segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Improvisos

O dente quebrou com a ÚNICA comida doce que estou ingerindo: aquele arrozinho japonês caramelado, que vem em forma de retângulo ou quadrado. É uma beleza, tem um montão de carboidratos. Mas tome cuidado, pode espatifar seu dente. Claro que foi no sábado à tarde. Quem acha o dentista uma hora dessas?
Domingo cedo, levanto animada para pedalar em Romeiros. No pedágio, o carro faz um barulho estranho e falece. Completamente. São 7h30 da manhã e vejo meu treino ir pro espaço. Droga. Porque já não fiz os 100 k ontem, na USP? Outro dia conversava com uma amiga sobre nossa capacidade de lidar com o imprevisto.  Tudo bem, planejar é ótimo e ajuda muito, mas às vezes o imprevisível acontece... São mais felizes as pessoas que conseguem tolerar a frustração de ver seus lindos planos irem por água (buracos, carros pifados) abaixo e tentam rapidamente achar uma saída, do que aquelas que ficam culpando os deuses (os buracos, os outros) por seus infortúnios e não conseguem minimizar os danos, mudando de planos. Mais felizes também do que aquelas que simplesmente desistem. Abrem mão.  Tenho me esforçado muito pra aguentar o tranco do imponderável, pra refazer os planos e não ficar me queixando da falta de sorte. Quem treina sempre tem oportunidade para isso. A chuva, o pneu furado, o filho que fica doentinho...
Continuando. Sou guinchada até a porta da oficina. No caminho vou matutando "será que ainda dá pra salvar o dia?" Lembro que a minha amiga X mora pertinho da oficina. É amiga mesmo. Daquelas que dá pra ligar e dizer "socorro!".
É óbvio que domingo de manhã a oficina está fechada. Mas tem um estacionamento ao lado. Não vejo ninguém, mas o porteiro do prédio em frente me encoraja a tocar a campainha, diz que "ele tá aí, sim, pode tocar". Toco.      
Toco.
Toco toco toco.
Toooooooooooooooooooooo co.
Toooo cooooooo.
To to to to cooooooo.
O motorista do guincho vai até a porta, onde tem um vidro quebrado, enfia a boca dentro e grita "Oi!". Uma cara amassada e mal humorada aparece na janela de cima: "Porra! O que vocês querem? É domingo de manhã!! Tem criança dormindo!" Peço mil desculpas e, quase chorando, explico que não tenho pra onde levar o carro que morreu no meio da estrada, que se ele não me salvar abrindo o estacionamento pra mim, eu vou ter de levar o carro pra casa e daí pagar outro guincho e eu tenho quatro filhos e já vou ter de gastar a maior grana no carro e eu acabei de fazer o motor e ainda nem terminei pagar. O cara amolece.
O guincho desce o carro. Eu começo a tirar as coisas: magrela, capacete, cadeirinha de criança, conversando com o ex-mal humorado, que me ajuda, faz perguntas sobre a bike. Uma criança observa da janela. Aceno. O dono do estacionamento já é meu amigo de infância. Nem preciso deixar pago. "Depois a gente acerta".
X chega pra me pegar. Pergunto: vamos pra USP? Ela topa. Nem tudo está perdido. Consigo meu treino, debaixo de um sol escaldante. 35 graus. 90 km de um pedal duro. Tem vento. Faço uma média sofrível, sofrendo. Mas faço. Na corridinha pra soltar até que vou bem.
Depois é só alegria. E eu que pensei que o treino tinha ido pro espaço. Quem tem amigos, tem tudo.
Esta semana vou ter de tirar tempo da cartola. (Será que não dá pra gente ter os dias como este último sábado, com 25 horas? Não resolveria, mas já ajudava).
Estou a pé. Hoje fui correndo até a academia, levando óculos e touca no bolso. E X me salvou de novo, deixando uma troca de roupas pra mim na academia.
Amanhã tem pedal na madrugada. Ainda não sei como vou chegar na USP. Vou ter de cavar um tempo pra ir ao dentista arrumar o dente quebrado (ainda bem que não é na frente). Mais um tempo pra fisioterapia (tou com uma "ombrite"). Dar um jeito de levar e buscar os kids na escola (amanhã já está equacionado, mas quarta ainda não). E continuar a cuidar das outra 450 coisas que fazem parte da rotina. O planejamento vai ter de ser feito dia a dia, com muito espaço para improviso, com ajuda da família e dos amigos.
Pra vida não tem treino, pra vida não tem ensaio. A gente pode se antecipar, mas o improvável pega a gente na curva. Resta saber o que fazemos com ele.

2 comentários:

  1. Na prova acontece a mesma coisa! Não tem saída, nem amiga, nem "jeitinho"! De duas uma: treine muito ou entenda o processo, o que parece que já está bem claro para você!
    Afinal, variáveis incontroláveis variam incontrolavelmente!
    Beijos, força, MAA

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  2. Claudia,
    Tomei a liberdade de adicionar o seu blog, pois relatos como o seu é que fazem não esmorecermos quando, TUDO, dá errado e surge aquela vontade de ir para casa.
    Bons Treinos

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