terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Grazielli e os Ironmen

Perda insuportável
Nenhum acontecimento me toca mais do que a morte de uma criança.  Mesmo se for ficção, imaginar a dor dos pais, me deixa atordoada. Não consigo. É intolerável.  Evito pensar. Mesmo porque, de que adiantaria? Viver pensando que os filhos podem nos ser arrancados de uma hora pra outra, que a vida é um fio muito tênue e que somos governados pelo acaso, não serve pra nada. Só pra aumentar a angústia. Não há o que se possa fazer. Nem rezar posso, já que não creio.

Então, quando uma morte como esta, da menininha em Bertioga, invade os noticiários, imediatamente me coloco no lugar dessa mãe e fico apavorada.  Não, não existe nada pior. Sinto vontade de pegar meus quatro filhos, coloca-los debaixo das minhas asas e não deixa-los fazer nada sem que meus olhos atentos, meus braços fortes, minhas pernas rápidas estejam lá para evitar que qualquer mal lhes atinja.  Impossível. Ainda que eu estivesse onipresente, jamais conseguiria evitar acidentes estúpidos e fatais como este, de um jet ski indomado por um menino de 14 anos, chegar até a areia e atingir minha criança. (Tenho certeza de que se esta mãe tivesse consciência do que iria acontecer, ainda que por uma fração de segundo, teria se jogado na frente da filha. Não houve esse tempo.)
Desejos e limites
Mesmo com todos os sentimentos irracionais que uma tragédia dessas provoca, há algo que não pode passar batido. E me inspiro num post da minha amiga Luciana Gerbovic, que dizia:
Em vários condomínios classificados como "de luxo" eu vejo uma placa: "proibido menores ao volante". Não entendo. Não é óbvio, se em todo o território nacional menores não podem dirigir? Não, não é óbvio. Não é óbvio porque em muitos desses lugares o dinheiro é a lei. Se o pai tem dinheiro, o menor pode dirigir carro, moto, triciclo, jet ski...

Este menino de 14 anos fez o que todas as crianças e adolescentes fazem: pediu aos seus pais algo que queria. Sim, faz parte do script de crianças e adolescentes ter desejos e expressá-los. É absolutamente legítimo. E, eu diria mais: é saudável. Contudo, não é obrigação dos pais atender a todos os desejos de seus filhos. Para isso – entre outras coisas – servem os pais. Atender tudo que for necessário,  dizer “sim” ao que for possível e limitar o que for inadequado, perigoso, pouco saudável ou simplesmente o que não for prioritário no momento - ter recursos disponíveis significa que você pode atender ao desejo, mas não que você deva. Isso, claro, dá trabalho. Principalmente se você quiser educar filhos autônomos, terá de explicar cada um de seus “nãos” e ter bons argumentos.  E, com certeza, seu IBOPE com os pequenos vai cair: “você é uma chata!”, “isso não é justo! A mãe do Pedrinho deixa ele jogar Call of Duty a noite inteira, por que só a gente não pode?” e por aí vai. (De vez em quando, como diz minha mãe, temos direito a um “porque não”.  Mas não é bom abusar.) Então, como não é todo mundo que aguenta ficar mal na fita, temos muitas crianças e jovens por aí, sem a menor tolerância à frustração, sem a menor capacidade de compreender que seu desejo não é uma ordem, sem noção do que é essencial, do que é superfluo, do que é luxo ou do que é privilégio.

Neste ponto, discordo um pouco da Lu, pois isso não é prerrogativa das classes abastadas. Os "menos favorecidos" também tem tido imensas dificuldades em dizer não aos seus rebentos. Uma cena inesquecível do documentário "criança, alma do negócio" é uma adolescente mostrando no quintal minúsculo, de sua casa de periferia também minúscula, espremido entre o tanque e o varal, um jet ski.

Se a mãe não consegue dizer não ao seu filho que quer tomar coca-cola e comer batata frita todo o dia isso é um crime contra seu próprio fiho, mas não contra os filhos dos outros. Provavelmente ela, mãe, vai acabar pagando por isso. A criança, infelizmente, também.  Mas não outras crianças.

O limite e as faltas
Mas o caso deste menino de Bertioga e nesses casos que minha amiga Luciana citou, a situação extrapola o âmbito familiar. Quando um pai ou uma mãe consentem que seu filho menor de idade dirija um veículo motorizado, estamos falando de faltas bastante graves: infração explícita da lei, risco para a criança que dirige e risco para as demais pessoas.

 E aí, voltando a concordar com minha amiga, acredito que alguns mais abastados, se consideram privilegiados, isolam-se ao máximo dos problemas causados pela desigualdade e hoje creem que vivem num mundo à parte.  Ora, ora então porque não ter leis próprias? Vamos deixar nossos filhos que são mais espertos, educados e ricos que os outros, agirem como se a lei não fosse para eles.

Então, por favor, não sejamos hipócritas. Não nos supreendamos com a corrupção, com o favorecimento, com o nepotismo que assola este país. Isso não é privilégio da classe política e isso tem, sim, a ver com a forma como educamos nossos filhos.

E eu com isso?
Não se trata de dar uma de franciscano e ir morar em bairros populares ou colocar os filhos para estudar em escolas públicas.  Nem deixar de frequentar (argh) shoppings.  Trata-se, em primeiro lugar, de não agir como quem está acima da lei – seja com os filhos, seja diante deles. Trata-se também, de educar filhos que não se achem melhores que outros, merecedores de tratamento diferenciado, pequenos tiranos que desprezarão e desrespeitarão os que não fazem parte de seu círculo.

O poder judiciário, a educação escolar, os políticos têm sim, uma grande parcela de responsabilidade nas mudanças que precisam ocorrer pra termos um país mais justo e menos corrupto.  Entretanto,  nós, pais da nova geração que vai comandar esse país – pais das crianças que estão no Santa Cruz, no Vera Cruz, Lourenço Castanho, Dante, Bandeirantes etc, temos de lembrar que podemos fazer a nossa parte, educando pessoas que pensem mais no bem comum. E sim, muitos triatletas estão neste seleto grupo.

E o Ironman com isso?
O que pode fazer de um ironman uma pessoa bacana (mas não melhor ou pior do que ninguém) é sua capacidade de tolerar frustrações, sua persistência, esforço, abnegação.  Cruzar a linha de chegada, jogando limpo, seja em 8h ou em 17 horas, é um ótimo exemplo de que medalhas têm de ser merecidas, títulos precisam ser conquistados. E que isso, além de ser mais justo e digno é, também, mais prazeroso.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Identidade, diversidade, fraternidade

Londres
Quando tinha meus vinte e poucos anos, terminei a faculdade e fui pra Europa. Duca, meu ex-marido, namorado à época, e eu, viajamos um pouquinho e depois nos instalamos em Londres, pra uma temporada que veio a ser de um ano e meio. Morávamos no que lá se chama bedsit e aqui seria equivalente a uma quitinete. Só que em vez de ser num prédio de apartamentos, era numa casa de dois andares. Minha vida, ao longo dos meses que passei ali, foi muito diferente da que eu tinha vivido até então. E, lembre-se, isso foi na década de 80. Não existiam celulares, smartphones, PCs, lanhouses, Ipads, skypes, emails... nada desses aparatos que nos mantém em comunicação o tempo todo. Para falar com família eu descia até o térreo onde ficava um telefone público/particular e fazia uma colect call pro Brasil. Com os amigos, cartas.  Mas, embora eu escrevesse bastante, nem todos respondiam. E demoraaaaava pra chegar resposta. Muitas, nem chegavam. Nem todo mundo tinha o hábito de se corresponder. A sensação de distância e isolamento era forte. 
Fizemos novos amigos, estudamos inglês, passeamos em Camdem Town, fomos a shows do Cure, Smiths, Cult, Waterboys, It’s Imaterial, bebemos em pubs, lemos a NME e a Melody Maker, apostamos em corridas de cachorro, andamos ao longo do Tamisa, fizemos faxina, comemos chinese take away e fish’n’chips, compramos no Sainsbury, decoramos as cores das linhas do “tube”, visitamos os Kew Gardens, fiz babysitting, saímos pra dançar, brigamos bastante também. 
Foi uma experiência que fez diferença na minha formação pessoal. Tudo que vivi foi importante. Mas, talvez, o que tenha sido o mais interessante foram as reflexões acerca da minha própria identidade (o bom e velho “quem sou eu?” issue). Percebia que, em estando fora do meu habitat natural: casa dos pais, SP, amigos da faculdade e outros, família, carrinho, meus discos, meus livros, meus filmes e tudo mais, me obrigava a entrar em contato com a minha essência. Sou o que faço ou sou o que sou? Sou formada pelo meio em que vivo ou tenho um âmago, um cerne, um eu interior que permanece o mesmo, independente das circunstâncias? 


Identidade
Longe de querer esgotar essas questões, e sem querer me alongar na história sobre minha temporada londrina, o que isso tem a ver com triathlon e com o momento atual? Tudo. Assim como naqueles idos da década de 80, nos últimos tempos, estas questões existenciais voltaram. Repaginadas, mas voltaram. Estou (assim espero, oxalá, knainóri) terminando um período de afastamento quase total dos treinos. De outubro até agora, praticamente não treinei. Deixei de ser triatleta? Sou triatleta ou estou triatleta? Deixei de ser atleta? Deixei, em alguma medida, de ser “Claudia”?  Quão triatleta eu sou, e quanto o fato de ser triatleta compõe minha identidade? 
Na adolescência, quando a questão da identidade começa a aparecer, é comum os jovens formarem turmas que se vestem com um tipo de roupa, ouvem um tipo de música e repetem jargões.  “Meus iguais me compreendem, são como eu, me identifico com eles, portanto, não estou só”. Isso, segundo minha mãe psicóloga,  é uma maneira de suportar a idéia da solidão que descobrimos ao deixarmos de ser criança e nos deparamos com um mundo interior, só nosso, impossível de compartilhar integralmente com quem quer que seja. Ninguém, nem mesmo o mais amoroso dos companheiros, pode participar nem compreender inteiramente este universo. 
Desde os idos de 2007, aos poucos, passei a integrar a tribo dos triatletas. Sim, tribo. Têm seus rituais, linguagem, modos de vestir e viver. Como um grupo de “emos” ou “góticos”. Por um lado, pode ser bem divertido a essas alturas da vida, fazer parte de uma turma com a qual tenho tantas afinidades.  Por outro, não temos mais ilusões com relação a uma identificação absoluta.  E isso também é uma questão sobre a qual tenho pensado. Qual meu grau de identificação, afinidade e profundidade nas relações com as pessoas do triathlon? Se eu por (des)ventura ou por opção deixar de ser triatleta continuarei próxima delas?


Diversidade
Bem, chega de tantas perguntas. Vamos a algumas conclusões. O fato de estar passando um tempo sem treinar muito e de não ter objetivos a vista me fez perceber que sim, o triatlon e o estilo de vida decorrente dele fazem parte da minha vida mas, apenas uma parte de mim é triatleta. Tenho muitas outras facetas que são tão importantes e que tem tanto ou mais peso quanto essa: sou mãe, esposa, mulher, festeira, amiga, blogueira, educadora, corintiana, leitora, filha... E, indo um pouco mais longe, o que está no âmago da minha relação com o triathlon é o prazer em fazer uma atividade física, em superar limites, em fazer algo bem feito e ter convívio social. Se eu não puder fazer triatlon, nem correr, nem pedalar, nem nadar, então vou jogar badminton, ou tênis, ou praticar SUP, ou dançar ou alguma coisa que faça suar e sentir bem!


Fraternidade
Quanto aos amigos, claro está que há pessoas que vieram pra ficar e o triatlon foi apenas a porta de entrada. Encontramos-nos e falamos sim, de treinos e provas, mas a conversa vai muito mais longe: já até brincamos de Imagem e Ação e não conversamos um “A” sobre nossos esportes! Descobri que são pessoas com quem posso contar não só quando estou “na ponta dos cascos”, mas, principalmente, na hora do aperto, quando estou manquitola, com a “patinha quebrada”. Lógico que há também relacionamentos superficiais, que não sobreviveriam caso eu deixasse de treinar mas, isso não é exclusividade do triathlon, é?  
Nos últimos cinco meses minha rotina mudou. Não dormi tão cedo, abri mão de treinar por motivos banais, não segui planilha, não fiz relatórios dos meus poucos treinos, não escrevi no blog, não deixei de beber tacinhas de vinho quando tive vontade e até saí um dia pra dançar. E os bons amigos estiveram por perto.  


Percebi que  treinar pro Iron faz com que o lado triatleta seja preponderante sobre os outros e que não dá mesmo – pra mim, pelo menos – pra ficar o tempo todo com ela – Claudia triatleta – mandando em tudo. È necessário dar uma folguinha – não só pro corpo, mas pras outras Claudias que me habitam poderem se exercitar.     

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Destreinada


Eis que resolvi ressuscitar este blog. Depois de meses de dormência, por motivos de força menor, vamos voltar a escrever.  

Nossa. Tanto tempo sem escrever, acho que perdi a mão. Não encontro o assunto certo. Quando parece certo, o tom soa errado.
Primeiro ia me justificar. Desfiar um rosário de atribulações, para que você, caro leitor, me perdoasse a ausência. Entretanto, não tem desculpa, não tem perdão. Tampouco tem importância.  Foi uma escolha. Escolhi silenciar um pouco e usar o tempo do blog em outros afazeres. Filhos, muitas leituras, amigos... prioridades outras. Em suma: não há uma justificativa.
Pensei também em escrever sobre envelhecimento. Fiz aniversário há pouco e isso faz a gente pensar na vida, nas metas, no passar do tempo, nos ganhos, nas perdas. Assustei. O tema era duro. Doloroso. Rugas, cabelos brancos, menopausa chegando, a impressão de que o sol já não está mais em seu zênite, de que o jogo já está no 2º tempo. Muito deprê. Claro, iria comentar sobre como a idade também dá perspectiva, como a chegada da maturidade nos deixa mais atento às nossas próprias armadilhas e, sobre como a gente pode perceber que está se tornando um ser humano melhor; passamos a ser mais tolerantes com outros e menos exigentes para com gente mesmo. Também ia falar sobre o papel do esporte nesta fase da vida: como nos ajuda a sofrer menos e até a envelhecer melhor, e mais devagar. Desisti.
Então pensei em contar sobre minha falta de rotina de treinos e o esforço que tenho feito para não me desorganizar, nem parar de vez. Mas aí teria de contar que estou lesionada desde outubro e explicar que é uma tendinite de isquiotibiais, dar todo o longo histórico, entrar em detalhes ortopédicos e fisioterapeuticos e aí, bah, que chaaaato. “Pô, essa mulher só fala de lesão e falta de treinos!” dirá meu leitor. Desencanei disso também.
Por que não fazer um relato sobre a maratona de Buenos Aires? Afinal, foi minha primeira maratona (as do Iron não contam, são testes de sobrevivência, como diz meu amigo Portelinha). E foi ótima. Um trajeto bonito, plano, prova bem organizada, sem muvuca. Tudo de bom. Mas... foi há quatro meses! Não vou conseguir lembrar os detalhes, não vou conseguir narrar com emoção. Já esfriou.
Um dos momentos-pérola
Minhas férias! Um clássico das redações escolares. Queria emoldurar os muitos momentos “top ten” que vivemos. Mas foram muito mais que dez. E ainda que todos tivessem sido fotografados, ainda assim, as fotos, emolduradas, não iram conseguir trazer todas as emoções e sensações dos dias que passamos juntos. Não fomos pra Disney. Nem pro Japão. Nem pra Europa, França e Bahia. Sequer fomos pra um lugar novo. Nosso destino foi a velha conhecida praia de Paúba, onde passamos já tantas outras férias e finais de semana. Não sei o que foi diferente, que fez tudo ser tão intensamente bom. Gostaria de colecionar os momentos pérolas, diamantes, ouro puro, que vivemos juntos. Sem compromisso com a cronologia, sem ordem de importância. mas o que isso tem a ver com triathlon? Como isso poderia interessar aos leitores?
Então resolvi partir pra outro estilo. Humor. Comecei a imaginar uma publicação sobre triathlon que não fosse séria, que parodiasse as revistas femininas, as de fofoca ou as de carro. Uma revista sincera, com matérias do tipo:
“Muito além do Garmin – as funções que você nunca usou e porque elas não servem para nada mesmo” ou
 “Colucci revela: jamais pensei que iria gostar de me depilar com cera quente”.
“As dez provas mais sofridas de Ironman: escolha a sua!”
E outras bobagens do gênero. Mas fiquei insegura. Não achei as tiradas muito boas e não deu muita vontade de continuar. Fiquei pelo caminho.
Talvez eu esteja destreinada. Talvez seja besteira voltar a blogar. Não posso dizer que não tenha tentado. Não posso dizer que não falei das flores.