quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Amarga derrota

Já escrevi algumas vezes neste blog sobre competir. E, nesses textos, falei de passagem sobre perder. De passagem mesmo porque desde que comecei a competir na vida adulta não passei por nada que pudesse lembrar uma derrota. Escrevo isso sem nenhuma arrogância. É verdade. Como a competição é mais do que qualquer coisa, comigo mesma e com os desafios aos quais me proponho, toda vez que me posiciono na largada, já me sinto uma vencedora (a Thelma escreveu belamente sobre isso no blog dela). Na linha de chegada, salvo um DNF que me aconteceu no meu primeiro Troféu Brasil por conta de um pneu furado, minha experiência também tem sido bem sucedida.
Mas nem só de trathlon vivemos nós e as derrotas podem acontecer em outros departamentos da vida. E serem muito mais penosas.
Eis que estou me havendo com uma derrota acachapante. Não foi nocaute. Foi por pontos. Veio aos poucos, se configurando um pouco a cada semana. A cada direto de direita que eu levava, ficava meio atordoada, tentava me recompor, mas percebia que a vitória estava ficando mais difícil.
Chega de tergiversar: a triste notícia é que meu filho mais velho levou pau na escola. Para qualquer mãe, isso já é duro, mas, pra mãe educadora, é o pior dos mundos.
Trata-se do meu mais velho, que está com 16 anos, idade em que os hormônios aceleram sua influência no comportamento na mesma medida em que os neurônios desaceleram em competência. Ano passado, no 1º do Ensino Médio, depois de empurrar com a barriga dois trimestres e meio, ele fez um certo esforço e passou por um triz, já na prorrogação. Na ocasião, fui muito clara: "Espero que você tenha aprendido a lição certa - não deixar as coisas se acumularem - e não a errada - 'passei um sufoco, mas no fim do tudo dá certo'." Pelo jeito, ele aprendeu a errada. Começou o ano "na flauta" e os problemas foram crescendo.
Desde abril - quando recebi o primeiro boletim e conversei com a coordenadora da escola dele - que venho apertando o cerco, tentando acompanhar mais de perto. E como é difícil.
O menino não tem nenhum problema, déficit de aprendizagem ou coisa que o valha. Não. Simplesmente não percebeu, ainda, que precisa começar a tomar as rédeas da própria vida. Na vida adulta, explicar pro chefe que você não terminou seu trabalho porque acabou o papel da impressora, ou porque alguém de sua equipe esqueceu de fazer uma parte ou porque a janela estava aberta e o vento levou...não cola!
Fiquei em cima - colocava um celular pra despertá-lo e ia com outro ao treino da madrugada, se ele não me ligasse na hora em que devia acordar eu parava no meio do treino pra tirá-lo da cama. Contratei um professor particular para dar umas aulas de reforço, limitei ainda mais os horários de computador e as saídas noturnas "para balada" foram pouquíssimas ao longo do ano. Não foi suficiente. Tivemos discussões horrorosas, brigas homéricas. Quando o trimestre foi terminando e as provas finais se aproximando, ele insistiu para que o deixasse fazer as coisas do seu jeito, que tudo iria dar certo. Recuei e parei de apertá-lo. Sentia a iminência do desastre e acreditava que quanto mais ele assumisse a responsabilidade pelos acontecimentos, melhor.
Não estou arrasada, mas estou triste. O custo deste erro de cálculo é alto. Por outro lado, só na derrota é possível perceber que a estratégia não funciona.
Se, de novo, ele passasse de ano estudando só para as provas finais, teria a confirmação de que, sim, é possível dar conta do recado na última hora. Embora me doa o coração, penso que esta era uma derrota necessária à aprendizagem de uma lição importante.
A lição não é só dele. É minha também. Estou pelejando para aprender a ser mãe de adolescente. Dar conta de criança, colocar limites, dizer "não", botar no colo, fazer as perguntas certas, calar quando convém...é, para mim, muito mais fácil com os três menores. Cansa, é verdade. Erro também, mas acerto muito mais vezes. Mas quando TODOS os limites são questionados, os "nãos" desobedecidos ostensivamente, as perguntas - provavelmente erradas - recebem respostas evasivas e o colo parece ser pequeno e inadequado pra acolher aquele "homão" no qual ele se transformou... a sensação é de que erro muito mais do que acerto.
Talvez este episódio venha a se transformar na pedra fundamental não apenas das mudanças dele com relação aos estudos, mas também numa nova maneira de a gente se relacionar. Quem sabe, daqui um pouco, este gostinho amargo dê lugar a sabores mais agradáveis. Tomara.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Jogos na Ilha - os nossos e os outros

Ilha do Sul
Domingo cedo meus garotos tinham jogos amistosos de futsal no Ilha do Sul. O Ilha é um dos primeiros condomínios construídos em São Paulo. São seis edifícios que compatilham um clube: piscinas, quadras cobertas e descobertas, restaurante, academia, cabelereiro, biblioteca, bancos. A região é nobre -  Alto de Pinheiros  -, e a clientela, como é possível deduzir, privilegiada.
Meus sogros têm um apartamento lá e os meus três menores o frequentam bastante, inclusive participando dos treinos de futsal.

Torneio
O pessoal responsável pelas atividades esportivas marcou uma espécie de torneio: os visitantes viriam com quatro equipes para fazer quatro jogos - desde sub-9 até sub-16 ou 17, não sei bem.
As crianças e jovens não eram de um clube, nem tampouco de outro condomínio ou escola particular. Os meninos eram do Educandário Dom Duarte, uma instituição de assistência social que fica próxima à Raposo Tavares.
De um lado, os nossos meninos, com suas chuteiras Nike, bem alimentados e branquinhos, do outro, os visitantes com seus tênis gastos, esbeltos e mulatos. Ali na Ilha, com aquela cor de pele e aqueles calçados, apenas as babás, os serventes, seguranças e faxineiras - ninguém que costume frequentar quadra para jogar. Quando alguém de pele mais escura pisa por ali é para passar um rodo, fazer um conserto, recolher os pertences que os clarinhos largaram esquecidos.

Sub 9
O primeiro jogo foi dos menores. Imediatamente pecebi que estava dividida. Era o time dos meus dois caçulas - mas como seria possível torcer contra aqueles outros pequenos?
O jogo começou e a diferença de atitude não poderia ser mais nítida. Os "nossos" eram os donos da casa, da bola, do mundo; pisavam leve, mas com firmeza. Os "outros" iam sedentos atrás da bola, cavavam o espaço; pisavam com receio, mas com sofreguidão. Os pequenos visitantes lutavam. Ao olhar suas feições me assustei. Pareciam tão mais velhos e maduros!
Logo de cara, um dos nossos (nossos???) faz um gol. Prendo a respíração. Não consigo comemorar. Em seguida, os outros (outros???)  empatam. Solto a respiração. E eles fazem mais um gol, e não consigo evitar que um sorriso aflore. Este tempo termina empatado.
O Ilha entra com um novo time, o placar é zerado e começa um novo jogo. Meus caçulas estão em campo. Ian, no gol. Balanço. Os visitantes perderam o receio. Vão com tudo pra cima dos donos da casa, da bola, do mundo. E fazem 5x0.  Ian fez boas defesas, mas não foi suficiente. Felix também não jogou mal. Os dois estão chateados. A derrota deles não me entristece. Sobreviverão a ela. Eles são vencedores, eles estão no time que é dono da casa, da bola, do mundo. Aos oito anos de idade. De algum modo, eles já intuem isso. E os meninos do Educandário?  Aos oito anos, eles já sabem. E, naquele jogo, estavam brigando pela bola, pela casa, pelo mundo. Aos oito anos, eles ainda acreditam.
Sem que pudesse controlar, senti que meu peito se apertava pelos nossos meninos, todos eles, os brancos, negros, mulatos. E queria que meus filhos entendessem. Não. Queria que eles sentissem. Que se vissem na pele daqueles meninos, com seus sonhos, seus cotidianos, seus medos. Queria que fossem atingidos por um raio de lucidez - impactante, assustador, instantâneo.

Sub 11
Terminada esta etapa, veio o jogo do sub 11. De novo, um filho no gol. De novo, o time do Ilha mais forte e mais seguro. O Dom Duarte sôfrego. Mas de cabeça baixa. Eles sabem. E, aos 11, já deixaram de acreditar. Todos, menos ela.
Ela. No meio do time, magrelinha, cabelos soltos e encaracolados, estava Ingrid. Ficava na defesa, como um xerife, dando ordens a todos os meninos, brigando por todas as bolas e fazendo os melhores lançamentos para área. Em determinado momento, pediu pra catar no gol. vestiu uma camisa de goleiro em que caberia ela e mais dois, e se posicionou, alerta. Defendeu uma, mas, em seguida, tomou. Foi um chute forte, difícil. O goleiro voltou, ela foi pro banco mas, no início do 2º tempo, pediu pra voltar à quadra, sem medo de errar.
O time da Ilha ganhou de 8x2. Ingrid, contudo, não perdeu a altivez. Ao final, fui cumprimentá-la e pedi pra tirar uma foto.
Martim, eu e Ingrid


Sorte e dever
O fato de meus filhos serem da Ilha e a Ingrid, não, é mero acaso. Eles não são melhores do que ela. Eu não sou melhor que a mãe dela. Saí dali pensando muito sobre isso. Nós temos sorte. Viver na Iha, não é um direito, é um privilégio. Agora, nós, os ilhéus temos sim, a dever de fazer o melhor, de usar esta oportunidade não em proveito próprio mas pelo bem comum.
Posso estar soando um pouco piegas, um pouco natalina... Mas será que nós, triatletas, tão individualistas, somos capazes disso? E mais... Será que somos capazes de educar nossos filhos sem que eles se achem os donos do mundo, mas sim responsáveis por ele?

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Peço desculpas!

Levei um puxão de orelha de um leitor - lá de Portugal - por causa do meu último post. E, relendo o que escrevi, e considerando o que ele ponderou, tenho de reconhecer: peguei pesado com os laranjinhas retardatários.
Segue um trecho da mensagem que ele me mandou:

Sempre leio os teus posts e são 5 estrelas! Muito bons mesmo! Desta vez porém fiquei triste por ler algumas palavras tuas. Desanimado até…Eu explico…eu sou um dos toucas laranjas que falas no teu post. Nado mal mesmo! Nado crawl mas devagar, porque não tenho (ainda) técnica nenhuma. Aprendi a nadar em Julho. (antes eu sabia andar na agua) LOL. Devo desistir do triatlo ? Mudar de desporto? Devo ficar quieto no meu mundo das corridas e só passear de bike na praia?
Não gosto de atrapalhar ninguém e por isso quando treino na piscina e incomodo alguém que nada mais depressa do que eu ( quase toda a gente) tenho o cuidado de pedir desculpa. No unico triatlo que eu fiz deixei-me ficar bem atrás, principalmente para não levar porrada.
Nesta prova que falas contudo, se eu saísse 5 minutos antes de ti eu iria certamente estar ali no meio desses toucas laranjas a atrapalhar. Na bike a mesma coisa. Quer eu tivesse 20 ou 50 anos sem história na bike é preciso treinar muito para conseguir uma boa média na bike.
Mas para evoluir é preciso ir lá sentir a adrenalina mas infelizmente atrapalhar também os profissionais do triatlo.
Acho que tem de haver muitos toucas laranjas, embora também seja preciso que esses toucas laranjas tenham o bom-senso de deixar passar quem nada e pedala mais rápido ( na agua é mais dificil).
Senão houvesse toucas laranjas a participar tínhamos triatlos com 15 participantes (pelo menos aqui em PT).

Fiquei chateada comigo mesma de ter passado a idéia de que gostaria de um triathlon só com gente rápida. Justo eu!? Eu que nado mais ou menos e pedalo mal? Justo eu, que sou daquelas traumatizadas, escolhida por último na aula de educação física? Não! Nunca! Sou totalmente a favor da inclusão e da participação de todos! Não! Nunca! Não quero, em hipótese alguma, defender a elitização do triathlon - que já é bastante elitista por razões financeiras - mas que tem, como um de seus grandes méritos, acolher profissionais e amadores, sem distinção.
Não falava sério quando me referi às touquinhas laranjas, retardatários que estavam pelo caminho, chamando-os  de "annoying oranges" - um personagem de vídeo chato pra caramba. Fui infeliz, já que posso ter ofendido pessoas que não são muito rápidas nem habilidosas mas estão lá batalhando, fazendo o melhor que podem, aprendendo com aqueles que são mais experientes e/ou mais talentosos e tomando o maior cuidado pra não atrapalhá-los.
Não são os mais lentos que estragam as provas de triathlon. São os mal educados, que não agradecem os volutários; são os sem-escrúpulos, que ficam na roda dos outros quando não é permitido o vácuo; são os sem-noção, que ultrapassam de forma perigosa; são os sem moral, que usam de doping pra conquistar as tão almejadas vagas pra Kona.
Então, por favor, me perdoem aqueles a quem posso ter magoado ou desanimado com minhas brincadeiras.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

De volta - Pirassununga 2010

Como é bom participar de provas. Não só pra competir, mas, principalmente, por fatores extrínsecos: conhecer pessoas novas, encontrar amigos, conviver por mais tempo e ficar mais amiga ainda de quem a gente já conhece.

O ano passado já tinha sido assim. Este ano foi, de novo, muito legal.

Começou com um telefonema da Cris, amiga da MPR que praticamente não treina mais, perguntando se tínhamos lugar pra ficar em Pira.  Em Pira, não tínhamos. Íamos ficar em Leme, que é próxima, mais nem tanto.  Então ela disse que um amigo - Rogério, também da MPR, estava indo sozinho pra uma casa bem perto da AFA (Academia da Força Aérea, onde acontece o Long) e perguntou se ela conhecia alguém que procurava lugar pra ficar. Na mesma hora liguei pras minhas parceiras Thelma e Julinha, que toparam sem pestanejar.

Véspera - aniversário da Thelma
Saímos sábado de manhã de SP. Thelma e eu, Julinha com meu filho Martim e Rogério. No caminho tivemos de fazer umas paradas estratégicas, já que estávamos naquele esquema de hidratação.

Chegamos em Pira quase uma da tarde. O sol estava derretendo o asfalto. Nos encontramos os cinco no Brasinha, um restaurante indicado por um amigo meu que é de lá. Graaande pedida. Nada de massa. Comemos um tal de Aruã - peixe amazônico - com arroz, batatas cozidas e legumes. E o papo com o Rogério, que tínhamos acabado de conhecer, rolou solto.

Passamos na nossa maison que tem o sugestivo nome de Paradise Lazer, deixamos as coisas e fomos buscar os kits. Dez minutos do nosso lar provisório até a entrada da AFA. Melhor, impossível. Chegando lá conheci um amigo blogueiro, o Rafael Farnezzi e e encontrei o meu amigo também blogueiro, sempre simpático e sorridente, Arthur Araújo.

Da esquerda pra direita: Rodrigo, Emerson, Daniel, Thelma, eu, Pocinho e Julinha, na Cantina Don Pepe.

Como era aniversário da Thelma, ainda em SP, reservei uns lugares numa cantina, encomendei um bolo e chamei o pessoal pra encontrar lá.

Foi delícia. Comida boa, lugar simpático e barato, clima gostoso, conversa animada e, o melhor de tudo, pessoas legais: Daniel e Vivi com a filha Julia (que rapidamente se entendeu com meu filho Martim, apesar da grande diferença de idade), Rogério, Emerson, Rodrigo, Carlos Pocinho, Julinha, Thelma e eu e a turma da Sumaré que passou por lá também. Fabiana, Mônica, Thiago e a Cururu que estava na maior ansiedade porque iria estrear na distância 70.3.

De volta ao nosso paraíso particular, Rogério, Thelma e eu ligamos o modo PPP - preparação pré prova. Enquanto isso, Martim e Julinha jogaram os colchões no meio da varanda, se jogaram em cima deles e desligaram.

O enigma da Julinha
À noite o paraíso não tão paradisíaco. Difícil dormir. Sirenes, músicas, luzes, conversas. O despertador tocou no melhor do sono.
Alguém precisa me explicar como a Julinha que chegou e caiu na cama sem arrumar nada, estava pronta na mesma hora que Thelma, Rogério e eu sem ter acordado uma hora mais cedo. É um mistério profundo.

Chegamos na AFA cedo, encontramos o Emerson e o pessoal da MPR e eu nem estava com aquele friozinho na barriga. Encontrei Corina Silveira e seu marido - ela estava super ansiosa; o Evandro - meu parceiro de Iron, que disse que ia passear no parque (em Pira não dá, Evandroooo!) a Cururu... um monte de gentes. E estava aquele clima de festa.

A expectativa era passar um calorão. Como disse a Thelma no blog dela, iríamos descer ao inferno. Então, estando lá, nada mais natural do que aproveitar e abraçar o diabo. Algo parecido com ir a Roma e VER o Papa.

Natação e os laranjas
E foi dada a largada. Os homens, cinco minutos antes das mulheres. E alguém me explique também como é que antes da primeira bóia na primeira volta eu já estava tropeçando em alguns deles. Dali em diante, só foi aumentando a densidade dos annoyings oranges (as tocas eram laranjas). E eu nem nado tão rápido assim. Eles é que nadam muito mal. Desculpe, pessoal, mas nadar 1900 metros de PEITO!? Acho mais honesto mudar de esporte. Ou aprender a nadar crawl.

Não sei ainda, mas ACHO que minha natação foi pior – o que era de se esperar – o pedal também ACHO que foi igual ou melhor do que ano passado e a corrida também deve ter sido um pouco mais alta este ano.

Nadei tranqüila, forçando um pouco mais na segunda volta. Senti sim, o braço um pouco cansado e dolorido no final, mas não demais. Na transição tentei passar um pouco de chamois butter mas, como não tem tenda, não deu pra espalhar como se deve. Resultado: fiquei com vários cortes e assaduras nas nádegas. Coloquei uma faixa no cabelo, capacete, óculos e sapatilha. Sem estresse, apesar do meu filho Martim ficar dizendo "vai mãe, vai logo!"e saí pra pedalar. Deixei numa marcha bem leve, porque a saída é numa subidinha e não tive dificuldades.

Ciclismo - porque eles não me passam?
Fiz a primeira volta mais tranqüila, apertei na segunda e na terceira e a quarta foi igual a primeira. Passei várias mulheres (e alguns homens) e não fui ultrapassada por nenhuma. Fiquei no clipe o tempo todo (e o ombro não doeu), volantão e volantinho só em duas pequenas subidas.

Não vi pelotões e nem gente pegando roda. Ouvi dizer que tinha um pelotão grande mas não passou por mim. Algumas vezes eu encostava em alguns caras que tentavam escapar, escapavam por um tempo mas, dali a pouco, eu já estava emparelhada de novo e às vezes até passava. Pensava com meus botões "eu com essa perna de mentirinha, mais velha, do suposto sexo frágil e com uma bike que não é nenhuma Ferrari... o cara com idade pra ser meu filho (ou pelo menos um caçula temporão), com esses pernões, do sexo (fisicamente) mais forte, com uma puta de uma bike..." Dava vontade de dizer: "Vai embora, cara! Você tem obrigação de me passar e sumir!"

Ao longo do percurso, os milicos, muito sérios, indicavam o caminho correto. Na terceira volta, não aguentei. Passava por eles e intimava: "E a torcida?Pô, pelo menos pras mulheres!". Os caras abriam um sorriso DESTE tamanho e gritavam: "Vai 53!" Aí eles voltavam a parecer moleques, como outros quaisquer!

Um pouco antes do final da bike emparelhei com um menino muito simpático. Comentamos sobre o calor e o abraço que daríamos no coisa-ruim na hora da corrida. Rimos os dois. Ele entrou na área de transição logo à minha frente e tinha a maior galera torcendo pra ele: "Vai, Cesinha! Aê, Cesinha!" Eu não aguentei e disse pra ele: "Cara, você tem a maior torcida particular da prova! Também quero!". Aí, a Fabiana que é uma amiga e estava nesta torcida, ouviu o que eu disse e gritou "Vai, Claudinha!". Eu ri e comentei com ele: "Viu?! Não é só você que tem torcida!" Não consigo deixar de me divertir e falar essas bobagens. Mesmo que sabendo que deveria ficar quieta pra poupar energia.

Na transição, coloquei uma viseira, garmin (que não achava o satélite no começo e me atrapalhou um pouco) e não passei mais protetor solar e nem vaselina nas axilas – o que me deixou com uma linda assadura e um bronzeado ma-ra-vi-lho-so - carimbo do diabo. Sai pra correr debaixo daquela lua. Tomei água ou gatorade em todos os postos, pelo menos um golinho. Agradecendo sempre. Coisa que pareceu surpreender os meninos que, muito gentilmente, respondiam entre espantados e felizes: "De naaada! Não tem de quê!"

Corrida - alguém tem um par de panturrilhas aí?
Nos primeiros 9 km – quase metade da prova – senti um tremendo cansaço nas panturrilhas. Inclusive pedi pro Kim um par novo, quando ele me ofereceu água. A Kelly (triatleta, ortopedista e amiga) bem que tentou me emprestar, mas não era meu número. Felizmente, dali em diante, melhorou e consegui correr sem tanto sofrimento. Mantive 5m20, 5h30. Na sombra e nos declives – que são suaves mas a gente sente a diferença – consegui ir um pouquinho mais forte. As palavras de incentivo das pessoas tanto no ciclismo, quanto na corrida, sempre animam a gente. Flavinho (que quebrou no pedal), Pedro (que veio direto de Miami só pra largar e pedalar, mas não fez a corrida), Marcos (que se contundiu em Clearwater mas veio assistir) e Mariana Hubinger (parceira de pelotão) que vieram de São Paulo, Mônica Bolognani, Mariana Prado e Diglu da 5 Ways, a Fabiana, Marcelo e Marcinha da Planet, Rodrigo e o Emerson da MPR, pessoas que cruzei durante a prova como o Lester, Marquinhos, Beto, da MPR,o mestre Vilela, de Santos, a Camila da Trilopez, a Vivi e o Daniel - que tiraram a foto abaixo e, claro, meu filho Martim.  Saber que ele me esperava na chegada não me deixou nem PENSAR em andar.
Chegando feliz. Foto Viviane Blois.

No final, ainda tive de dar um sprint porque uma atleta que eu havia passado no km 15 resolveu que queria chegar na minha frente, se aproveitando do fato de o Martim, me filho, vir correr os últimos metros comigo. E o Emerson tinha acabado de me dizer - você está emntre as dez primeiras! Cuidado atrás!". Mas nós não deixamos! Tirei energia do fundo do coração, o Martim se esfalfou, mas chegamos antes da adversária. Quase alcançamos a Julinha. Por 20 segundos. Teria sido o máximo cruzarmos a linha de chegada os três juntos. A Thelma nem vi. Só ouvi. Ela chegou em terceiro geral, dando pau em duas profissionais e sendo escoltada por motocicletas e suas sirenes. Melhor presente de aniversário, impossível! E ela merece.

Final feliz
Terminei cansada, mas sem cãimbras, nem dores. Fiz a prova em 5h24m03 mas não sei ainda as parciais. Ano passado, foram 5h18m32 mas não estava tão quente – parece que ontem chegou a fazer 35 graus durante a prova. A Ariane por exemplo, fez 4h23m ano passado e 4h30 este ano; a última colocada o ano passado fez em 7h06m e, a deste ano, em 7h36m. Acho que isso quer dizer que a prova foi mais difícil.
Fiquei em 1º na categoria (com quase 30 minutos em cima da segunda colocada) e em 10º no geral feminino. Bom demais para quem saiu do estaleiro há pouco e nem treinou tanto assim.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O amor fora de hora, o esporte amador

Estou cansada do amor. O amor tudo vence. Só o amor constrói. Amor, com o amor se paga. No amor e na guerra vale tudo. Ama ao próximo como a ti mesmo. Será?
O amor virou moda. Além de amar mãe,  pai, cônjuge e filhos, agora também precisamos amar o trabalho e, pior, amar as pessoas com quem trabalhamos. Haja amor! Bons médicos, amam sua profissão e devem tratar seus pacientes com amor. Professores, então! Nem se fale. Ai da professora que não amar seus alunos. Todos eles, sem exceção. Atores, artistas, músicos... os bons mesmo, têm paixão pelo que fazem. Será?
Me desculpem os amantes desse amor todo, mas não só acho isso mentiroso, como também penso que pior seria se fosse verdade.
Sem querer atrever-me a definir o que é amor vou, sim, ousar e afirmar que a presença de tal sentimento não é tão necessária quanto vem sendo apregoado ultimamente.
Em primeiro lugar, não é possível se obrigar a amar. Até hoje a poção do amor é procurada, mas sem muito sucesso. Talvez o alcool seja o que tenhamos de mais próximo a um afrodisíaco. Quem é que nunca viu (ou se viu) bêbado declarar seu amor para os entes queridos e pros entes nem tão queridos assim? Dificilmente se pode levar esses arroubos de afetuosidade muito a sério. Mesmo porque, no dia seguinte, o apaixonado já nem lembra mais de todo aquele amor.
Mas esqueçamos os bebados e os afrodisíacos.
Um médico, um professor, um técnico, não precisam amar o que fazem. Mas precisam ser comprometidos com as escolhas que fizeram em sua carreira e trabalhar com profissionalismo.
Esta idéia de que fazer o trabalho com amor é, necessariamente fazer um trabalho bem feito é perniciosa, pois pode eximir o sujeito de suar, ralar, estudar, aprender, ir em busca de conhecimento. Pode desprofissionalizar a relação dele com sua ocupação.
A professora não precisa amar todos os seus alunos, o médico não precisa amar seus pacientes. O técnico não precisa gostar de seus atletas. Mas todos têm a obrigação de respeitar seus pacientes, alunos, atletas. E o médico precisa ouvir e olhar para o ser humano que está á sua frente e ser capaz de colocar-se no lugar dele, ser compassivo com o doente e sua família, sacar que se para ele, médico, a doença e o tratamento são rotina, pra maioria dos doentes e suas famílias, não! Não precisa de amor. Conhecimento,solidariedade, humanidade, compaixão, sim. Amor? Não necessariamente . O professor tem a obrigação de fazer o melhor de si e acreditar que todos, sim TODOS os seus alunos são capazes de aprender, e investir nisso. A despeito das "famílias desestruturadas" de uns, da pobreza de outros, da aparente lerdeza de alguns. Todos podem e é obrigação do professor dar o melhor de si para que todos tenham oportunidade de aprender. Mas, pra saber o que cada um precisa e como ensinar, é preciso avaliar, estudar, planejar. Amor? Supérfluo. O técnico, idem. Precisa estar atento, analisar a individualidade de cada atleta, buscar a melhor palavra, o melhor exercícío, a "dura" mais precisa. Mais uma vez, pra ser competente, é necessário observar, estudar, avaliar, pesquisar. Amar?
E o tal do amor-próprio? Defendo uma idéia relativamente simples: este amor advém, principalmente, da confiança que construímos acerca das nossas capacidades. Elogios, aprovação e cumprimentos dos outros, ajudam, mas não são a essência. O principal é perceber que (nos)superamos, aprendemos, que conseguimos conquistar com braço forte.
Não há lugar onde o amor se encaixe melhor do que no esporte amador. O amador se entrega a essa ocupação sem esperar recompensa, pagamento ou reconhecimento. É um amor desinteressado mas, ao mesmo tempo,  altamente comprometido. É como amor a uma causa: dá sentido à nossa vida, nos dedicamos a ela, nos sacrificamos e não esperamos nada em troca. Quase um amor canino.
Não estou dizendo que os atletas profissionais não possam amar e se divertir com sua ocupação. Mas é seu ganha pão. Existe a obrigação de treinar, de competir, de ter resultado.  O amador refaz a escolha a cada dia que se levanta pra treinar: está desobrigado, mas escolhe levantar cedo e treinar. Escolhe não ir dormir tarde, escolhe abrir mão da festa.
E, embora o amador ame (quase) incondicionalmente o esporte ele é sim, recompensado algumas vezes. Na sensação agradável de terminar um treino longo e constante, na hora em que consegue atingir uma determinada marca, na disposição que conquista para tocar sua vida.
Amor é amor. Não é possível nos obrigarmos a a amar e, para ser duradouro, é necessário cuidados diários. E, de uma hora para outra, ele pode acabar ou ir morrendo aos poucos. Mas tanto na vida afetiva quanto na esportiva, não podemos deixar de aprender com nossas histórias de amor. Pois é isso que nos permite amar novamente, mais e melhor: pessoas ou esportes.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Para não ser esponja

Minha sábia mãe vive dizendo que nós precisamos formar nossas crianças e jovens para serem filtros e não esponjas. Em vez de absorverem tudo que se lhes coloca pela frente, que passem a ter critérios de modo que possam fazer escolhas.
Mas isso não é nada, nada simples. Nem mesmo para nós adultos. Por exemplo: desde que a Nike inventou que, para correr, é preciso um tênis especial, ninguém duvidou. No mundo inteiro corredores passaram a procurar aquele tênis, convenceram-se de que sim, amortecimento é crucial, saber se sua pisada é supinada, pronada ou neutra pode mudar o rumo de sua vida ou, ao menos, de sua passada.
Mais empresas, mais tecnologia. Diferentes modelos para treinos e competições, para corridas longas ou curtas, para corredores rápidos ou lentos. As revistas especializadas têm, ao menos uma vez por ano, a obrigação e o hábito de lançar um guia para o pobre consumidor/corredor para orientá-lo na árdua tarefa de escolher um tênis. Flexibilidade ou leveza? Amortecimento ou resiliência? São tantas opções que, para acertar na escolha é preciso debruçar-se sobre o guia e fazer um longo e detalhado estudo. Claro que no momento em que o feliz consumidor consegue finalmente escolher, a Asics já lançou um novo modelo com ainda mais tecnologia.
E...bem... quem foi que disse que toda esta parafernália faz diferença? Quem viu pesquisas e estudos provando que o amortecimento, por exemplo, diminui as lesões? Quem disse que a pessoa que pisa em pronação precisa de uma correção compensatória? Vou além: quem viu um estudo ou pesquisa que não tenha sido patrocinado pelos próprios fabricantes de tênis? Quantas vezes paramos para duvidar daquilo que parece "científicamente comprovado"?
Anúncios de televisão mostram um senhor, nem tão idoso, nem tão jovem; a idade é suficiente para o levarmos a sério. Trajando jaleco branco, ele nos garante que o produto X é comprovadamente mais eficiente que os outros. Confesse: você fica, ou não, inclinado a acreditar nele?
E olhe que nós, que temos acesso a internet, lemos e ou escrevemos blogs, somos realativamente bem informados e críticos. Ainda assim, caímos em alguns contos do vigário.
Como pais, a responsabilidade é ainda maior. Não só porque somos modelos para os pequenos como também porque é fundamental ajudá-los a perceber as artimanhas da publicidade para seduzi-los. haja paciência, argumentos e perseverança para dizer "não" aos filhos explicando porque.
Ser filtro, e não esponja, implica, principalmente, em saber ler. Não ler de qualquer jeito. Mas ler dialogando com o texto. Perguntando quem escreveu este texto? Para quem escreveu? Com que intuito? Parece óbvio? É não. A revista O2, por exemplo, faz cobertura de provas e também organiza provas. Você costuma prestar atenção nos anunciantes das revistas? Você repara se existe alguma coincidência entre matérias e anúncios? Vocês souberam que houve uma grande paralisação nos bancos durante o período eleitoral? Notaram que a mídia praticamente ignorou este fato? Quem são os maiores anunciantes dos jornais e das TVs em horário nobre?
Não estou dizendo pra ficar paranóico, pentelho, vendo pelo em ovo. Mas para, principalmente nos momentos em que se tem de fazer uma escolha, uma compra ou tomar um decisão, não procurar atalhos e nem se deixar levar por aparências.
Ser filtro, e não esponja, implica num exercício permanente de duvidar e de se informar. A autonomia intelectual e moral, embora comece seu desenvolvimento ainda na infância, precisa estar permanentemente em uso. Não é para preguiçosos. Não é para acomodados.

Ah, para saber mais sobre o assunto corridas x tênis recomendo o livro Nascido para Correr: a experiência de descobrir uma nova vida, de Cristopher McDougall, da editora Globo.
E sobre o assunto criança x consumo,  o filme Criança, a alma do negócio, disponível para download na página do Instituto Alana .

sábado, 30 de outubro de 2010

Dois trios, três duplas - Revezamento Bertioga-Maresias

Pelo quarto ano consecutivo faço essa prova. No primeiro ano participei apenas como torcida, já que estava de patinha quebrada. mesmo assim, me senti parte da equipe.
Neste último sábado, porém, em vez de irmos em sexteto como nas edições anteriores, montamos dois trios: um feminino o outro masculino. Foi muito divertido.

Nosso esquema para a prova, made by Roi
 Uma parte da graça dessa prova é organizar a logística: carros de apoio, quem leva quem aonde e que horas. Tínhamos uma boa equação: dois trios de corredores (Julinha, Mari e eu/ Roi, meu marido + David e Zé), um carro de apoio com motorista (Tamara, esposa do Zé), um carro sem motorista, nove trechos a serem percorridos.
O Roi pode não ser bom em encontrar as coisas mas é perito em montar planilhas, esquematizar informações e colocar no papel. Portanto, mais uma vez, a logística da prova ficou por sua conta.
Viajamos na sexta à noite, no Doblo: David, Mari, Julinha, Roi e eu. Paramos num posto e comemos uns sanduíches de pão borrachento com queijo gosduroso e mal derretido. Ninguém nem ligou. Lembrei de tantas vezes que desci pro litoral e parei neste mesmo posto, louca pra chegar na praia, tomar cerveja, umas vodcas, ficar na farra até altas da madrugada e acordar tarde e com dor de cabeça no dia seguinte. A parte boa era conviver com os amigos, dar risadas, falar besteira. Então alguns anos depois, estou indo novamente pra praia com amigos e marido, rindo e falando besteira. Só que sem a ressaca do dia seguinte. provas de corrida podem sem uma coisa ótima!
Chegamos à nossa Pousada, simples mas limpa e ao lado do PC1 - largada do segundo trecho. Ficamos num "chalé triplex" que não era um chalé nem aqui nem na China e sim um apartamentinho de dois andares, com várias camas, cozinha e dois banheiros.
Aprontamos as coisas pro dia seguinte - principalmente eu, que seria a primeira a correr - e nos jogamos nas camas.
A noite não foi das melhores. Gente batendo papo, crianças gritando, barulhos em geral. Mas, se o desempenho das provas dependesse das noites da véspera, eu teria sempre um péssimo resultado. É raro dormir bem.
Na manhã seguinte, Mari acordou queixando de dor de garganta. Tossiu a noite inteira. Sorte que a Julinha dorme como uma pedra, nem escutou.
Tamara e Zé passaram pra me pegar. Nós dois faríamos uma dupla, pois correríamos os mesmos trechos: 1, 4 e 7.  Chegamos a cinco minutos da largada. Não deu nem pra alongar. E, confesso, não deu também aquela emoção que costumava me dar antes do início de uma competição. Seria um longo dia e eu estava tranquila.
Fomos juntos, num ritmo mais lento do que a maioria dos corredores mas, pouco a pouco, fomos apertando o passo. Falei pro Zé que ele poderia ir, sem se preocupar comigo. Ele foi, mas logo emparelhei. A areia dura, o tempo fechado, o espaço aberto e a musiquinha no Ipod nos empolgaram e chegamos ao final do trecho 1 bem acelerados. Lá, nos esperava a segunda dupla: Mari e David, além da Tamara que nos levou até nosso próxima largada.
Fiquei muito contente com meu desempenho. Tenho treinado corrida bem mais ou menos portanto, estava temerosa. Os joelhos estavam ótimos, mas fiz um gelinho assim mesmo.
Nem deu muito tempo de descansar, já era hora do nosso segundo trecho, que saia de Guaratuba e também vai pela praia quase todo o tempo. Como o Roi chegou um pouco antes, Zé largou na frente e passei metade da corrida tentando alcançá-lo. Enquanto esperávamos nossa saída ele veio com aquela conversa de que não aguentaria manter o mesmo ritmo tal e coisa. Ba-le-la. Saiu queimando o chão e eu me esbafori pra chegar nele. Resultado, no final o joelho começou a pegar. Não o que estava doendo ultimamente. O outro. O esquerdo, que  foi o primeiro a começar a doer logo depois do Iron, então passou pro direito.  Caprichei nos cuidados com o direito. O esquerdo ficou invejoso e resolveu doer no final da nossa segunda perna.
Zé terminou um pouquinho na minha frente mas, não adiantou nada. A Mari tinha pifado e, para não perdermos a viagem, o David esperou eu chegar para levar nosso chip até o o trecho em que a Julinha assumiria.
Tomei um advil, fiz gelo e rezei. O trecho 7,  Juréia - Juqueí, era o meu último, porém o mais difícil. Mais uma vez, nossa espera foi curta. Julinha e Roi vieram voando.
Zé também estava cansado e foi mais devagar. Logo de saída vi que meu joelho não iria dar trégua. O piso, pra complicar ainda mais a situação, é muito irregular: estrada de terra toda esburacada, pedregulhos, serrinha, areia dura e, no finzinho, areia fofa pra acabar com a gente de vez.
Quase desisti. Mas, quando se está em equipe, a responsabilidade é maior. Depois, esse negócio no joelho é só chato e doloroso, mas não é grave. Correr com o joelho assim não vai arrebentar meu tendão, quebrar minha patela ou me aleijar de qualquer modo. Respirei fundo, tente me distanciar da dor e, no final, consegui até apertar um pouco mais o passo. Sobrevivi, terminei com o joelho inchado mas, como diz o ditado, ajoelhou, tem de rezar ou, no caso - correr.
David levou os dois chips novamente. Entregou para Roi e Julinha e, até sair o resultado da prova não sabíamos se ele tinha entregado o chip certo.
Os dois fizeram o trecho final. Fui no carro com o Zé e Tamara, enfiada no teto solar, mexendo com os corredores. Festeja e aplaudia os "solo" e as pessoas que conhecia.  Às vezes os corredores que estavam próximos ficam esperando que eu dissesse alguma coisa, mas eu brincava "ah, não, você não é solo, tá fazendo só este trechinho, não merece aplauso".  Avistamos a Julinha descendo a ladeira sem freio algum e, até estacionar o carro, Roi e ela já tinham chegado. Uma pena. É muito legal todo mundo estar junto na reta final.
Nem esperamos o resultado. Afinal, sabíamos que não seria justo levarmos troféu e subirmos no pódio, já que nossa equipe teve de fazer uma gambiarra pra não sair da prova. Outra pena. Ficamos em terceiro no trio feminino e, tenho certeza, de que teríamos ficado em terceiro se a Mari tivesse corrido porque além de ela ter acompanhado bem o David em seu primeiro trecho, ficamos uns 30 minutos na frente das quartas colocadas.  Acontece.
Mari e David conseguiram carona pra São Paulo e subiram assim que terminamos. Nós cinco fomos almoçar num delicioso restaurante italiano lá em Maresias. Tomamos vinho, comemos bem e falamos de tudo um pouco. E começamos a planejar o próximo ano.
Mais uma vez, foi ótimo. Nada como uma corrida pra gente se divertir com os amigos.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Na minha companhia

Nos últimos tempos tenho fugido do assunto "treinos". Não só porque estava meio café-com-leite mas também porque outros assuntos me pareceram mais interessantes e relevantes. Mas hoje volto às origens.
Terminei as sessões de fisio, voltei a nadar,  mas o ombro ainda está se recuperando. A cirurgia foi apenas há dois meses. Meus joelhos estão sub judice desde o Iron. Não posso abusar. Isso tudo diminuiu meu rendimento cárdio - respiratório. Ganhei um pouquinho de peso.
Tenho treinado bastante na minha própria companhia. Não porque não goste de parcerias - muito pelo contrário - mas porque estou num momento de readaptação em que preciso, mais do que nunca, prestar atenção nos sinais que o corpo me dá e  adequar meu ritmo a essas informações. Perto dos outros, conversando, tentando acompanhar, me distancio de mim mesma.
No domingo de feriado, fui para Romeiros. Fazia muito, mas muito tempo mesmo que eu não ia. Minha primeira e única tentativa de ir este ano foi frustrada. No pedágio o carro pifou e acabei indo pra USP.
Além do meu marido, estavam mais três colegas de MPR fortes e animados - Daniel, Marquinhos e Flávio. Sai do carro, me arrumei e dei adeus. Sabia que eles me alcançariam, passariam e deixariam bem pra trás, portanto, quanto antes eu saísse, menos eles teriam de me esperar na volta. Eles ofereceram companhia, acharam que eu estava antissocial, mas não era nada disso. Simplesmente não queria fazer nenhuma concessão em matéria de ritmo: iria muito devagar pra não detornar joelhos nem sentir dores no ombro.
E lá fui e fiz 70 kms solitária. Sem sofrer. Fiz Romeiros sem sofrer! Está certo que não vou contar qual foi minha velocidade média mas, pra vocês terem uma idéia, mal suei.
Dois dias depois, na terça do feriado, estava em Igaratá e resolvi fazer um longuinho de 18k. Saí, como sempre, do sítio dos meus sogros e rumei pela terra até a estrada de asfalto que liga Igaratá a Santa Isabel. Normalmente sigo em direção à Santa Isabel e, embora a paisagem circundante seja agradável a estrada não tem acostamento e vou pela contramão meio tensa, pois caminhões e "pois zés" cruzam comigo sem cuidado e sem desacelerar.

Estrada do Rio do Peixe
 Não costumo ir em direção à Igaratá porque é um trajeto muito curto, de cerca de 1,5 km, então não vale a pena. Mas nesse dia decidi ir pra lá primeiro, antes de rumar pra direção oposta. Ao chegar no portal da cidade em vez de fazer meia volta, segui em frente. Passei pela pracinha, pela rodoviária, pelo supermercado. Ou seja, cruzei a cidade inteira. Então reparei numa placa que nunca tinha visto antes: Estrada do Rio do Peixe, Igaratá Velha  6 km.  Por que não? pensei. E fui embora pela estrada. Asfalto precário e esburacado mas um entorno de colinas íngremes, pequenos sítios, flores, exemplares de araucária e, de vez em quando, uma nesguinha da represa (ou seria o tal Rio Verde?). Senti-me em Campos do Jordão. Pra completar, quase não me deparei com veículos motorizados. Mudei a trilha sonora animada e eletrônica e substitui por Norah Jones e Kevin Johansen pra combinar com o clima bucólico. Naquela toada, infiltrada naquela paisagem entrei naquele transe que só quem corre sabe como é. Um transe em que você fica completamente sintonizado com seu corpo mas, ao mesmo tempo, está integrado ao ambiente como se fosse a atmosfera que está nele e onde ele está: perfumes, cores, texturas, formas. Meu desejo era seguir por horas a fio, confundida com aquele lugar.
Sabia que não poderia correr adiante por tempo indeterminado.  Uma hora teria de voltar sob pena de me machucar. O que me consolou foi pensar que na volta, veria a mesma estrada de um ângulo diferente e também o fato de que poderei retornar ali quando for a Igaratá. Mas, na próxima, deixo o carro na cidade, de lá pego a estrada e vou até...?
Na sexta passada fui correr pelas ruas de São Paulo logo ao amanhecer. Lá pelas tantas, cheguei à entrada do Minhocão e, vejam só, ele ainda estava fechado para o tráfego. Faltavam 15 minutos para abrir. Não tive dúvida. Tive o privilégio de correr solitária pelo Elevado, enquanto a cidade despertando, se agitava logo abaixo dos meus pés e me espiava sonolenta das janelas dos prédios ao redor. Calculei o tempo exato para não ser pega de surpresa pela abertura da cancela. Imaginar-me ilhada no viaduto com os carros passando rentes a mim não era nada convidativo. Desci a rampa no instante em que o o marronzinho da CET se encaminhava para abrir o portão. Uma caravana de carros aguardava impaciente.

Treinar junto com outra pessoa é divertido. Conversamos, rimos, brincamos. Mas nos distraímos, desconectamos do nosso corpo, das nossas sensações, da percepção do que está em volta. Algumas sensações só conseguimos ter se estamos focados naquilo que estamos fazendo, se sairmos do verbal, pararmos de pensar em palavras e nos concentrarmos no sensual (relativo aos sentidos, não à sexualidade). Em nossa exclusiva companhia, na cidade adormecida, no campo desconhecido, por entre as curvas de Romeiros é possível aprender um pouco mais sobre a gente mesmo e sobre o mundo.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Pelo fim da animosidade

Impossível deixar o tema escapar. Sei que os meus fiéis leitores acessam este blog atrás de posts sobre treinos, provas etc mas, sinceramente, me sentiria ridícula em escrever sobre meu treino de hoje (o primeiro de natação depois de quase dois meses), ignorando o que acabou de acontecer.

Não, não se preocupe. Não farei campanha pra nenhum candidato. Não escondo meu voto, mas não acho que seja relevante divulgá-lo. Quero, sim, fazer um apelo ao espírito esportivo no período eleitoral. Estou muito incomodada com a falta de respeito de pessoas supostamente educadas e esclarecidas no debate político. Uns desqualificam o Serra porque ele seria carrancudo ou “limitado espiritualmente” outros acusam Dilma de “trator” e de idiota, assim como havia os que chamavam Marina de “filha de Maria” em tom de deboche. Que espécie de debate é esse? Atire a primeira pedra quem não bate na mesa de vez em quando, acorda mal humorado, fica meio abestalhado em algumas situações ou que tenha convicções espirituais, religiosas ou esotéricas . Não seria mais útil, interessante e honesto que avaliássemos e discutíssemos programas, propostas, idéias, currículo e atuação profissional?

E quando escrevo “discutir” não estou falando em bater boca. Embora pareça, política não é futebol. No futebol, não tem acordo. Nasceu corintiano, corintiano até morrer – menos o meu marido, é claro – mas isso é história pra outra ocasião. Torcida não tem racionalidade alguma. É paixão. E, a menos que ultrapasse os limites da civilidade como, infelizmente às vezes vemos acontecer, não há mal em que seja paixão. É legítimo defendermos nossa paixão clubística sem nenhum argumento decente.

Mas, com política não pode ser assim. Não podemos ser sectários e defender partidos ou pessoas apenas porque um dia em nossa vida os escolhemos e nunca mais revimos essa escolha. Não podemos defender nossa posição na base do grito, da torcida mais barulhenta, da bandeira maior – há que se ter argumentos.

Política também não é religião. Religião tem a ver principalmente com fé, crença, dogmas. Sim, há também os valores, mas é a fé o eixo central. O debate político não deveria ser uma questão de fé, nem de crença, mas de princípios. Quais são os princípios que regem os seus atos? Quais os princípios regem as suas escolhas? Não basta escolher candidatos que se aproximem mais de seus princípios – mas de ser fiel a esses princípios quando se posicionar, quando decidir compartilhar sua posição ou debate-la com alguém.

Por que é tão difícil um debate civilizado? Por que tanta animosidade? Por que ficamos irritados, raivosos, com os que não pensam como nós? Por que raramente conseguimos ouvir o que pessoas que pensam diferente de nós têm a dizer? Discordar, sobretudo, é uma arte. Assumir uma posição que não é condescendente tipo “ah, perdoai-os pai, eles não sabem o que dizem” nem agressiva “é um bando de idiotas mesmo” “chuuuupa, fulano(a)!”, ou cínica “ah, é tudo a mesma porcaria” mas, sinceramente disposta ao diálogo.

Somos uma democracia novata, mas já saímos das fraldas. A tranqüilidade com que transcorreram as últimas eleições é um feito do qual temos todos de nos orgulhar. Em poucas horas tivemos o resultado das urnas – e o volume de votos era sem precedentes— mais de 135 milhões! Ainda assim, ninguém contestou os resultados.

Mas temos muito, muito mesmo que aprender em termos de confronto de idéias, coerência de princípios, capacidade de escuta e posicionamento. Quando digo “temos” me incluo não apenas por força de expressão, mas porque também acho que preciso de um treino.

Como qualquer outra coisa que se queira fazer bem, dá trabalho. Exige autocrítica, conscientização, empenho e jogo de cintura. Bom... mas se você está planejando fazer um iron, não há de ser tão difícil assim!

domingo, 26 de setembro de 2010

No pain no gain?

Dizem que nós, esportistas, temos uma tolerância maior à dor. Um dia estava pedalando com uns amigos e ouvi o seguinte: “Fui pedalar  lá em Romeiros semana passada. Nooooosssa, como eu sofri! Foi muito bom! Adorei!” Então parece que não apenas toleramos a dor, como, em certa medida, até gostamos dela.

Do que, exatamente, gostamos? Creio que gostamos de controlar a dor, de saber que vamos superá-la, de sermos mais fortes que ela.

Mas o que é a dor? Geralmente é sintoma de algo que não vai bem. Então, em que medida devemos, mesmo, tolerá-la? “A dor é passageira, a derrota é para sempre”. Já ouvi esta frase, atribuída a Lance Armstrong, dezenas de vezes entre os triatletas. Será mesmo? Às vezes a dor não é passageira. É uma lesão mais séria. E aí, você não desiste, cruza linha de chegada com uma lesão que não será passageira coisíssima nenhuma. Vai lhe acompanhar por meses. Talvez, se tivesse desistido, a derrota seria temporária e a dor também!

Muitas vezes não sabemos quando é hora de tolerar e seguir em frente, quando é preciso parar. Com o tempo e a experiência de treinos e provas podemos nos tornar mais hábeis em escutar nosso corpo e classificar as dores em perigosas/não perigosas. Digo “podemos” porque se trata de realmente criar uma sintonia fina e tentar distinguir as nuances. Ou seja, não negligenciar os sintomas e passar por cima todas às vezes até ganhar um repouso forçado ou, pelo contrário, correr pro ortopedista depois de qualquer treino mais forte.

Nessas últimas semanas estou tendo um convívio intenso com a dor. Da minha maior ou menor tolerância à dor dependia minha recuperação e, portanto, meu retorno completo aos treinos. A dor, neste caso, é um sintoma mas, ao contrário da maioria das situações, o aumento da dor, não é um aumento de lesão, mas sim de mobilidade articular. Então tenho agüentado firme. O instinto me mandaria puxar o braço na direção oposta àquela que a fisioterapeuta está empurrando. Expiro e, com lágrimas escorrendo pelo canto do olho, mas sem emitir um gemido, tento colaborar e ampliar ainda mais a extensão do movimento. Fui recompensada. Volto pra piscina daqui uma semana. Menos de dois meses após a cirurgia. A previsão era de três meses. Sem dúvida aumentei meu limiar de tolerância à dor com essa experiência. Não diria que é prazeroso mas, certamente, estou me sentindo mais forte.

E o outro tipo de dor? A dor da tristeza? Será que temos de aumentar nosso limiar de tolerância a esta dor também?

Eu fico com essa dor, ah essa dor, tem de morrer. A dor que nos ensina e a vontade de não ter...

Segundo o mestre Luiz Melodia, essa dor ensina. Aí também, dor é sintoma. Algo que não vai bem. E oh, embora a dor da tristeza possa ter sido provocada pelo outros (por outros, por outra) — como a dor física é provocada por treinos ou traumas, — ela é SUA. Assim como o tendão é seu e ele pode agüentar mais ou menos kms, precisar de mais ou menos alongamento, os sentimentos feridos também são seus e cabe a você aprender o que lhe faz mal, o que lhe faz bem, o que você precisa mudar para se deixar machucar menos.

Não dá pra viver sem se machucar. Isso lá é verdade. Tanto pro esporte quanto pra os departamentos mais sensíveis e subjetivos da vida. Mas quando aumentamos nossa tolerância à dor da tristeza fortalecemo-nos? Ou nos endurecemos? Tornamos-nos pessoas melhores? Ou piores? Precisamos sofrer todas as dores? Não há algumas que poderíamos evitar? Será que há momentos em que, para crescer, para se libertar de algo, ou, fazendo uma analogia com meu ombro, pra ter uma recuperação mais rápida e ser recompesada, precisamos aguentar firmes a dor?

Nesse caso também, a gente precisa de muita estrada, muitos papos com bons amigos e muita reflexão pra encontrar a medida. Pra não tolerar o intolerável, pra não transformar em lesão permanente pequenas coisas que nos incomodam e às quais não damos atenção no cotidiano ou, por outro lado, pra não correr da raia ou logo falar em rompimento à primeira dor que aparece. Pra, de fato, aprender mais sobre si mesmo com a dor.

A vida não é pra principiantes. E, quando se trata dessas dores, nós esportistas, somos como o restante da humanidade: nem melhores, nem piores.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Equipamento em manutenção

Uma das coisas que mais me irrita é quando um elevador, uma esteira ergométrica ou um aparelho de musculação estão com a mensagem acima. Escrita num pedaço de papel ou numa plaquinha de plástico, dá na mesma. Na maioria das vezes é a mais absoluta mentira. Não se avista ninguém nas proximidades com uma caixa de ferramentas, macacão sujo de graxa e muito menos fazendo a manutenção do equipamento. Ninguém tem coragem de escrever a triste realidade: equipamento quebrado.

No meu caso, entretanto, “equipamento em manutenção” é a mais pura verdade. Estou funcionando, mas não a pleno vapor e tem sim, alguém trabalhando no equipamento. Ela não está de macacão, nem suja de graxa — pelo contrário. Está de jaleco branco, bem limpinha, mas leva consigo uma série de ferramentas: faixas de elástico, bolsas de gelo, maquininhas de eletrodos e, principalmente, um par de mãos que escondem sua força e a firmeza atrás de unhas delicadamente pintadas.

Mais uma vez, estou cumprindo uma planilha de sessões de fisioterapia. É quase um treino. Ocupa o lugar do treino. Tem momentos de muita dor. Nunca antes na história de tratamentos fisioterápicos desta atleta que vos escreve eu havia sentido tanta dor.

Mariana, com sua carinha de boneca de porcelana, pega meu braço e vai empurrando, empurrando e empurrando até que eu comece a ver estrelas, planetas, cometas e buracos negros. É para o meu bem, eu sei. Mas dói.

Logo na primeira sessão ela me conta sobre um alemão que bateu o recorde em recuperação rápida e em estoicismo. Segundo reza a lenda, ela praticamente se pendurava no braço do senhor Ingo e ele não mexia nem a sobrancelha.

Acho que ela me contou essa história pra me provocar. Decidi que não vou lhe dar o gostinho de me ver gemer de dor nem uma vezinha.

Assim, meu progresso tem sido rápido. Da primeira para a segunda vez que fui lá a amplitude do meu movimento aumentou muito. No primeiro dia eu só levantava o braço à altura do peito. Na segunda, já esta acima da cabeça!

Não contei pra ela, mas fiquei treinando em casa.
O movimento mais doloroso. (Este não sou eu. Não mudei tanto assim por ter ficado sem treinar)

Como viu que sou firme, cada dia ela força mais o meu limite. Estou adquirindo técnicas para suportar a dor e deixá-la ampliar a movimentação do meu braço o máximo possível. Fecho os olhos, respiro, deixo o corpo entregue e tento levar a minha mente pra bem longe dali, me concentro em outra parte do corpo — a mão direita por exemplo, repito, dentro da minha cabeça “já vai passar, já vai passar, já vai passar”. E passa mesmo.

Estou, claro, de olho na marca a ser superada – a do Ingo. Acho que são 10 sessões.


Lições sobre o ombro

De fato, estou cada dia melhor. Aprendi, neste período, muitos fatos interessantes sobre o ombro e adjacências:

1. O ombro é a parte mais sociável do corpo (a expressão "ombro amigo" confirma minha tese. Todo mundo gosta de por a mão nele. Repare: desde os mais íntimos, que apóiam a mão no seu ombro pra dar o beijinho de “oi”, até os nem tão chegados que dão um tapinha amistoso pra manter uma certa distância ou aqueles mais animados que dão logo um tapão. De qualquer modo, aiiii! Acredite se quiser, nem mesmo com a tipóia as pessoas tomam cuidado.

2. Usamos o ombro para uma série de tarefas que eu nunca tinha imaginado. Afivelar o cinto de segurança e ligar o pisca, abrir a tampa de um pote bem fechado, fechar o zíper da calça e girar a chave na fechadura;

3. Homens sabem vestir e desvestir blusas fechadas de um modo que usa muito menos o ombro. Veja: As mulheres, primeiro, colocam a cabeça e depois os braços, os homens primeiro enfiam os braços nas mangas e, por último, a cabeça. Pra tirar, o movimento é no sentido contrário. Tive de aprender este jeito masculino de vestir e desvestir.

5. O ombro é mais importante do que o travesseiro para uma boa noite de sono. Um ombro meia boca é prejudicial ao seu descanso. Os médicos não te contam quanto é difícil conseguir dormir. Acho que se eles contassem ninguém operaria se tivesse escolha.

Aprendi o suficiente por essas cinco semanas. Está bom. Feliz ou infelizmente, diferente de elevadores e aparelhos de musculação, nosso equipamento não sai da manutenção já pode ser usado como se nada tivesse acontecido. Nossa volta é mais lenta e gradual. Mas já estou em uso, sim.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Não conto

Você procurou por "ironman" no Google? Desculpe, foi engano. Talvez tenha dado uma busca por "triathlon", ou, quem sabe, "treinos"? Lamento informar, mas hoje esses assuntos estão temporariamente fora do ar. Do mar, do chão e das rodas. Fica pra próxima, tá?
Não vou contar nada de triathlon. Nem de treinos. Esquece. Não tem utilidade. É perda de tempo você insistir.  Está achando que vou contar alguma coisa sobre corrida? Relatar alguma prova, dar alguma dica, compartilhar alguma sensação? Errou.
Não conto nada. Me recuso a contar a falta que faz entrar naquele transe de uma corrida longa e lenta, onde cada passo combina com a respiração, como o baixo e a bateria numa balada de soul music.
Não conto nada também da sensação de correr até o coração sair pela boca. Não gosto mesmo.  Detesto correr até o coração sair pela boca. É horrível aquela pulsação tão forte, tão rápida, tão techno. Aquele suor pingando, aquele cansaço. Ninguém vai me convencer a contar nada disso.
Não conto nada sobre correr falando sobre nada com os amigos, e rir. 
Mas o que você pensa que está fazendo? Eu avisei que não iria falar de triathlon. Você está aqui ainda? Não falei de corrida e também não vou contar nada sobre ciclismo. Desista.
Recuso-me a contar sobre a vontade que estou de sentir um ventinho no rosto. Muito menos a discorrer sobre um pelotão desorganizado, que não tem ninguém pra puxar ou aquele que quem puxa não respeita o ritmo e larga os outros pra traz e não avisa os buracos... e que a gente depois passa horas reclamando desse tal pelotão como se fosse a coisa mais séria e importante do mundo. E quem foi que disse  que vou  contar sobre o pelotão mais organizado de todos, comandado pelas mulheres, que revezam, mantém o ritmo proposto, dão dura nos marmanjos e ainda conseguem trocar confidências quando não falta o fôlego? Não conto.
Leu até agora por que? Você é persistente, hein? Natação, nem pensar.
Não tenho nada a declarar sobre a modalidade. Tem cabimento  contar sobre o paradoxo que é treinar sozinha, numa água transparente, quente, sem roupa de borracha, com uma trilha a ser seguida bem ao alcance dos olhos, uma borda para apoiar a cada 25 metros para depois nadar em águas abertas, frias, sem direção exata, levando tapas e pontapés, de roupa de borracha e sem lugar algum pra descansar? Nunca. Jamais vou contar sobre essa insanidade.
Nem tampouco sobre a insanidade que é acordar num domingo às 6 da manhã pra nadar na raia gelada da USP, ou às 5 e descer a serra pra pedalar numa avenida esburacada como a Portuária ou ainda, pegar um avião pra Penha! Sabe onde é Penha? Não conto. Não conto que é em Santa Catarina e que tem meia dúzia de quatro hotéis de meia estrela e que a gente vai pra lá e acha o máximo.
E pra que vou contar que a gente organiza a vida em função de treinos e de provas? E que incluimos no vocabulário palavras estranhas como cateye, volantão, 404, clincher, clipe, endurox R4, accel e bento box? Imagina se vou contar que são equipamentos, alimentos e outras frescurar dos triatletas. Não interessa.

Você ficou maluco? O que há com você?  Acho que tem algum problema. Um problema sério. Você é obsessivo. Não desiste nunca. Vai até o limite. Até o fim. É insano. Será que você é o que estou pensando?

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Quem procura...Procura? Ou a perna faltante.

Será que o Y é manco, como diz minha amiga Thelma? Que costela de Adão que nada. No processo de criação, Deus se distraiu e, num acidente cortou aquela perninha.  Mas é justo nela que deve estar a porção de DNA correspondente à capacidade de procurar as coisas. Ou vai ver que o Y é míope de nascença. Não que não saiba procurar, simplesmente não enxerga.
Exemplo?
1.
XY:  Cadê a tesoura grande?
XX: Está na segunda gaveta da cozinha.
(Barulho de gaveta sendo aberta).
XY: Em que lugar? (estamos falando de UMA GAVETA, não de um armário)
XX: Do lado esquerdo.
XY: Não tá aqui! (Note bem: a frase é "Não está aqui" e não "Não estou encontrando")
E lá vai XX. Abre a gaveta, tira um guardanapo de cima, e lá esta ela, a tesoura. E não é pequena.
XY: Ah, mas você não falou que tinha um guardanapo em cima.
2.
XX: Me faz um favor? Já que vai subir, pega os meus óculos que estão em cima da cama?
XY: Claro!  (os XY são, geralmente, muito atenciosos)
Dez segundos depois...
XY: XXiiiisssss! Não está aqui! (Note bem: a frase é "Não está aqui" e não "Não estou encontrando")
XX sobe as escadas vai até o quarto. Em cima da cama, há um objeto preto, uma caixinha. De óculos. XX pega e olha para XY. XY responde ao olhar, indignado: ah mas você não disse que estava no estojo.

3.
Sábado eu estava com dor no meu ombro operado, deitada no sofá da sala, assistindo a um filme. Roi (meu marido e notório XY) perguntou se eu queria um remédio.
Eu: Sim, por favor! Traga a cartela de comprimidos que está no meu criado-mudo. Tem duas pilhas de livros, está em cima da pilha da esquerda. Não está nas gavetas. (Eu sabia que se estivesse nas  gavetas, o manquinho não iria encontrar nunca).
Quinze segundos depois....
XY: Claaau, não tá aqui! (Note bem, mais uma vez: a fase é "Não está aqui" e não "Não estou encontrando").
Visto a tipóia e subo. Adivinha? Está lá. Na pilha da direita? Não. Dentro da gaveta? Não. Caída, atrás do criado-mudo? Não!!! Na pilha da esquerda? Sim!!! Mas então, está embaixo da pilha? Não!! Entre os livros? Nãããão! Está em cima da pilha, com um pequeno sachê cobrindo metade da cartela.
XY: Ah, mas estava escondido!

***
Além disso, suponho também que esteja na tal perninha faltante a capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo e, certamente, uma porção da memória de curto prazo.

No domingo, nosso filho Martim tinha um jogo de futsal importantíssimo. Ele é goleiro e costuma fazer a diferença. A partida é no fim do mundo, dobrando a esquina.
Vamos todos assistir.
O técnico, ao ver o Martim, respira aliviado. Então faz a pergunta fatal: trouxe o RG?
Martim olha, aflito, pra mim. Eu olho com poucas esperanças para XY, digo, Roi. Ele não tem pra quem olhar. Não trouxe. Não leu o email até o fim, onde estava escrito "Levar o RG". Ele tenta se justificar, mas não há tempo a perder.
XY, digo, Roi: Vou lá buscar.
Eu: Ok. Seja rápido.
Roi: Onde está o RG?
Eu: Dentro da primeira gaveta do meu escritório, ao lado do computador.
Antes que ele pergunte "onde", sugiro: "Porque você não traz a gaveta? Assim não tem perigo de não encontrar!"
E estava falando sério.
Ele sai apressado.
A partida que antecedia o jogo de Martim, termina. Nada de ele chegar.
Os meninos aquecem, o técnico tenta negociar com a arbitragem. Nada feito.
Meu celular toca. É XY.
"Clau, a chave de casa está com você?"


Definitivamente, este não é um post apenas para esportistas. Mas, me pergunto: como é que vocês, triatletas XY conseguem encontrar as coisas nas sacolas de transição ou mesmo lembrar de tudo que precisa estar nelas?

domingo, 29 de agosto de 2010

Minha mãe fez 70

Minha mãe é uma pessoa incrível. Devo a ela metade dos meus genes. Embora dentre estes certamente não haja nenhum desportista, tenho convicção de que uma parcela colaborou decisivamente no processo de fabricação da triatleta que sou. Faço neste post uma homenagem a ela, que é muito mais do que um bom exemplo.

Minha mãe, na torcida, durante o Iron
Ela faz um verdadeiro milagre com o tempo. São tantos talentos, tantas demandas, tantas pessoas na sua vida. E ela dá conta de tudo.
Acorda cedo, bailarina. Inicia seu dia dançando. Não qualquer dança. Balé clássico, de ponta e tudo. E sua e se alonga, com uma flexibilidade que deixa a nós, triatletas, no chinelo. E seu pas de deux com a a professora, saiu da barra e do solo e adentrou vida afora. Como faz com muitas pessoas à sua volta, criou laços firmes e duradouros – as aulas e a amizade já duram anos.
Depois do banho e de um café da manhã frugal, ela encarna a dona de casa. Faz compras para o jantar, dá uma chegada à florista ou uma ida à feira – parênteses para a feira.
Na feira, compra frutas e colhe amigos. Quem não conhece a Dona Lídia? Sempre elegante, mesmo entre as barracas, tem sempre a palavra certa – e o sorriso - pro Orestes, vendedor de limão, pro Osmar, das ameixas ou pra turma dos queijos.
Fecha parênteses da feira. Mas o parênteses da feira, vale para o supermercado e vale para a florista. E vale também pra loja de armarinho,  pra banca de jornais de Ibiúna e pro armazém “por do sol” em Paúba. Todo mundo já ouviu dela uma palavra sábia ou ganhou uma interpretação “de brinde”. Não foram poucas as vezes que vi pessoas a olharem assombradas, com cara de “como é que ela sabe disso? Será que ela é a adivinha?”
De volta pra casa, já deixa organizado o jantar. Então, vai ao computador e escreve os capítulos de um novo livro, organiza a apresentação da próxima palestra ou responde a uma entrevista por email. Enquanto isso, o telefone toca. Uma amiga convida pra jantar, a revista Claudia pede um novo artigo, a Sil, minha irmã,  quer sabe se pode deixar o seu caçula pra ir num congresso. E ela atende a todos e se desdobra pra dizer “sim” ou “talvez” mas nunca deixa na mão, nunca deixa sem resposta.
Bem... para um ser humano normal, já estaria na hora ir dormir, não? Rá. O dia mal começou.
Sobe para se arrumar para o consultório - ela é psicóloga. Todo o dia com o mesmo capricho. Seus pacientes merecem, diz ela. Passa base, pó, lápis, rímel, sombra, baton, enquanto despacha com a sua secretária a agenda da tarde. No meio disso, minha sobrinha adolescente, que atualmente mora com ela, invade o banheiro e despeja sua crise de identidade profissional “Vóó, faço faculdade de relações internacionais ou veterinária???” Ela ouve. Pondera. Tranqüiliza. E então desce ao consultório e vai fazer isso com os casais, famílias e outros afortunados que têm, ainda que seja uma pequena fração, de seu precioso tempo.
Ela sabe ajudar. É mesmo boa nisso. Traduz e organiza as emoções. Quem disse que santo de casa não faz milagres? Faz sim. Às vezes chegamos lá só com os caquinhos, minhas irmãs, meu irmão, eu, meus filhos, minhas tias, meus sobrinhos. Ela ajuda a montar o quebra-cabeça, colar as peças, enquanto vai enxugando nossas lágrimas, adoçando nossos amargores.
Entre uma sessão e outra ela dá uma passadinha na cozinha, supervisionando os detalhes pra um jantar sempre delicioso – seja só para ela e meu pai, seja para ela, meu pai e a torcida do Corinthians! Com suas mãozinhas de fada, vai tratando de transformar alhos, salsinhas e postas de salmão em futuros “óóós”, “hummmmmsss” e ”aass”!
Quando o intervalo no consultório é um pouco maior, ela aproveita para continuar o bordado, tricotar um xale ou apenas retornar alguma ligação.
Já é noite quando sua jornada de terapeuta termina. Está cansada. Mas nunca, nunca, reclama ou fica mal humorada por estar cansada.
Abre parênteses de novo: é tão difícil ouvi-la reclamar. Ela teve um câncer, passou por quimio e radio, fez muitas cirurgias. Teve dores excruciantes. Alguns médicos simplesmente não a levaram a sério. Não podiam acreditar que ela estivesse sendo tão estóica, que conseguisse andar com as dores, que vieram a constatar depois, que ela sofria. Mas ela enfrentou sem se queixar. É uma lutadora. Uma vencedora.
O dia ainda não acabou. Passa na cozinha para os retoques finais no jantar. E os retoques na maquiagem e na roupa, se for necessário, pois afinal, agora é hora de ela se dedicar à pessoa mais importante de sua vida: meu pai.
Depois de 55 anos juntos ela se cuida e cuida deste namoro, como se fosse um recém-nascido. Jamais faz xixi de porta aberta. Não fica NUNCA de creme na cara ou de bobs na frente dele. Assim, invariavelmente, recebe uma dúzia de rosas vermelhas todo o dia 18 - dia em que casaram. Faz por merecer.
E até a hora de dormir, muitas vezes, ainda cabem concertos, leituras ou mais um SOS de filhos e netos.
No final de semana, a rotina muda de endereço, mas não de variedade nem de intensidade.
Poucas pessoas que conheço conseguiriam manter um ritmo desses! Mas ela, que faz setenta, dá conta, esbanjando vitalidade.
É um privilégio tê-la como mãe. É uma sorte poder usufruir da sua sabedoria, compartilhar de sua generosidade.

Obrigada, mãe.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Filosofia de tipóia


Longe de casa
Logo depois de terminar a faculdade e fazer 22 anos, fui para a Europa. Passamos, Duca (meu namorado que veio a ser primeiro marido) e eu, dois meses viajando no inverno europeu e depois nos instalamos em Londres.
A idéia era passar uma temporada de ao menos um ano por lá. Ganhar a chamada experiência de vida, soltar a língua no inglês e sobreviver à base de subempregos com uma ajudinha dos pais pra não passar fome e ainda poder ir a um showzinho de rock de vez em quando.
Ficamos por lá um ano e meio, na década de 80. Não havia celulares nem internet. Pra gente se comunicar com os amigos e familiares era preciso escrever cartas, colocar selos e despachar pelo correio. Ou quando a saudade apertava, fazer uma "collect call". Era um contato muito menor e menos frequente do que seria hoje.
Passados os primeiros meses, depois que já estávamos instalados num pequeno bedsit em West Hampstead, comecei a me dar conta de que estava passando por um processo muito peculiar.
De repente, estava distante de praticamente tudo que compunha minha rotina no Brasil: casa, família, amigos, lugares conhecidos, língua, cultura. O único ponto de conexão com aquela Claudia que vivia em São Paulo era o meu namorado e, ainda assim, nossa relação passou de um namoro a um casamento - também muito diferente do que era.

A essência
Lembro-me de que pensava muito sobre isso: o quanto aquele desenraizamento voluntário e temporário me fazia entrar em contato com a minha essência. O que era eu, o que era hábito, relação com os outros, "influência do meio".
Não consigo recordar com exatidão o grau de profundidade das minhas reflexões. Nem sei se eram mesmo profundas. Mas tenho muito claro na memória a presença desta inquietação. Certamente minhas irmãs, tias, algumas amigas e minha mãe, devem ter cartas em que abordo o assunto. Vou pedir a elas pra dar uma olhada.

Ser ou estar
E o que isso tem a ver com o título deste post?
Simples. Há anos que venho treinando diariamente. Mesmo quando tive  fratura por estresse continuei nadando e fazendo musculação. Hoje completo nove dias absolutamente sem treinar e uma reflexão parecida com essa de Londres começou a me rodear. Estou estranhando minha rotina e, portanto, a pessoa que vive esta rotina.
Tenho dormido muito. Quase o dobro de horas que costumo. Não chutei o pau da barraca com relação à alimentação, mas tenho comido todos os doces que me oferecem. Sonho com treinos e provas. Mas tenho falado menos sobre o tema . Estou estranhando a mim mesma. Não muito. Mas estou.
E então, voltei a me perguntar algo parecido: estar triatleta passou a ser algo tão central na minha vida que passei a ser triatleta? Ou, pelo contrário, me tornei triatleta porque já havia traços (disciplina, obstinação, força de vontade etc) em mim propícios para isso?  E se eu deixar de praticar triathlon temporária ou definitivamente, vou perder minha identidade? Existe algo na minha essência, que relativo ao triathlon? Depende ou independe de eu estar treinando?
Tostines vende mais porque é mais frequinho? Ou é mais fresquinho porque vende mais?
Braço na tipóia, corpo ocioso, cabeça vazia, oficina do do diabo. Deve ser isso. De qualquer modo, vou na padoca amanhã pra viver, de algum modo, um pouco da rotina de treinos. E chega de fazer drama e tipo. Não vai demorar mais do que 15 dias pra eu poder dar uma corrida e pedalar.

sábado, 14 de agosto de 2010

Cirurgia e cuidados

De volta à casa, com o braço na tipóia, teclando só com a mão direita.
Conforme escrevi há uns dias, fiz a tal da artroscopia.

Véspera
Mal tive tempo de me preocupar com esse negócio. Trabalho de uma semana acumulado em três dias, encanamento da pia quebrado, mais um par de problemas bancários e outros tantos domésticos - não sobrou tempo para gerar tensões ou sofrer por antecipação. Ainda bem.
Na quarta à noite recebi telefonema do Alexandre, o anestesista que iria me derrubar pro procedimento. Ele me avisou que o horário da cirurgia mudara e então eu, uau, poderia chegar às 5h45 e não às 5h. Quase que dava tempo de dar uma pedaladinha na USP. Também aproveitou pra me falar do jejum, da água e um pouquinho sobre como seria meu dia seguinte. Quando ele disse que iria me dar um Dormonid no quarto e eu chegaria dormindo ao centro cirúrgico eu, bocuda, disse: olha que eu sou dura na queda! E ele, de bate-pronto "E olha que eu sou bom no que faço!"
Ele também me disse que eu poderia beber água até as 3 da manhã.  "Que programão!", pensei. Mas mesmo assim levei um copo d'água pra dormir ao meu lado no criado-mudo. Obviamente não tomei nem um gole.
Sonhei que eu chegava ao hospital e levava uma dura do anestesista por não ter me hidratado. Ele dizia que iria atrapalhar o procedimento, que as coisas poderiam não sair bem por causa disso. Como numa prova de triathlon.

Internação
Chegamos ao Einstein, minha mãe, meu marido e eu, pontualmente às 5h45. Parecia checkin no aeroporto em véspera de feriado. Levamos mais de uma hora pra chegar ao quarto. Mandei um torpedo ao Alexandre, avisando que já estava na fila de embarque. Imediatamente ele respondeu que monitorava minha internçao e, quando fazia mais de uma hora que estávamos ali, ele ligou avisando que pedira pressa ao hospital. No mesmo instante fomos levados ao quarto pré-operatório.
Não era nenhuma Brastemp. Só uma cama sem travesseiro, meia cadeira e nenhum chuveiro. Se fosse um hotel, eu teria pedido pra trocar de quarto.
Naquela hora me deu um pouco de dor de barriga, confesso. Fui ao banheiro e logo todos chegaram: duas enfermeira e o anestesista. Minha mãe ficou me apressando, como se eu estivesse fazendo a maquiagem ou secando os cabelos. E o pessoal perguntou se eu estava escondida ou querendo fugir.

Aula
Saí do meu esconderijo e conheci Alexandre, o anestesista, que tem o sugestivo sobrenome de Casanova. E não o desmerece.
Quando ele me pergunta como passei a noite, conto meu sonho.
Ganho uma pulseirinha colorida que, no meu caso, lembra a do Iron. Para outros, remete às áreas VIPs, das baladas. Tem algo a ver com alertar as pessoas sobre o (meu) risco de queda.
Ele então nos fez uma completa preleção sobre todos os fundamentos e etapas da anestesia. Foi claro, coerente, detalhista sem ser pedante, de modo que meu leve nervosismo, foi se atenuando. Ao final, quando ele terminou sua explanação e perguntou se eu tinha alguma dúvida, fui direta "tem algum risco de eu morrer?" e ele, foi sincero "tem". Mas aí emendou explicando como eles fazem pra diminuir as chances de problemas graves. Por exemplo, ao me ver e conversar comigo, ele observa que minha boca tem uma boa abertura (vantagem em ser bocuda, já pensou!?) e que, pra me entubar, vai usar tamanho infantil, entre outras coisas.
Prevejo que vou acordar com vontade de café e pão de queijo. Ele aposta que vou ter apenas sede.
Casanova nos deixa com  a enfermagem e sobe ao centro cirúrgico. Pergunto à minha mãe se em algumas das várias cirurgias que ela fez na vida o anestesista teve este mesmo cuidado e atenção com ela. Ela responde balançando a cabeça negativamente. Viva a nova geração de médicos.
Flávia e Nathalie tiram minha pressão, medem os batimentos, que ainda estão surpreendentemente baixos, e ministram o Dormonid.
Sinto o sono se aproximar mas deito na maca sem ajuda. A próxima lembrança é o Gustavo já em trajes de cirurgião e um relógio que marca nove horas. "Nove horas?! Já?!" não sei se falei ou pensei.

De volta
A próxima lembrança é a voz de Casanova me chamando. Já terminou. Acordo lúcida. Apenas o braço dorme. Ao me lado, uma mulher geme sem parar. À minha frente, num balcão, uma mocinha tenta negociar um apartamento pra mim. Percebo que houve alguma confusão e sou a última a ser levada da sala de recuperação.
Roi e minha mãe me aguardam logo na saída. Sorrio pra eles e digo que estou com vontade de um café com pão de queijo.
Meu estado geral é ótimo. A única coisa que incomoda é o braço estar completamente morto.  Torço para que o efeito da anestesia passe mas logo vou me arrepender deste desejo.


No quarto
Não sinto a garganta arranhada, nem sede. Tomo o café e copo dois pães de queijo com gosto.
É hora de levantar para um xixi. Por prudência, toco a campainha da enfermagem pra que alguém me acompanhe na minha primeira incursão à posição vertical.
Para minha surpresa, quem aparece é o William, um belo afrodescendente. Ele se apresenta, pergunta de que preciso. "Acho que você não serve pra me levar pra um xixi. Quem sabe, pra um samba, daqui a alguns dias". Ele sorri e chama outra enfermeira.
Minha mãe vai embora e ficamos Roi, seu notebook e eu. Pergunto se ele comunicou meus amigos que correu tudo bem. Ele diz que sim e que vários responderam e lê pra mim as mensagens.
Descanso um pouco, mas não durmo. Uma mão estranha roça minhas coxas de vez em quando. Levo um susto. É a minha própria, completamente adormecida.
Por volta das quatro da tarde, Gustavo a aparece. Diz que tudo correu bem. O osso foi furado e duas âncoras biodegradáveis foram colocadas, prendendo o labrum e o tendão do bíceps. Poderei competir um meio Iron no fim de novembro? Sim, desde que passeie na natação.
Pergunto se posso fazer algo pra acelerar a passagem do efeito da anestesia: tomar mais água, dar uma corridinha. Nada. Vou me arrepender disso muito em breve.
Roi vai embora, Gustavo vai embora. Fico só com Jane Austen. Uso a minha própria mão esquerda pra manter as páginas do livro abertas. É muito esquisito sentir o peso morto do braço.
As enfermeiras vem me medicar. O telefone toca, peço a uma delas que atenda. Ela atende. A pessoa no outro lado da linha pergunta algo. Ela se volta pra mim meio sem jeito e pergunta: "você é a ombreta?" Caio na gargalhada. É a engraçadinha da Thelma.

Amigas
Por volta das 18h30 as amigas chegam. Gra, Thelma e Julinha. Ganho presentes e conforto no coração.
Conversamos, damos risadas. Gesticulo em dobro com o braço direito, já que o esquerdo está imóvel.
A mocinha da copa traz um chá, pergunto a ela se não pode nos trazer um vinho para receber minhas amigas. Afinal estou tomando tantas drogas... Que mal poderia haver em tomar uma tacinha?
Lá pelas 20h, meus dedos começam a dar sinais de vida. Consigo comandá-los, mas não senti-los. É como se o impulso nervoso fosse do cérebro para os dedos mas não fazem o caminho reverso. Output sem input.
Gra vai embora. Sugiro que Thelma e Juju desçam para jantar. Fico na companhia do Nadal e de uma Nha Benta que desaparece em poucos segundos. "Onde está a Nha Benta que estava aqui?" Sumiu. Só fiquei com o Nadal. E com o Leandro, colega de treino, que liga pra desejar uma pronta recuperação.
Elas voltam, Juju vai embora.
Thelma me ajuda a vestir o pijama. É uma delicada operação.
Ficamos conversando. De nada adiantaria dormir antes já que à meia noite preciso tomar uma medicação intravenosa.
Casanova telefona. Brinco com ele: "Você é bom mesmo no que faz, hein?" Cada uma das etapas da anestesia que ele profetizou, se cumprem.


Noite 
A enfermeira não consegue fazer o soro gotejar. Faz tanta pressão que acaba espirrando soro pra todo lado. De tanto eu gesticular, o acesso dentro da veia ficou dobrado. E ela precisa desdobrar. É aflitivo.
O bloqueio no plexo braquial - nome técnico da anestesia local, passou completamente e, assim,  recupero minha mão mas, em troca, ganho uma bela dor no ombro. É idêntica à dor de antes da cirurgia, só que elevada à décima potência.
Não acho posição pra dormir. Não durmo. Às cinco a dor é muito forte. Reluto em chamar a enfermagem, porque vou acordar a Thelma. Espero 40 minutos e então chamo.
Sou medicada, começo a melhorar. No quarto escuro, recomeçamos a conversa interrompida à meia-noite. Conversas no escuro me lembram infância. Irmãs, amigas. Confissões, segredos e risadas, com os olhos perdidos na penumbra. É reconfortante.
Vemos o dia amanhecer.

Dor e café da manhã
Depois do tylex, meu humor melhora e esqueço um pouco a dor. Mas preciso ficar com o braço o mais imóvel possível .
Finalmente meu café da manhã chega e, com ele, Richard, amigo e companheiro de trabalho. Ele corta o pão, passa a manteiga, pica o mamão. Brinco, dizendo que é bom se acostumar pois, provavelmente, ele vai cuidar das minhas refeições durante a semana. Ele se vai, com a promessa de me mandar umas lajotinhas da Kopenhagen. Hummmm. Acho que vou virar uma bola nas próximas semanas.
Chamo a enfermagem para me auxiliarem no banho. De novo é o William que se apresenta e, de novo, digo a ele que prefiro a companhia dele pra um programa dançante.
Jucineide e Josicleide não são gêmeas nem tampouco uma dupla caipira. São as enfermeiras que vem me ajudar com o banho.
Tirar a roupa é muito ruim. Depois de colocar o braço numa tipóia de plástico, tomo um banho quase normal. Preciso só de uma mão extra pra despejar o xampu na palma da outra mão. Enxugar o corpo é uma operação feita em equipe, com todo o cuidado. Vestir é doloroso.
Minha irmã Thelma seca meus cabelos.

Alta
Meu pai chega para me pegar.
Casanova e Gustavo aparecem pra me dar alta e fazer todas as recomendações. Julinha chega com os três pequenos que logo se encarregam de quebrar a máquina de doces e tranqueiras colocando quarters nela.
Depois de quase uma hora de espera na garagem do hospital {perderam o carro!}, vamos embora.

Tenho dor mas me sinto cuidada, querida, acolhida. O coração está quentinho. Daqui a pouco, a dor passa, os pontos caem, a vida volta ao normal. E o que vou lembrar disso será da visita das amigas e do amigo, dos torpedos e telefonemas carinhosos e das conversas com minha amiga irmã,  noite adentro e noite afora.


quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A travessura da Ana

Pelos mares da web
Esses mares da web são muito curiosos. Navegando nas águas da internet acabei encontrando uma pessoa, um blog e um livro que atravessaram meu canal do Facebook.O real nos leva ao virtual e o virtual nos leva ao real. Explico.
Ano passado, zapeando, parei num canal onde uma moça muito simpática estava sendo entrevistada. O tema da entrevista era o livro que ela estava lançando sobre a sua façanha: a travessia do Canal da Mancha.  Não lembro quem entrevistava mas guardei bem o nome do livro e, na primeira oportunidade, tentei comprá-lo. Não consegui. Acabei esquecendo do assunto.

Do Facebook ao bloquinho
Pois bem. Semana passada meu amigo Daniel Blois - que, por sinal, também conheci aqui no universo paralelo e que agora faz parte do meu círculo de amigos reais - postou algo no seu Facebook.  Fiz um comentário, meio dando um puxão de orelha nele e, algum tempo depois, vi que alguém havia comentado algo fazendo uma referência ao meu comentário.  Gostei do que ela escreveu. Para saber mais sobre alguém que tinha uma opinião parecida com a minha, num assunto controverso, entrei na sua página do FB. Lá, achei um link para seu blog, que tem o curioso nome de "Bloquinho da Ana Mesquita".  Entrei. E fui pega de surpresa por um belíssimo texto sobre a ordem das coisas. Navegando mais um pouco, o que descubro? Que ela é a moça que fez a travessia do Canal da Mancha!
Escrevi um comentário e pedi para ela me dizer como conseguir o livro. Ela respondeu de bate-pronto e ainda entrou neste blog e fez um comentário sobre o livro do Agassi.

O livro
Comprei o livro no dia seguinte, comecei a ler e enquanto não completamos a travessura - ela e eu - não consegui parar de ler. Sim, porque, felizmente, não é um livro sobre técnicas de natação, planilhas de treino prontas para você se preparar para grandes travessias e nem tampouco uma descrição detalhada sobre a alimentação. É uma narrativa que, delicadamente, vai lhe colocando sob a pele da autora.
Vamos com ela na sua jornada, conhecendo sua história e os personagens que ela tão carinhosamente descreve e vivendo o dia da travessia. Ao longo do caminho, ela aproveita pra compartilhar suas posições sobre os assuntos mais diversos: esporte, humor,"coisas que a gente não gosta". Nos provoca e faz pensar. Em alguns momentos tive vontade de escrever comentários, como se fosse um blog, para dialogar com ela.
Quanto mais sua história avança, quanto mais perto da França chegamos, mais profundamente mergulhamos no mar desta história. Sentimos frio, um pouco de medo, cansaço e, claro, alegria.
Em muitos momentos me identifiquei tanto com sua jornada, quanto com suas idéias. Há muitas coisas em comum entre se preparar para um Iron e para uma travessia deste porte: a dedicação, o volume de treinos, a obstinação, a disciplina, a crença em si mesmo, o sacrifício da vida familiar e social, a incompreensão do resto do mundo...e, principalmente, o grande prazer de passar por este processo todo.
Como Ana e muitos de seus mestres, acredito também que essas experiências servem, sobretudo, para nos tornarmos pessoas melhores.

Na padoca
Virei fã de carteirinha, adicionei-a no Facebook e, claro, pedi que ela escrevesse uma dedicatória no meu livro. Ela topou encontrar com a gente na padoca, neste sábado, depois do treino, umas 10 horas. Estou me sentindo honradíssima, mas como não sou egoísta, estendo o convite aos meus queridos amigos, leitores deste blog. Quem não souber onde é  a padoca, me escreva no clauarat@gmail.com , que eu passo as coordenadas. Caso alguém queira comprar, ela vai levar alguns livros. Mas, se você não puder ir, encomende o livro na Livraria da Vila.
Não deixe de viver esta travessura.