sábado, 11 de fevereiro de 2012

Identidade, diversidade, fraternidade

Londres
Quando tinha meus vinte e poucos anos, terminei a faculdade e fui pra Europa. Duca, meu ex-marido, namorado à época, e eu, viajamos um pouquinho e depois nos instalamos em Londres, pra uma temporada que veio a ser de um ano e meio. Morávamos no que lá se chama bedsit e aqui seria equivalente a uma quitinete. Só que em vez de ser num prédio de apartamentos, era numa casa de dois andares. Minha vida, ao longo dos meses que passei ali, foi muito diferente da que eu tinha vivido até então. E, lembre-se, isso foi na década de 80. Não existiam celulares, smartphones, PCs, lanhouses, Ipads, skypes, emails... nada desses aparatos que nos mantém em comunicação o tempo todo. Para falar com família eu descia até o térreo onde ficava um telefone público/particular e fazia uma colect call pro Brasil. Com os amigos, cartas.  Mas, embora eu escrevesse bastante, nem todos respondiam. E demoraaaaava pra chegar resposta. Muitas, nem chegavam. Nem todo mundo tinha o hábito de se corresponder. A sensação de distância e isolamento era forte. 
Fizemos novos amigos, estudamos inglês, passeamos em Camdem Town, fomos a shows do Cure, Smiths, Cult, Waterboys, It’s Imaterial, bebemos em pubs, lemos a NME e a Melody Maker, apostamos em corridas de cachorro, andamos ao longo do Tamisa, fizemos faxina, comemos chinese take away e fish’n’chips, compramos no Sainsbury, decoramos as cores das linhas do “tube”, visitamos os Kew Gardens, fiz babysitting, saímos pra dançar, brigamos bastante também. 
Foi uma experiência que fez diferença na minha formação pessoal. Tudo que vivi foi importante. Mas, talvez, o que tenha sido o mais interessante foram as reflexões acerca da minha própria identidade (o bom e velho “quem sou eu?” issue). Percebia que, em estando fora do meu habitat natural: casa dos pais, SP, amigos da faculdade e outros, família, carrinho, meus discos, meus livros, meus filmes e tudo mais, me obrigava a entrar em contato com a minha essência. Sou o que faço ou sou o que sou? Sou formada pelo meio em que vivo ou tenho um âmago, um cerne, um eu interior que permanece o mesmo, independente das circunstâncias? 


Identidade
Longe de querer esgotar essas questões, e sem querer me alongar na história sobre minha temporada londrina, o que isso tem a ver com triathlon e com o momento atual? Tudo. Assim como naqueles idos da década de 80, nos últimos tempos, estas questões existenciais voltaram. Repaginadas, mas voltaram. Estou (assim espero, oxalá, knainóri) terminando um período de afastamento quase total dos treinos. De outubro até agora, praticamente não treinei. Deixei de ser triatleta? Sou triatleta ou estou triatleta? Deixei de ser atleta? Deixei, em alguma medida, de ser “Claudia”?  Quão triatleta eu sou, e quanto o fato de ser triatleta compõe minha identidade? 
Na adolescência, quando a questão da identidade começa a aparecer, é comum os jovens formarem turmas que se vestem com um tipo de roupa, ouvem um tipo de música e repetem jargões.  “Meus iguais me compreendem, são como eu, me identifico com eles, portanto, não estou só”. Isso, segundo minha mãe psicóloga,  é uma maneira de suportar a idéia da solidão que descobrimos ao deixarmos de ser criança e nos deparamos com um mundo interior, só nosso, impossível de compartilhar integralmente com quem quer que seja. Ninguém, nem mesmo o mais amoroso dos companheiros, pode participar nem compreender inteiramente este universo. 
Desde os idos de 2007, aos poucos, passei a integrar a tribo dos triatletas. Sim, tribo. Têm seus rituais, linguagem, modos de vestir e viver. Como um grupo de “emos” ou “góticos”. Por um lado, pode ser bem divertido a essas alturas da vida, fazer parte de uma turma com a qual tenho tantas afinidades.  Por outro, não temos mais ilusões com relação a uma identificação absoluta.  E isso também é uma questão sobre a qual tenho pensado. Qual meu grau de identificação, afinidade e profundidade nas relações com as pessoas do triathlon? Se eu por (des)ventura ou por opção deixar de ser triatleta continuarei próxima delas?


Diversidade
Bem, chega de tantas perguntas. Vamos a algumas conclusões. O fato de estar passando um tempo sem treinar muito e de não ter objetivos a vista me fez perceber que sim, o triatlon e o estilo de vida decorrente dele fazem parte da minha vida mas, apenas uma parte de mim é triatleta. Tenho muitas outras facetas que são tão importantes e que tem tanto ou mais peso quanto essa: sou mãe, esposa, mulher, festeira, amiga, blogueira, educadora, corintiana, leitora, filha... E, indo um pouco mais longe, o que está no âmago da minha relação com o triathlon é o prazer em fazer uma atividade física, em superar limites, em fazer algo bem feito e ter convívio social. Se eu não puder fazer triatlon, nem correr, nem pedalar, nem nadar, então vou jogar badminton, ou tênis, ou praticar SUP, ou dançar ou alguma coisa que faça suar e sentir bem!


Fraternidade
Quanto aos amigos, claro está que há pessoas que vieram pra ficar e o triatlon foi apenas a porta de entrada. Encontramos-nos e falamos sim, de treinos e provas, mas a conversa vai muito mais longe: já até brincamos de Imagem e Ação e não conversamos um “A” sobre nossos esportes! Descobri que são pessoas com quem posso contar não só quando estou “na ponta dos cascos”, mas, principalmente, na hora do aperto, quando estou manquitola, com a “patinha quebrada”. Lógico que há também relacionamentos superficiais, que não sobreviveriam caso eu deixasse de treinar mas, isso não é exclusividade do triathlon, é?  
Nos últimos cinco meses minha rotina mudou. Não dormi tão cedo, abri mão de treinar por motivos banais, não segui planilha, não fiz relatórios dos meus poucos treinos, não escrevi no blog, não deixei de beber tacinhas de vinho quando tive vontade e até saí um dia pra dançar. E os bons amigos estiveram por perto.  


Percebi que  treinar pro Iron faz com que o lado triatleta seja preponderante sobre os outros e que não dá mesmo – pra mim, pelo menos – pra ficar o tempo todo com ela – Claudia triatleta – mandando em tudo. È necessário dar uma folguinha – não só pro corpo, mas pras outras Claudias que me habitam poderem se exercitar.     

3 comentários:

  1. concordo 100%, o triathlon é muito intenso, mas é só um meio. existem outros... se para vc ser feliz, vc tem que alimentar todas as suas claudias, cada uma a sua maneira e a seu tempo... então faça! bjs

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