domingo, 29 de agosto de 2010

Minha mãe fez 70

Minha mãe é uma pessoa incrível. Devo a ela metade dos meus genes. Embora dentre estes certamente não haja nenhum desportista, tenho convicção de que uma parcela colaborou decisivamente no processo de fabricação da triatleta que sou. Faço neste post uma homenagem a ela, que é muito mais do que um bom exemplo.

Minha mãe, na torcida, durante o Iron
Ela faz um verdadeiro milagre com o tempo. São tantos talentos, tantas demandas, tantas pessoas na sua vida. E ela dá conta de tudo.
Acorda cedo, bailarina. Inicia seu dia dançando. Não qualquer dança. Balé clássico, de ponta e tudo. E sua e se alonga, com uma flexibilidade que deixa a nós, triatletas, no chinelo. E seu pas de deux com a a professora, saiu da barra e do solo e adentrou vida afora. Como faz com muitas pessoas à sua volta, criou laços firmes e duradouros – as aulas e a amizade já duram anos.
Depois do banho e de um café da manhã frugal, ela encarna a dona de casa. Faz compras para o jantar, dá uma chegada à florista ou uma ida à feira – parênteses para a feira.
Na feira, compra frutas e colhe amigos. Quem não conhece a Dona Lídia? Sempre elegante, mesmo entre as barracas, tem sempre a palavra certa – e o sorriso - pro Orestes, vendedor de limão, pro Osmar, das ameixas ou pra turma dos queijos.
Fecha parênteses da feira. Mas o parênteses da feira, vale para o supermercado e vale para a florista. E vale também pra loja de armarinho,  pra banca de jornais de Ibiúna e pro armazém “por do sol” em Paúba. Todo mundo já ouviu dela uma palavra sábia ou ganhou uma interpretação “de brinde”. Não foram poucas as vezes que vi pessoas a olharem assombradas, com cara de “como é que ela sabe disso? Será que ela é a adivinha?”
De volta pra casa, já deixa organizado o jantar. Então, vai ao computador e escreve os capítulos de um novo livro, organiza a apresentação da próxima palestra ou responde a uma entrevista por email. Enquanto isso, o telefone toca. Uma amiga convida pra jantar, a revista Claudia pede um novo artigo, a Sil, minha irmã,  quer sabe se pode deixar o seu caçula pra ir num congresso. E ela atende a todos e se desdobra pra dizer “sim” ou “talvez” mas nunca deixa na mão, nunca deixa sem resposta.
Bem... para um ser humano normal, já estaria na hora ir dormir, não? Rá. O dia mal começou.
Sobe para se arrumar para o consultório - ela é psicóloga. Todo o dia com o mesmo capricho. Seus pacientes merecem, diz ela. Passa base, pó, lápis, rímel, sombra, baton, enquanto despacha com a sua secretária a agenda da tarde. No meio disso, minha sobrinha adolescente, que atualmente mora com ela, invade o banheiro e despeja sua crise de identidade profissional “Vóó, faço faculdade de relações internacionais ou veterinária???” Ela ouve. Pondera. Tranqüiliza. E então desce ao consultório e vai fazer isso com os casais, famílias e outros afortunados que têm, ainda que seja uma pequena fração, de seu precioso tempo.
Ela sabe ajudar. É mesmo boa nisso. Traduz e organiza as emoções. Quem disse que santo de casa não faz milagres? Faz sim. Às vezes chegamos lá só com os caquinhos, minhas irmãs, meu irmão, eu, meus filhos, minhas tias, meus sobrinhos. Ela ajuda a montar o quebra-cabeça, colar as peças, enquanto vai enxugando nossas lágrimas, adoçando nossos amargores.
Entre uma sessão e outra ela dá uma passadinha na cozinha, supervisionando os detalhes pra um jantar sempre delicioso – seja só para ela e meu pai, seja para ela, meu pai e a torcida do Corinthians! Com suas mãozinhas de fada, vai tratando de transformar alhos, salsinhas e postas de salmão em futuros “óóós”, “hummmmmsss” e ”aass”!
Quando o intervalo no consultório é um pouco maior, ela aproveita para continuar o bordado, tricotar um xale ou apenas retornar alguma ligação.
Já é noite quando sua jornada de terapeuta termina. Está cansada. Mas nunca, nunca, reclama ou fica mal humorada por estar cansada.
Abre parênteses de novo: é tão difícil ouvi-la reclamar. Ela teve um câncer, passou por quimio e radio, fez muitas cirurgias. Teve dores excruciantes. Alguns médicos simplesmente não a levaram a sério. Não podiam acreditar que ela estivesse sendo tão estóica, que conseguisse andar com as dores, que vieram a constatar depois, que ela sofria. Mas ela enfrentou sem se queixar. É uma lutadora. Uma vencedora.
O dia ainda não acabou. Passa na cozinha para os retoques finais no jantar. E os retoques na maquiagem e na roupa, se for necessário, pois afinal, agora é hora de ela se dedicar à pessoa mais importante de sua vida: meu pai.
Depois de 55 anos juntos ela se cuida e cuida deste namoro, como se fosse um recém-nascido. Jamais faz xixi de porta aberta. Não fica NUNCA de creme na cara ou de bobs na frente dele. Assim, invariavelmente, recebe uma dúzia de rosas vermelhas todo o dia 18 - dia em que casaram. Faz por merecer.
E até a hora de dormir, muitas vezes, ainda cabem concertos, leituras ou mais um SOS de filhos e netos.
No final de semana, a rotina muda de endereço, mas não de variedade nem de intensidade.
Poucas pessoas que conheço conseguiriam manter um ritmo desses! Mas ela, que faz setenta, dá conta, esbanjando vitalidade.
É um privilégio tê-la como mãe. É uma sorte poder usufruir da sua sabedoria, compartilhar de sua generosidade.

Obrigada, mãe.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Filosofia de tipóia


Longe de casa
Logo depois de terminar a faculdade e fazer 22 anos, fui para a Europa. Passamos, Duca (meu namorado que veio a ser primeiro marido) e eu, dois meses viajando no inverno europeu e depois nos instalamos em Londres.
A idéia era passar uma temporada de ao menos um ano por lá. Ganhar a chamada experiência de vida, soltar a língua no inglês e sobreviver à base de subempregos com uma ajudinha dos pais pra não passar fome e ainda poder ir a um showzinho de rock de vez em quando.
Ficamos por lá um ano e meio, na década de 80. Não havia celulares nem internet. Pra gente se comunicar com os amigos e familiares era preciso escrever cartas, colocar selos e despachar pelo correio. Ou quando a saudade apertava, fazer uma "collect call". Era um contato muito menor e menos frequente do que seria hoje.
Passados os primeiros meses, depois que já estávamos instalados num pequeno bedsit em West Hampstead, comecei a me dar conta de que estava passando por um processo muito peculiar.
De repente, estava distante de praticamente tudo que compunha minha rotina no Brasil: casa, família, amigos, lugares conhecidos, língua, cultura. O único ponto de conexão com aquela Claudia que vivia em São Paulo era o meu namorado e, ainda assim, nossa relação passou de um namoro a um casamento - também muito diferente do que era.

A essência
Lembro-me de que pensava muito sobre isso: o quanto aquele desenraizamento voluntário e temporário me fazia entrar em contato com a minha essência. O que era eu, o que era hábito, relação com os outros, "influência do meio".
Não consigo recordar com exatidão o grau de profundidade das minhas reflexões. Nem sei se eram mesmo profundas. Mas tenho muito claro na memória a presença desta inquietação. Certamente minhas irmãs, tias, algumas amigas e minha mãe, devem ter cartas em que abordo o assunto. Vou pedir a elas pra dar uma olhada.

Ser ou estar
E o que isso tem a ver com o título deste post?
Simples. Há anos que venho treinando diariamente. Mesmo quando tive  fratura por estresse continuei nadando e fazendo musculação. Hoje completo nove dias absolutamente sem treinar e uma reflexão parecida com essa de Londres começou a me rodear. Estou estranhando minha rotina e, portanto, a pessoa que vive esta rotina.
Tenho dormido muito. Quase o dobro de horas que costumo. Não chutei o pau da barraca com relação à alimentação, mas tenho comido todos os doces que me oferecem. Sonho com treinos e provas. Mas tenho falado menos sobre o tema . Estou estranhando a mim mesma. Não muito. Mas estou.
E então, voltei a me perguntar algo parecido: estar triatleta passou a ser algo tão central na minha vida que passei a ser triatleta? Ou, pelo contrário, me tornei triatleta porque já havia traços (disciplina, obstinação, força de vontade etc) em mim propícios para isso?  E se eu deixar de praticar triathlon temporária ou definitivamente, vou perder minha identidade? Existe algo na minha essência, que relativo ao triathlon? Depende ou independe de eu estar treinando?
Tostines vende mais porque é mais frequinho? Ou é mais fresquinho porque vende mais?
Braço na tipóia, corpo ocioso, cabeça vazia, oficina do do diabo. Deve ser isso. De qualquer modo, vou na padoca amanhã pra viver, de algum modo, um pouco da rotina de treinos. E chega de fazer drama e tipo. Não vai demorar mais do que 15 dias pra eu poder dar uma corrida e pedalar.

sábado, 14 de agosto de 2010

Cirurgia e cuidados

De volta à casa, com o braço na tipóia, teclando só com a mão direita.
Conforme escrevi há uns dias, fiz a tal da artroscopia.

Véspera
Mal tive tempo de me preocupar com esse negócio. Trabalho de uma semana acumulado em três dias, encanamento da pia quebrado, mais um par de problemas bancários e outros tantos domésticos - não sobrou tempo para gerar tensões ou sofrer por antecipação. Ainda bem.
Na quarta à noite recebi telefonema do Alexandre, o anestesista que iria me derrubar pro procedimento. Ele me avisou que o horário da cirurgia mudara e então eu, uau, poderia chegar às 5h45 e não às 5h. Quase que dava tempo de dar uma pedaladinha na USP. Também aproveitou pra me falar do jejum, da água e um pouquinho sobre como seria meu dia seguinte. Quando ele disse que iria me dar um Dormonid no quarto e eu chegaria dormindo ao centro cirúrgico eu, bocuda, disse: olha que eu sou dura na queda! E ele, de bate-pronto "E olha que eu sou bom no que faço!"
Ele também me disse que eu poderia beber água até as 3 da manhã.  "Que programão!", pensei. Mas mesmo assim levei um copo d'água pra dormir ao meu lado no criado-mudo. Obviamente não tomei nem um gole.
Sonhei que eu chegava ao hospital e levava uma dura do anestesista por não ter me hidratado. Ele dizia que iria atrapalhar o procedimento, que as coisas poderiam não sair bem por causa disso. Como numa prova de triathlon.

Internação
Chegamos ao Einstein, minha mãe, meu marido e eu, pontualmente às 5h45. Parecia checkin no aeroporto em véspera de feriado. Levamos mais de uma hora pra chegar ao quarto. Mandei um torpedo ao Alexandre, avisando que já estava na fila de embarque. Imediatamente ele respondeu que monitorava minha internçao e, quando fazia mais de uma hora que estávamos ali, ele ligou avisando que pedira pressa ao hospital. No mesmo instante fomos levados ao quarto pré-operatório.
Não era nenhuma Brastemp. Só uma cama sem travesseiro, meia cadeira e nenhum chuveiro. Se fosse um hotel, eu teria pedido pra trocar de quarto.
Naquela hora me deu um pouco de dor de barriga, confesso. Fui ao banheiro e logo todos chegaram: duas enfermeira e o anestesista. Minha mãe ficou me apressando, como se eu estivesse fazendo a maquiagem ou secando os cabelos. E o pessoal perguntou se eu estava escondida ou querendo fugir.

Aula
Saí do meu esconderijo e conheci Alexandre, o anestesista, que tem o sugestivo sobrenome de Casanova. E não o desmerece.
Quando ele me pergunta como passei a noite, conto meu sonho.
Ganho uma pulseirinha colorida que, no meu caso, lembra a do Iron. Para outros, remete às áreas VIPs, das baladas. Tem algo a ver com alertar as pessoas sobre o (meu) risco de queda.
Ele então nos fez uma completa preleção sobre todos os fundamentos e etapas da anestesia. Foi claro, coerente, detalhista sem ser pedante, de modo que meu leve nervosismo, foi se atenuando. Ao final, quando ele terminou sua explanação e perguntou se eu tinha alguma dúvida, fui direta "tem algum risco de eu morrer?" e ele, foi sincero "tem". Mas aí emendou explicando como eles fazem pra diminuir as chances de problemas graves. Por exemplo, ao me ver e conversar comigo, ele observa que minha boca tem uma boa abertura (vantagem em ser bocuda, já pensou!?) e que, pra me entubar, vai usar tamanho infantil, entre outras coisas.
Prevejo que vou acordar com vontade de café e pão de queijo. Ele aposta que vou ter apenas sede.
Casanova nos deixa com  a enfermagem e sobe ao centro cirúrgico. Pergunto à minha mãe se em algumas das várias cirurgias que ela fez na vida o anestesista teve este mesmo cuidado e atenção com ela. Ela responde balançando a cabeça negativamente. Viva a nova geração de médicos.
Flávia e Nathalie tiram minha pressão, medem os batimentos, que ainda estão surpreendentemente baixos, e ministram o Dormonid.
Sinto o sono se aproximar mas deito na maca sem ajuda. A próxima lembrança é o Gustavo já em trajes de cirurgião e um relógio que marca nove horas. "Nove horas?! Já?!" não sei se falei ou pensei.

De volta
A próxima lembrança é a voz de Casanova me chamando. Já terminou. Acordo lúcida. Apenas o braço dorme. Ao me lado, uma mulher geme sem parar. À minha frente, num balcão, uma mocinha tenta negociar um apartamento pra mim. Percebo que houve alguma confusão e sou a última a ser levada da sala de recuperação.
Roi e minha mãe me aguardam logo na saída. Sorrio pra eles e digo que estou com vontade de um café com pão de queijo.
Meu estado geral é ótimo. A única coisa que incomoda é o braço estar completamente morto.  Torço para que o efeito da anestesia passe mas logo vou me arrepender deste desejo.


No quarto
Não sinto a garganta arranhada, nem sede. Tomo o café e copo dois pães de queijo com gosto.
É hora de levantar para um xixi. Por prudência, toco a campainha da enfermagem pra que alguém me acompanhe na minha primeira incursão à posição vertical.
Para minha surpresa, quem aparece é o William, um belo afrodescendente. Ele se apresenta, pergunta de que preciso. "Acho que você não serve pra me levar pra um xixi. Quem sabe, pra um samba, daqui a alguns dias". Ele sorri e chama outra enfermeira.
Minha mãe vai embora e ficamos Roi, seu notebook e eu. Pergunto se ele comunicou meus amigos que correu tudo bem. Ele diz que sim e que vários responderam e lê pra mim as mensagens.
Descanso um pouco, mas não durmo. Uma mão estranha roça minhas coxas de vez em quando. Levo um susto. É a minha própria, completamente adormecida.
Por volta das quatro da tarde, Gustavo a aparece. Diz que tudo correu bem. O osso foi furado e duas âncoras biodegradáveis foram colocadas, prendendo o labrum e o tendão do bíceps. Poderei competir um meio Iron no fim de novembro? Sim, desde que passeie na natação.
Pergunto se posso fazer algo pra acelerar a passagem do efeito da anestesia: tomar mais água, dar uma corridinha. Nada. Vou me arrepender disso muito em breve.
Roi vai embora, Gustavo vai embora. Fico só com Jane Austen. Uso a minha própria mão esquerda pra manter as páginas do livro abertas. É muito esquisito sentir o peso morto do braço.
As enfermeiras vem me medicar. O telefone toca, peço a uma delas que atenda. Ela atende. A pessoa no outro lado da linha pergunta algo. Ela se volta pra mim meio sem jeito e pergunta: "você é a ombreta?" Caio na gargalhada. É a engraçadinha da Thelma.

Amigas
Por volta das 18h30 as amigas chegam. Gra, Thelma e Julinha. Ganho presentes e conforto no coração.
Conversamos, damos risadas. Gesticulo em dobro com o braço direito, já que o esquerdo está imóvel.
A mocinha da copa traz um chá, pergunto a ela se não pode nos trazer um vinho para receber minhas amigas. Afinal estou tomando tantas drogas... Que mal poderia haver em tomar uma tacinha?
Lá pelas 20h, meus dedos começam a dar sinais de vida. Consigo comandá-los, mas não senti-los. É como se o impulso nervoso fosse do cérebro para os dedos mas não fazem o caminho reverso. Output sem input.
Gra vai embora. Sugiro que Thelma e Juju desçam para jantar. Fico na companhia do Nadal e de uma Nha Benta que desaparece em poucos segundos. "Onde está a Nha Benta que estava aqui?" Sumiu. Só fiquei com o Nadal. E com o Leandro, colega de treino, que liga pra desejar uma pronta recuperação.
Elas voltam, Juju vai embora.
Thelma me ajuda a vestir o pijama. É uma delicada operação.
Ficamos conversando. De nada adiantaria dormir antes já que à meia noite preciso tomar uma medicação intravenosa.
Casanova telefona. Brinco com ele: "Você é bom mesmo no que faz, hein?" Cada uma das etapas da anestesia que ele profetizou, se cumprem.


Noite 
A enfermeira não consegue fazer o soro gotejar. Faz tanta pressão que acaba espirrando soro pra todo lado. De tanto eu gesticular, o acesso dentro da veia ficou dobrado. E ela precisa desdobrar. É aflitivo.
O bloqueio no plexo braquial - nome técnico da anestesia local, passou completamente e, assim,  recupero minha mão mas, em troca, ganho uma bela dor no ombro. É idêntica à dor de antes da cirurgia, só que elevada à décima potência.
Não acho posição pra dormir. Não durmo. Às cinco a dor é muito forte. Reluto em chamar a enfermagem, porque vou acordar a Thelma. Espero 40 minutos e então chamo.
Sou medicada, começo a melhorar. No quarto escuro, recomeçamos a conversa interrompida à meia-noite. Conversas no escuro me lembram infância. Irmãs, amigas. Confissões, segredos e risadas, com os olhos perdidos na penumbra. É reconfortante.
Vemos o dia amanhecer.

Dor e café da manhã
Depois do tylex, meu humor melhora e esqueço um pouco a dor. Mas preciso ficar com o braço o mais imóvel possível .
Finalmente meu café da manhã chega e, com ele, Richard, amigo e companheiro de trabalho. Ele corta o pão, passa a manteiga, pica o mamão. Brinco, dizendo que é bom se acostumar pois, provavelmente, ele vai cuidar das minhas refeições durante a semana. Ele se vai, com a promessa de me mandar umas lajotinhas da Kopenhagen. Hummmm. Acho que vou virar uma bola nas próximas semanas.
Chamo a enfermagem para me auxiliarem no banho. De novo é o William que se apresenta e, de novo, digo a ele que prefiro a companhia dele pra um programa dançante.
Jucineide e Josicleide não são gêmeas nem tampouco uma dupla caipira. São as enfermeiras que vem me ajudar com o banho.
Tirar a roupa é muito ruim. Depois de colocar o braço numa tipóia de plástico, tomo um banho quase normal. Preciso só de uma mão extra pra despejar o xampu na palma da outra mão. Enxugar o corpo é uma operação feita em equipe, com todo o cuidado. Vestir é doloroso.
Minha irmã Thelma seca meus cabelos.

Alta
Meu pai chega para me pegar.
Casanova e Gustavo aparecem pra me dar alta e fazer todas as recomendações. Julinha chega com os três pequenos que logo se encarregam de quebrar a máquina de doces e tranqueiras colocando quarters nela.
Depois de quase uma hora de espera na garagem do hospital {perderam o carro!}, vamos embora.

Tenho dor mas me sinto cuidada, querida, acolhida. O coração está quentinho. Daqui a pouco, a dor passa, os pontos caem, a vida volta ao normal. E o que vou lembrar disso será da visita das amigas e do amigo, dos torpedos e telefonemas carinhosos e das conversas com minha amiga irmã,  noite adentro e noite afora.


quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A travessura da Ana

Pelos mares da web
Esses mares da web são muito curiosos. Navegando nas águas da internet acabei encontrando uma pessoa, um blog e um livro que atravessaram meu canal do Facebook.O real nos leva ao virtual e o virtual nos leva ao real. Explico.
Ano passado, zapeando, parei num canal onde uma moça muito simpática estava sendo entrevistada. O tema da entrevista era o livro que ela estava lançando sobre a sua façanha: a travessia do Canal da Mancha.  Não lembro quem entrevistava mas guardei bem o nome do livro e, na primeira oportunidade, tentei comprá-lo. Não consegui. Acabei esquecendo do assunto.

Do Facebook ao bloquinho
Pois bem. Semana passada meu amigo Daniel Blois - que, por sinal, também conheci aqui no universo paralelo e que agora faz parte do meu círculo de amigos reais - postou algo no seu Facebook.  Fiz um comentário, meio dando um puxão de orelha nele e, algum tempo depois, vi que alguém havia comentado algo fazendo uma referência ao meu comentário.  Gostei do que ela escreveu. Para saber mais sobre alguém que tinha uma opinião parecida com a minha, num assunto controverso, entrei na sua página do FB. Lá, achei um link para seu blog, que tem o curioso nome de "Bloquinho da Ana Mesquita".  Entrei. E fui pega de surpresa por um belíssimo texto sobre a ordem das coisas. Navegando mais um pouco, o que descubro? Que ela é a moça que fez a travessia do Canal da Mancha!
Escrevi um comentário e pedi para ela me dizer como conseguir o livro. Ela respondeu de bate-pronto e ainda entrou neste blog e fez um comentário sobre o livro do Agassi.

O livro
Comprei o livro no dia seguinte, comecei a ler e enquanto não completamos a travessura - ela e eu - não consegui parar de ler. Sim, porque, felizmente, não é um livro sobre técnicas de natação, planilhas de treino prontas para você se preparar para grandes travessias e nem tampouco uma descrição detalhada sobre a alimentação. É uma narrativa que, delicadamente, vai lhe colocando sob a pele da autora.
Vamos com ela na sua jornada, conhecendo sua história e os personagens que ela tão carinhosamente descreve e vivendo o dia da travessia. Ao longo do caminho, ela aproveita pra compartilhar suas posições sobre os assuntos mais diversos: esporte, humor,"coisas que a gente não gosta". Nos provoca e faz pensar. Em alguns momentos tive vontade de escrever comentários, como se fosse um blog, para dialogar com ela.
Quanto mais sua história avança, quanto mais perto da França chegamos, mais profundamente mergulhamos no mar desta história. Sentimos frio, um pouco de medo, cansaço e, claro, alegria.
Em muitos momentos me identifiquei tanto com sua jornada, quanto com suas idéias. Há muitas coisas em comum entre se preparar para um Iron e para uma travessia deste porte: a dedicação, o volume de treinos, a obstinação, a disciplina, a crença em si mesmo, o sacrifício da vida familiar e social, a incompreensão do resto do mundo...e, principalmente, o grande prazer de passar por este processo todo.
Como Ana e muitos de seus mestres, acredito também que essas experiências servem, sobretudo, para nos tornarmos pessoas melhores.

Na padoca
Virei fã de carteirinha, adicionei-a no Facebook e, claro, pedi que ela escrevesse uma dedicatória no meu livro. Ela topou encontrar com a gente na padoca, neste sábado, depois do treino, umas 10 horas. Estou me sentindo honradíssima, mas como não sou egoísta, estendo o convite aos meus queridos amigos, leitores deste blog. Quem não souber onde é  a padoca, me escreva no clauarat@gmail.com , que eu passo as coordenadas. Caso alguém queira comprar, ela vai levar alguns livros. Mas, se você não puder ir, encomende o livro na Livraria da Vila.
Não deixe de viver esta travessura.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

SLAP!

Parece um tapa na cara, uma onomatopéia de uma história em quadrinhos. Mas não é. Trata-se de uma legenda para uma lesão: Superior Labrum Antero Posterior. Segundo as pesquisas que andei fazendo, é dos problemas mais freqüentes nos ombros.
Venho sentindo dores desde o início do ano. Começou assim, sem mais aquela, no último dia de férias. Acordei e ela estava lá, a dor. Achei que tinha dormido de mau jeito, que ao longo do dia iria passar. Viajei de volta a São Paulo, imaginando que ela ficaria por ali mesmo, em Florianópolis, mas, sei lá, talvez ela tivesse um desejo secreto de conhecer uma megalópole e, eis que veio comigo.
Depois de duas semanas com dor, decidi ir ao ortopedista. Já imaginava o menu de sempre: ressonância magnética, repouso relativo, gelo, antinflamatório, fisioterapia com alongamento e fortalecimento. Bingo! Segundo ele, tendinite do supraespinhoso. Ressonância, apenas para confirmação do diagnóstico.  Ainda tentei negociar: "Se você sabe o diagnóstico, por que eu preciso fazer a RM? Vai mudar alguma coisa?"
Ele não quis saber das minhas argumentações e dá-lhe RM.
O laudo descrevia um leve isso, um discreto aquilo, um pequeno aquilo outro. Entre eles, uma tendinite, sim. Também havia um tal cisto mas que, segundo o médico, era "achado de exame".
Mas o tempo passa, com tratamento e tudo mais e a dor não vai embora. No Iron, embora não tenha me atrapalhado na natação, doeu depois, no ciclismo, e eu não consegui passar muito tempo clipada.
De repente, a dor some. Passa dias sem dar as caras. Então ela volta e passa o dia me atormentando.
Cansei. Voltei ao médico. E me cansei também dele, que passou 80% do tempo da consulta falando de assuntos que não tinham nada a ver com ortopedia, me examinou em três minutos e pediu outra RM.
Quem fez a RM foi o Daniel Blois, amigo meu, parceiro de treino e radiologista experiente. Comentei com ele que queria consultar outro ortopedista e ele me indicou o Gustavo que, ainda por cima, é da Clínica Alliance, da Kelly, que eu não conheço mas meio mundo de triatletas conhece.
Quando fiz os exames, o Daniel disse "Acho que o que está te incomodando é uma SLAP lesion". Então ele explicou que era algo que já estava na primeira RM, que tinha a ver com aquele cisto e que tratava-se de uma lesão no Labrum, membrana que recobre a parte interna do ombro.
Tive então uma consulta com o Gustavo, que perguntou muito (nada sobre política, polícia ou celebridades), me examinou detidamente e analisou as imagens para mim de maneira clara e didática.
Reseumo da ópera:  o que me incomoda é a SLAP. O cisto prova que há um descolamento da membrana que cria uma intercomunicação num local que não deveria. Isso é sinal de que o labrum  está descolado. É um problema mecânico, não uma inflamação. Não vai sarar sozinho e nem com medicamentos, fisioterapia, gelo bla bla bla. Precisa ir lá e prender a membrana no seu devido lugar. Como? Com uma artroscopia.
Gustavo também me explicou que se eu não fizer isso a dor vai piorar nos momentos de maior volume de treino.
Fiquei na maior dúvida. Combinei com ele que iria treinar natação sem me poupar, como tenho feito nos últimos seis meses, e ver como me sentia.
Na quarta então nadei forte e usei palmar. Cinco horas depois... dor.
Na sexta, o treino foi mais leve, a dor veio, mas não ficou muito tempo.
No final de semana, me animei. Para que fazer cirurgia?
Ontem, segunda-feira, borboleta e palmar e a dor voltou está aqui até agora. Desanimei. Quando a gente convive muito tempo com uma dor dessas, vai ficando irritadiço e nem sabe porque.
Então conversei com o Alcy pelo telefone. Ele também é ortopedista mas, infelizmente, mora em Curitiba.  É meu amigo e triatleta. Foi categórico: "Faça a artroscopia. E faça logo." "Mas não é tanta dor assim!" retruquei.  "Você não está tendo muita dor porque seu volume de treino está menor. Mas você é atleta e ainda vai querer treinar muito. Faça".  Verdade. Eu não tinha pensado nisso. Meu volume de treino está bem menor. Quando aumentar, a dor volta.
Confessei "Sabe o que me desanima? Ter de fazer três meses de fisioterapia!" E ele "Ah, você é esportista, não é nenhuma velha sedentária e flácida que vai ficar fazendo exerciciozinho básico! Você vai fazer direito e vai se recuperar rapidinho!"
Depois dessa, já não tinha mais argumentos.
Serão 4 furinhos no ombro, que é inflado como um balão. O cirurgião coloca uma microcâmera para enxergar lá dentro e aí faz o serviço: coloca âncoras na membrana para ela não içar as velas e sair navegando por aí. Interna, faz a cirurgia e sai no dia seguinte. Três semanas de tipóia. Depois já dá até pra correr e pedalar. Antes disso, ainda com a tipóia, dá pra fazer uma bicicleta ergométrica.  Três meses sem nadar. Três meses de fisio.
Se é pra fazer, façamos!