia!) e dizendo “agora falta pouco, você dá conta!” Isso sem falar nos meus 160 de hoje (sábado, 24). Ele apareceu quando eu já tinha feito mais de 100, naquele momento crucial,  dizendo "lembrei que vc tinha 160, então resolvi vir mais tarde pra dormir um pouco e te ajudar a fazer os kms finais!". Não é um luxo? Veio, fez e ainda me alimentou com bananinhas e goiabinhas porque dessa vez eu não tinha levado comida suficiente.

Também conheci gente nova, como o Evandro, que me acompanhou nos derradeiros 40 kms dos 140 da Carvalho Pinto e depois numa corridinha poeirenta de 5k, com quem a conversa fluiu fácil e gostosa, me ajudando a esquecer o cansaço.

Reencontrei o Victor, que me acompanhou na rabeira do pelotão, no meu ritmo geriátrico, sem achar ruim. Mais que isso: conversamos como velhos amigos, como se estivéssemos sentados num café.

Tem gente com quem treinei e conversei em porções menores, mas que também teve um gostinho bom: Flavinho, Leandro, Beto Bianchi, André Rapaport (hoje ´me ajudou nos 40 iniciais), Ligia, Rodrigo Esper, Rafael (em Florianópolis). Tiveram as surpresas, sobre as quais já falei: Mari Prado, Diglu e Alexei. As ausências e distâncias: Cris Dresbach, Nilma, Nickolas.

E a campeã. Minha filhinha do coração, Julia. Ela não só me acompanhou, como me esperou terminar o pedal no dia da chuva em Alphaville pra correr junto. Ela tem feito quase todas as corridas de transição comigo, sempre me arrastando atrás dela. O que vai ser de mim sem ela na maratona do Iron?

Estou entrando na reta final dos treinos. São mais nove dias de pauleira, depois já começa a diminuir. Passou muito rápido e tem sido muito, mas muito legal. Não só porque tenho me sentido muito bem mas, principalmente, porque os treinos tem sido uma experiência intensa. E têm sido legais porque as pessoas são legais. Sei que ainda não terminou, mas já sou grata a todos vocês pelo que pude viver até agora. Valeu, pessoal, tenho certeza de que vou me lembrar de cada um de vocês enquanto estiver fazendo o Iron.

domingo, 18 de abril de 2010

Ironmarriage


Casamento já não é fácil sem triathlon. Quando o casal gosta de esportes, de treinar e competir, isso pode parecer ótimo à primeira vista mas quando se tem um monte de filhos...


Sim, concessões, negociações, estresse fazem parte do cotidiano de qualquer casal com filhos. E treinos serão mais um tema para pauta de negociações. Seja porque um gosta de treinar e o outro não, seja porque os dois gostam e o tempo que se passa com os filhos tem de ser colocado na balança.

O Ironman e, principalmente, os treinos preparatórios para ele, são uma prova de fogo para os casamentos. Já ouvi algumas histórias de mulheres que colocaram seus respectivos na parede: ou eu ou ele – o triathlon. Triathlon, de modo geral consome um bocado de tempo, mas os meses que antecedem um Iron, são ainda piores. Porque se você tem uma horinha dando sopa, não vai querer ir ao cinema ou jantar na casa do cunhado. Descanso! Tudo que se quer é relaxar um pouco. Ai ai ai como a gente vai ficando insuportável.

No meu caso, a decisão de fazer o Iron foi negociada no ano passado. Fizemos algumas mudanças na casa: a TV saiu do nosso quarto e foi pra sala – de modo que eu pudesse deitar cedo e ele pudesse ver TV sem atrapalhar meu sono, estendemos o horário da Dilma, para que nós dois pudéssemos treinar aos sábados, e estabelecemos que a prioridade de treino aos domingos seria minha. Caso ele quisesse competir ou treinar, teria de providenciar um “plano B” para os kids.

No meio disso tudo, ele começou a fazer um curso às segundas e terças à noite. Então, tenho ficado no horário do rush noturno praticamente todas as noites da semana: jantar, colocar no banho, tirar do banho, mandar escovar os dentes, por pra dormir uma vez por semana aparar todas aquelas unhas e passar fio dental em todos aqueles dentes. Ah, e tudo isso evitando o derramamento de sangue. Na presença da mãe, ficam todos muito bélicos!

Mas, como dizem os ingleses (ou talvez os americanos) so far, so good. Depois de um período inicial meio conturbado, estamos conseguindo viver o dia a dia sem grandes estresses. Estamos, nós dois, estreitando nossos laços. Ele tem me apoiado, me compreendido, me poupado nestes fins-de-semana que chego absolutamente imprestável, do treino. Por outro lado, tenho estado atenta para fazer tudo que posso nos momentos em que não estou tão cansada assim. Então, depois de uma horinha de gelo e descanso, me levanto e improviso um almoço, dou um trato na louça ou aproveito pra jogar alguma coisa com os meninos. E, se ele quer correr, por exemplo, vai, enquanto eu acabo de dar o café da manhã pros caras.

Mesmo com toda a pauleira, tenho me sentido muito bem. Especialmente feliz e bem humorada e tenho levado isso pro meu casamento. E ele tem cumprido a sua promessa de início de ano, de não criticar meus treinos, meu modo de vida e me ajudar no que fosse possível.

Por incrível que pareça, os treinos não nos afastaram e nem têm desgastado nosso casamento. Ah, sim, e a libido não diminuiu, viu garotas?! Muito pelo contrário... Portanto, como tudo na vida, o truque é transformar em mais um desafio a ser superado e sair da prova com um Ironmarriage.

domingo, 11 de abril de 2010

Forja

for.jar
(forja+ar2) Aquecer e trabalhar na forja (ferro ou outro metal). vtd 2 Compor, fabricar: Forjar ferramentas.  Bater (o cavalo) com as ferraduras posteriores nas anteriores, na andadura.

Sei que só vou me considerar e ser considerada uma Ironman (woman, person, whatever) no momento em que ultrapassar a linha de chegada no dia 30 de maio. Mas tudo que está acontecendo nestes meses que antecedem a prova é o grosso do processo de transformação. É agora que estou sendo forjada.
Comecei a sentir as mudanças na pele, nos músculos, nos ossos, na alma e no cérebro.
Domingo passado foram 150 km de pedal mais 5 de corrida (depois de ter feito 26 de corrida na véspera). No meio do treino começou a chover. Em nenhum momento pensei em parar por causa disso. Diminuí o ritmo, fiquei mais cuidadosa e segui. A chuva parou, o sol chegou ardido e forte bem na hora da corrida. Fui sem meias. Estava tão encharcadas e sujas que só tinham um destino possível: lixo. Julinha foi me puxando. Buscamos as sombras das árvores, mas o sol estava a pino e nos castigou. Cheguei em casa num estado de exaustão inédito. Lavei a bike com o que havia sobrado das minhas forças. Na hora de enrolar a mangueira pra guardar, quase chorei.  Meus braços simplesmente não me obedeciam. Foi uma marretada.
Terça também choveu. Quando cheguei na USP, não tinha ninguém. Pedalei 10 kms sozinha, debaixo da garoa, até encontrar o resto do bando de loucos. A chuva engrossou, mas nós nos mantivemos lá, até o fim do treino. Debaixo da chuva corremos 5 km. Julinha outra vez me puxando. Cheguei em casa suada e gelada ao mesmo tempo.  Calor e frio. É assim também que se forja o metal.
Na quarta chovia de novo. Tinha tiros de 400 mts e também 2,2 de natação. Não dava tempo de ir até o Ibira. Fiz na esteira 10 tiros, aumentando o ritmo progressivamente.  Concentrei-me, coração pulsando forte, os pés martelando suave e consistentemente a borracha da esteira.
Quinta, levantei cedo pra fazer rolo. Uma hora e quarenta e cinco minutos de rolo. Garoava, estava frio e os pequenos iam pro acantonamento da escola. Posso estar me transformando numa mulher de ferro, mas o coração não vai endurecer, a alma não vai amargar. Precisava salpicar uma beijoca em cada um, antes de irem.
Sexta. Nada demais em matéria de treino. Filho mais velho assaltado na esquina de casa. Então coração mole, mas braços firmes e fortes pra abraçar, acolher, tranquilizar e... ir no DP fazer o B.O.
Sábado. Abri a USP, pedalei um pouco sozinha. No pelotão, puxei vários tiros com o vento na cara, sabendo que teria de chegar até os 100 km e depois encarar 18 correndo. Nessa corrida, fui sozinha por 15 km. Eu e meu bate-estaca no fone de ouvido. Inclui, por conta própria,  uma subida da Biologia. Teve sol, teve garoa e teve vento. Thelma fez os ultimos 3 comigo. Depois, só pra acompanhar o Ricardinho, fiz mais 3km.
Calor, frio, vento, chuva, umidade, sol. Cansaço, sono, preocupações, dores,  prazer. Solidão, companhias, solidariedade. Escolhas, concessões, decisões. Não posso, agora, afirmar que serei uma Ironman. Mas posso sim, dizer que algo está mudando. E é bom.

sábado, 3 de abril de 2010

Chove chuuuva ou o azar que vira sorte


Estava toda animada com o pedal de 150 km que iria fazer hoje na Ayrton Senna/Carvalho Pinto. Tinha acertado com um amigo que faria a escolta, combinado com outros atletas, meu marido também ia... Já tinha preparado toda minha alimentação e suplementação. Fui dormir cedo. Estava tudo certo.  Só faltou combinar com São Pedro. Na madrugada começou o dilúvio. Amanheceu com uma garoinha besta, o céu parecia que estava clareando mas não dava pra confiar. O problema de ir pra estrada com essa chuvinha não é só de tomar um chão mas, principalmente, de os carros derraparem e irem parar em cima de você.  Não dá pra arriscar. Tenho quatro filhos, gosto da minha vida. Em nome de quê vou fazer uma dessas?
Fiquei chateada. Afinal, fiquei aqui em São Paulo sozinha, pra poder treinar e descansar adequadamente. Bateu até aquela culpa "eu bem que poderia ter ido viajar e ficado com meus filhos já que não vou aproveitar o tempo pra treinar".
Então parti pro Plano B. Corrida na USP. O longo de 26 km era pra ser amanhã, mas tenho a esperança de que o tempo melhore e dê pra pedalar em Alphaville - portanto decidi resolver esta parte hoje mesmo.
Já estava até conformada com o fato de ir correr solitariamente e em silêncio. Meu IPod está sem bateria e o filhote mais velho levou o cabinho. Paciência.
USP estava vazia. Feriado e com chuva, só os doentes mesmo. Lá fui eu para os meus 10 confortável + 10 moderado terminando com 6 leve.
Primeiro, encontrei a Maria. Estava no 5º km. Maria trabalha no mesmo lugar que eu, tem 56 anos, está enxutaça e tem um humor escrachado que deixa seus superiores roxos de vergonha de vez em quando. Ela corre naquele passinho despreocupado, de quem não está muito aí com performance. Hoje, surpreendentemente, ela estava um pouco mais forte. Mesmo assim, tive de desacelerar pra conversar com ela um tiquinho. Ela acabou de chegar de Portugal. Fez 7 km da Meia Maratona e depois foi passear. Como sempre, estava naquele alto astral. Terminei a volta dela - que já estava chegando ali no Instituto Oceanográfico e parti pra Biologia, por recomendação do meu técnico, Emerson. "Vai lá, faz uma vezinha. Você vai lembrar disso e me agradecer quando estiver na subida da Canasvieiras". Ok. Motivo bom o suficiente. E não tenho medo de subida, não. Só não queria me matar de cansaço pra ter energia pro pedal que VOU FAZER amanhã.
Subi e desci por lá mesmo. Foi a sorte. Lá embaixo encontrei minha querida amiga Mariana que corria junto com um superironman, o Diglu. Emparelhei com eles e fomos batendo papo por uns 7, 8 kms. Ritmo bom, papo ótimo. O Diglu fez 11 irons, inclusive o do Havaí. A Mari já fez dois. Quem tem experiência sempre tem dicas boas. A do Diglu foi a seguinte : "Embora o pedal seja a parte mais longa, a prova se define é na corrida. A hora de fazer força é depois de pegar a segunda pulseirinha!". Anotado, Diglu!
Eles terminaram os 28 km deles. Eu ainda tinha 14. A chuva apertou, mas a temperatura estava ideal. Segui por mais 8 kms, puxando o ritmo um pouco. Então foi até bom estar só, porque não dava pra conversar.
Ao completar os 20, parei pro abastecimento no ponto da MPR e lá estava uma figura, todo de preto, que comentou que iria rodar 60km. Veja bem. Não de bike. Correndo. Eu engasguei e não me contive: "Eu ouvi bem? Você disse 60 km?". Ele confirmou, agradeceu a água e continuou sua jornada.
Recomecei a minha e logo emparelhei com ele. Perguntei seu nome e fomos conversando quase até o final do meu treino.
Ele se chama Alexei, deve ter uns 35 anos e é do clube restrito dos ultramaratonistas. Do meu parco conhecimento sobre esses seres, ele não fugiu à regra: é meio zen. O mais fantástico: ele tem diabetes desde os 4 anos de idade. Imagina só. Se já é difícil a alimentação de um ultramaratonista "normal", o que dirá de um diabético? Surpreendente. A sintonia que ele tem de ter com o próprio corpo precisa ser muito, muito fina e acurada. Não existe um rol de conhecimentos construídos e nem muitas pesquisas sobre este tipo de coisa. Pessoas como Dean Karnazes, por exemplo... Quem é que pode prescrever um treino e uma dieta para ele? São casos excepcionais, raros.  Os caras tem de pesquisar neles mesmos, trocar informações entre si. Alexei trabalha na área de saúde então ele mesmo examina alguns de seus marcadores sanguíneos.
Terminei meus 26. Ele tinha mais 20 pela frente. Nos despedimos. Com certeza vou cruzar com ele por aí.
Enxarcada, cansada e feliz. Mais uma vez, reverti minha sorte e aproveitei o melhor que pude. Nem estou mais tão culpada.
Amanhã, se não estiver caindo o mundo, vou pedalar meus 150. Mesmo com um pouquitinho de garoa, eu vou. Caso contrário, Plano B de novo, com duas sessões de rolo.