sábado, 14 de agosto de 2010

Cirurgia e cuidados

De volta à casa, com o braço na tipóia, teclando só com a mão direita.
Conforme escrevi há uns dias, fiz a tal da artroscopia.

Véspera
Mal tive tempo de me preocupar com esse negócio. Trabalho de uma semana acumulado em três dias, encanamento da pia quebrado, mais um par de problemas bancários e outros tantos domésticos - não sobrou tempo para gerar tensões ou sofrer por antecipação. Ainda bem.
Na quarta à noite recebi telefonema do Alexandre, o anestesista que iria me derrubar pro procedimento. Ele me avisou que o horário da cirurgia mudara e então eu, uau, poderia chegar às 5h45 e não às 5h. Quase que dava tempo de dar uma pedaladinha na USP. Também aproveitou pra me falar do jejum, da água e um pouquinho sobre como seria meu dia seguinte. Quando ele disse que iria me dar um Dormonid no quarto e eu chegaria dormindo ao centro cirúrgico eu, bocuda, disse: olha que eu sou dura na queda! E ele, de bate-pronto "E olha que eu sou bom no que faço!"
Ele também me disse que eu poderia beber água até as 3 da manhã.  "Que programão!", pensei. Mas mesmo assim levei um copo d'água pra dormir ao meu lado no criado-mudo. Obviamente não tomei nem um gole.
Sonhei que eu chegava ao hospital e levava uma dura do anestesista por não ter me hidratado. Ele dizia que iria atrapalhar o procedimento, que as coisas poderiam não sair bem por causa disso. Como numa prova de triathlon.

Internação
Chegamos ao Einstein, minha mãe, meu marido e eu, pontualmente às 5h45. Parecia checkin no aeroporto em véspera de feriado. Levamos mais de uma hora pra chegar ao quarto. Mandei um torpedo ao Alexandre, avisando que já estava na fila de embarque. Imediatamente ele respondeu que monitorava minha internçao e, quando fazia mais de uma hora que estávamos ali, ele ligou avisando que pedira pressa ao hospital. No mesmo instante fomos levados ao quarto pré-operatório.
Não era nenhuma Brastemp. Só uma cama sem travesseiro, meia cadeira e nenhum chuveiro. Se fosse um hotel, eu teria pedido pra trocar de quarto.
Naquela hora me deu um pouco de dor de barriga, confesso. Fui ao banheiro e logo todos chegaram: duas enfermeira e o anestesista. Minha mãe ficou me apressando, como se eu estivesse fazendo a maquiagem ou secando os cabelos. E o pessoal perguntou se eu estava escondida ou querendo fugir.

Aula
Saí do meu esconderijo e conheci Alexandre, o anestesista, que tem o sugestivo sobrenome de Casanova. E não o desmerece.
Quando ele me pergunta como passei a noite, conto meu sonho.
Ganho uma pulseirinha colorida que, no meu caso, lembra a do Iron. Para outros, remete às áreas VIPs, das baladas. Tem algo a ver com alertar as pessoas sobre o (meu) risco de queda.
Ele então nos fez uma completa preleção sobre todos os fundamentos e etapas da anestesia. Foi claro, coerente, detalhista sem ser pedante, de modo que meu leve nervosismo, foi se atenuando. Ao final, quando ele terminou sua explanação e perguntou se eu tinha alguma dúvida, fui direta "tem algum risco de eu morrer?" e ele, foi sincero "tem". Mas aí emendou explicando como eles fazem pra diminuir as chances de problemas graves. Por exemplo, ao me ver e conversar comigo, ele observa que minha boca tem uma boa abertura (vantagem em ser bocuda, já pensou!?) e que, pra me entubar, vai usar tamanho infantil, entre outras coisas.
Prevejo que vou acordar com vontade de café e pão de queijo. Ele aposta que vou ter apenas sede.
Casanova nos deixa com  a enfermagem e sobe ao centro cirúrgico. Pergunto à minha mãe se em algumas das várias cirurgias que ela fez na vida o anestesista teve este mesmo cuidado e atenção com ela. Ela responde balançando a cabeça negativamente. Viva a nova geração de médicos.
Flávia e Nathalie tiram minha pressão, medem os batimentos, que ainda estão surpreendentemente baixos, e ministram o Dormonid.
Sinto o sono se aproximar mas deito na maca sem ajuda. A próxima lembrança é o Gustavo já em trajes de cirurgião e um relógio que marca nove horas. "Nove horas?! Já?!" não sei se falei ou pensei.

De volta
A próxima lembrança é a voz de Casanova me chamando. Já terminou. Acordo lúcida. Apenas o braço dorme. Ao me lado, uma mulher geme sem parar. À minha frente, num balcão, uma mocinha tenta negociar um apartamento pra mim. Percebo que houve alguma confusão e sou a última a ser levada da sala de recuperação.
Roi e minha mãe me aguardam logo na saída. Sorrio pra eles e digo que estou com vontade de um café com pão de queijo.
Meu estado geral é ótimo. A única coisa que incomoda é o braço estar completamente morto.  Torço para que o efeito da anestesia passe mas logo vou me arrepender deste desejo.


No quarto
Não sinto a garganta arranhada, nem sede. Tomo o café e copo dois pães de queijo com gosto.
É hora de levantar para um xixi. Por prudência, toco a campainha da enfermagem pra que alguém me acompanhe na minha primeira incursão à posição vertical.
Para minha surpresa, quem aparece é o William, um belo afrodescendente. Ele se apresenta, pergunta de que preciso. "Acho que você não serve pra me levar pra um xixi. Quem sabe, pra um samba, daqui a alguns dias". Ele sorri e chama outra enfermeira.
Minha mãe vai embora e ficamos Roi, seu notebook e eu. Pergunto se ele comunicou meus amigos que correu tudo bem. Ele diz que sim e que vários responderam e lê pra mim as mensagens.
Descanso um pouco, mas não durmo. Uma mão estranha roça minhas coxas de vez em quando. Levo um susto. É a minha própria, completamente adormecida.
Por volta das quatro da tarde, Gustavo a aparece. Diz que tudo correu bem. O osso foi furado e duas âncoras biodegradáveis foram colocadas, prendendo o labrum e o tendão do bíceps. Poderei competir um meio Iron no fim de novembro? Sim, desde que passeie na natação.
Pergunto se posso fazer algo pra acelerar a passagem do efeito da anestesia: tomar mais água, dar uma corridinha. Nada. Vou me arrepender disso muito em breve.
Roi vai embora, Gustavo vai embora. Fico só com Jane Austen. Uso a minha própria mão esquerda pra manter as páginas do livro abertas. É muito esquisito sentir o peso morto do braço.
As enfermeiras vem me medicar. O telefone toca, peço a uma delas que atenda. Ela atende. A pessoa no outro lado da linha pergunta algo. Ela se volta pra mim meio sem jeito e pergunta: "você é a ombreta?" Caio na gargalhada. É a engraçadinha da Thelma.

Amigas
Por volta das 18h30 as amigas chegam. Gra, Thelma e Julinha. Ganho presentes e conforto no coração.
Conversamos, damos risadas. Gesticulo em dobro com o braço direito, já que o esquerdo está imóvel.
A mocinha da copa traz um chá, pergunto a ela se não pode nos trazer um vinho para receber minhas amigas. Afinal estou tomando tantas drogas... Que mal poderia haver em tomar uma tacinha?
Lá pelas 20h, meus dedos começam a dar sinais de vida. Consigo comandá-los, mas não senti-los. É como se o impulso nervoso fosse do cérebro para os dedos mas não fazem o caminho reverso. Output sem input.
Gra vai embora. Sugiro que Thelma e Juju desçam para jantar. Fico na companhia do Nadal e de uma Nha Benta que desaparece em poucos segundos. "Onde está a Nha Benta que estava aqui?" Sumiu. Só fiquei com o Nadal. E com o Leandro, colega de treino, que liga pra desejar uma pronta recuperação.
Elas voltam, Juju vai embora.
Thelma me ajuda a vestir o pijama. É uma delicada operação.
Ficamos conversando. De nada adiantaria dormir antes já que à meia noite preciso tomar uma medicação intravenosa.
Casanova telefona. Brinco com ele: "Você é bom mesmo no que faz, hein?" Cada uma das etapas da anestesia que ele profetizou, se cumprem.


Noite 
A enfermeira não consegue fazer o soro gotejar. Faz tanta pressão que acaba espirrando soro pra todo lado. De tanto eu gesticular, o acesso dentro da veia ficou dobrado. E ela precisa desdobrar. É aflitivo.
O bloqueio no plexo braquial - nome técnico da anestesia local, passou completamente e, assim,  recupero minha mão mas, em troca, ganho uma bela dor no ombro. É idêntica à dor de antes da cirurgia, só que elevada à décima potência.
Não acho posição pra dormir. Não durmo. Às cinco a dor é muito forte. Reluto em chamar a enfermagem, porque vou acordar a Thelma. Espero 40 minutos e então chamo.
Sou medicada, começo a melhorar. No quarto escuro, recomeçamos a conversa interrompida à meia-noite. Conversas no escuro me lembram infância. Irmãs, amigas. Confissões, segredos e risadas, com os olhos perdidos na penumbra. É reconfortante.
Vemos o dia amanhecer.

Dor e café da manhã
Depois do tylex, meu humor melhora e esqueço um pouco a dor. Mas preciso ficar com o braço o mais imóvel possível .
Finalmente meu café da manhã chega e, com ele, Richard, amigo e companheiro de trabalho. Ele corta o pão, passa a manteiga, pica o mamão. Brinco, dizendo que é bom se acostumar pois, provavelmente, ele vai cuidar das minhas refeições durante a semana. Ele se vai, com a promessa de me mandar umas lajotinhas da Kopenhagen. Hummmm. Acho que vou virar uma bola nas próximas semanas.
Chamo a enfermagem para me auxiliarem no banho. De novo é o William que se apresenta e, de novo, digo a ele que prefiro a companhia dele pra um programa dançante.
Jucineide e Josicleide não são gêmeas nem tampouco uma dupla caipira. São as enfermeiras que vem me ajudar com o banho.
Tirar a roupa é muito ruim. Depois de colocar o braço numa tipóia de plástico, tomo um banho quase normal. Preciso só de uma mão extra pra despejar o xampu na palma da outra mão. Enxugar o corpo é uma operação feita em equipe, com todo o cuidado. Vestir é doloroso.
Minha irmã Thelma seca meus cabelos.

Alta
Meu pai chega para me pegar.
Casanova e Gustavo aparecem pra me dar alta e fazer todas as recomendações. Julinha chega com os três pequenos que logo se encarregam de quebrar a máquina de doces e tranqueiras colocando quarters nela.
Depois de quase uma hora de espera na garagem do hospital {perderam o carro!}, vamos embora.

Tenho dor mas me sinto cuidada, querida, acolhida. O coração está quentinho. Daqui a pouco, a dor passa, os pontos caem, a vida volta ao normal. E o que vou lembrar disso será da visita das amigas e do amigo, dos torpedos e telefonemas carinhosos e das conversas com minha amiga irmã,  noite adentro e noite afora.


13 comentários:

  1. Claudia minha querida, fiquei torcendo aqui, e graças a Deus deu tudo certo. Tenha uma ótima recuperação, e logo logo estará na ativa novamente. Sei que é um saco digitar com uma mão só, mas nos mantenham informados, inclusive sobre o primeiro treino!!!! rss
    Beijão e se cuida direitinho aí.

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  2. Caraca...se soubesse que tinha sido tão animado assim, tinha ido te visitar...kkkkk. Mentira, não iria não. Hospital é lugar de descanso e recuperação. Saiba que torci e torço muito pra que TUDO seja rápido, passageiro e definitivo. Se precisar, é só gritar! Beijos

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  3. E você conseguiu escrever tudo isso só com uma mão? :-)

    Melhoras!!

    Abraços!
    Rodrigo Stulzer
    transpirando.com

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  4. O dormonid fez efeito, sem diminuir a verdade da sua afirmação. Você é MESMO dura na queda! E ainda escreve deliciosamente, até com uma mão só. Continuo torcendo para que se recupere muito depresa! Beijo grande.

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  5. Seu astral é ótimo e cultiva coisas boas ao redor. Isso só pode te reverter em uma recupração mais rápida. Bjs

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  6. Oi Claudia! Hoje pude me atualizar das suas "peripécias" (se pudesse, passava por aqui todos os dias!). SLAP mesmo hein!? Mas todo este trabalho tem um ótimo propósito: vc vai voltar mais forte e dor, só aquela boa, que a gente sente depois de fazer força!!! Por enquanto, FORÇA NA FISIO! Mas vc vai ficar boa logo, isto é certeza. Beijos e melhoras!

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  7. Claudia, fico feliz em saber que o procedimento cirúrgico transcorreu bem. Penso que a forma como você encarou tudo isso fez uma enorme diferença. Essa perspectiva de guerreira, mesmo diante do nosocômio (adoro esse nome feio) é uma lição em muita gente.
    Sábado treinei na USP com o triatleta Vagner Bessa, e falamos de você enquanto corríamos nossas 3 horas. É que conversamos o tempo todo, e daí ficamos trocando figurinhas sobre livros, e ele mencionou o "Travessuras no Canal da Mancha". Resultado, ele vai me dar o livro.
    Quanto ao livro do Saulo, o "Igual mas diferente", que está no meu blog. Lá há o email do Saulo, e você pode se corresponder com ele para adquirí-lo.
    Também passei por uma cirurgia, e fiz uma narrativa. Agora que você está com tempo, passa lá para dar uma lida: http://experiencialegal.blogspot.com/2008/12/cirurgia-da-tireide.html
    beijos, @JoelMaratonista

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  8. Até descrevendo um momento tenso desses você consegue ser divertida.

    Melhoras.

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  9. Claudia,
    Que bom que tudo correu bem e agora você está com sua famíla ao redor para te ajudar na recuperação.
    Muito bom ler seu relato, e principalmente saber que seu ânimo para evoluir continua em alta.

    Um grande abraço.

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  10. Que delicia ler teus posts!!
    legal saber que vc superou mais 1 obstaculo!
    1 beijo querida

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  11. Cláudia, desejo uma ótima e rápida recuperação!

    Que tudo corra bem!

    bjo, Gui

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  12. oi, claudia!!!

    estou adorando seu blog!
    e nesse momento tão delicado, e, creio, difícil, dá pra sentir a guerreira que você é...
    e uma guerreira bem humorada;)


    no outro post li a resenha que você fez do livro da ana mesquita! fiquei curiosa pra ler!
    vou procurar no site que você indicou!

    qual livro da jane austen você estava lendo no hospital?
    me apaixonei de vez por essa autora quando li a correspondência que ela mantinha com a irmã!
    as cartas revelam um pouco mais sobre sua vida, aquela mesma vida que a gente se acostumou a encontar em seus romances!

    sucesso na recuperação!
    espero que você logo logo esteja de volta aos treinos!

    bjs

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  13. Oi Claudia tudo bem. Passei aqui para te convidar para uma visita em nosso site www.4corredores.com.br Vc será sempre benvinda!
    Um grande abraço do amigo
    Marildo Nascimento
    www.4corredores.com.br

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