sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Filosofia de tipóia


Longe de casa
Logo depois de terminar a faculdade e fazer 22 anos, fui para a Europa. Passamos, Duca (meu namorado que veio a ser primeiro marido) e eu, dois meses viajando no inverno europeu e depois nos instalamos em Londres.
A idéia era passar uma temporada de ao menos um ano por lá. Ganhar a chamada experiência de vida, soltar a língua no inglês e sobreviver à base de subempregos com uma ajudinha dos pais pra não passar fome e ainda poder ir a um showzinho de rock de vez em quando.
Ficamos por lá um ano e meio, na década de 80. Não havia celulares nem internet. Pra gente se comunicar com os amigos e familiares era preciso escrever cartas, colocar selos e despachar pelo correio. Ou quando a saudade apertava, fazer uma "collect call". Era um contato muito menor e menos frequente do que seria hoje.
Passados os primeiros meses, depois que já estávamos instalados num pequeno bedsit em West Hampstead, comecei a me dar conta de que estava passando por um processo muito peculiar.
De repente, estava distante de praticamente tudo que compunha minha rotina no Brasil: casa, família, amigos, lugares conhecidos, língua, cultura. O único ponto de conexão com aquela Claudia que vivia em São Paulo era o meu namorado e, ainda assim, nossa relação passou de um namoro a um casamento - também muito diferente do que era.

A essência
Lembro-me de que pensava muito sobre isso: o quanto aquele desenraizamento voluntário e temporário me fazia entrar em contato com a minha essência. O que era eu, o que era hábito, relação com os outros, "influência do meio".
Não consigo recordar com exatidão o grau de profundidade das minhas reflexões. Nem sei se eram mesmo profundas. Mas tenho muito claro na memória a presença desta inquietação. Certamente minhas irmãs, tias, algumas amigas e minha mãe, devem ter cartas em que abordo o assunto. Vou pedir a elas pra dar uma olhada.

Ser ou estar
E o que isso tem a ver com o título deste post?
Simples. Há anos que venho treinando diariamente. Mesmo quando tive  fratura por estresse continuei nadando e fazendo musculação. Hoje completo nove dias absolutamente sem treinar e uma reflexão parecida com essa de Londres começou a me rodear. Estou estranhando minha rotina e, portanto, a pessoa que vive esta rotina.
Tenho dormido muito. Quase o dobro de horas que costumo. Não chutei o pau da barraca com relação à alimentação, mas tenho comido todos os doces que me oferecem. Sonho com treinos e provas. Mas tenho falado menos sobre o tema . Estou estranhando a mim mesma. Não muito. Mas estou.
E então, voltei a me perguntar algo parecido: estar triatleta passou a ser algo tão central na minha vida que passei a ser triatleta? Ou, pelo contrário, me tornei triatleta porque já havia traços (disciplina, obstinação, força de vontade etc) em mim propícios para isso?  E se eu deixar de praticar triathlon temporária ou definitivamente, vou perder minha identidade? Existe algo na minha essência, que relativo ao triathlon? Depende ou independe de eu estar treinando?
Tostines vende mais porque é mais frequinho? Ou é mais fresquinho porque vende mais?
Braço na tipóia, corpo ocioso, cabeça vazia, oficina do do diabo. Deve ser isso. De qualquer modo, vou na padoca amanhã pra viver, de algum modo, um pouco da rotina de treinos. E chega de fazer drama e tipo. Não vai demorar mais do que 15 dias pra eu poder dar uma corrida e pedalar.

10 comentários:

  1. Claudia, que oficina do diabo que nada! Mergulhar na própria essência deve ser o lado bom dessa história toda, vá fundo!

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  2. Nossa Claudia, eu penso nisto direto! Vc não está só - hahahahaha. Dá um gelo no peito só de pensar em parar ou diminuir... mas temos que encarar pois, momentaneamente ou não, uma hora vamos parar - diminuir. Eu penso muito nesta coisa que vc comentou sobre disciplina, obstinação, força de vontade. Tb acho que um triatleta que se mantém no esporte já vem com isto. Este perfil faz com que a rotina e dureza dos treinos não sejam assim tão duras para nós. Eu penso que o tri amador é um meio da gente extravazar toda esta derterminação, etc..., sem nos tornarmos pessoas, "teimosas, complicadas", ajuda a oucupar um pouco a mente e suprir esta necessidade de fazer coisas difíceis, além de ter uma recompensa imediata: endorfina (mais gás para fazer coisas mais difíceis - rsrsrsrsrs). Sem o triathlon, bom... possívelmente vamos arrumar alguma outra coisa "impossível" para fazer (é o que eu penso, para me consolar deste futuro sombrio - hahahahahahaha). BJÃO

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  3. Vc é triatleta por sua disciplina,obstinação,força de vontade,talento e etc.Quando voltar a treinar toda a reflexão vai por água abaixo.Eu fiquei 10 meses sem treinar devido a uma queda de bike,e as minhas reflexões viraram depressão.Quando voltei a treinar tudo desapareceu,sem remédios,análise ou coisa do tipo,somente o treino,santo remédio para qualquer coisa.Bjs.

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  4. Cara Claudia,
    Ficar parado é realmente algo penoso, ainda mais, quando se tem o treino, as provas e todo o convívio com pessoas desta mesma natureza.
    Acredito que alguns "estão" atletas, outros nasceram atletas e vão viver com isso até o fim.
    Enfim, nos treinamos seja agora ou mais tarde, mas nos treinamos.

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  5. Vamos aproveitar os momentos felizes, pois eles passam. Paciência nos momentos difíceis, pois eles também passam.

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  6. Um dia, conversando com um amigo no vestiário após a natação, disse que eu iria para a Ilha do Mel para surfar. Ele, com ar meio nostálgico me disse: "Eu também era surfista". Olhei pra ele sem entender e disse que uma vez surfista, sempre surfista.

    Hoje, uns 20 anos depois daquele papo de vestiário, eu finalmente entendo. Não sou mais um surfista, mas em compensação, sou muitas coisas que na época não era: me formei, sou médico, saí de casa, casei, tornei-me pai.

    Seu post (texto, como gosta a Ana e como acho que também deve ser chamado) atingiu em cheio onde deveria atingir. Passa exatamente sua angústia, sem auto piedade e sem drama, como você insinua no final. Por isso que seu blog é realmente espetacular.

    Somos todos uma obra inacabada! Sempre "ESTAMOS" muitas coisas, mas essas coisas não definem quem realmente "SOMOS".

    Tô com a Thelma que falou pouco e muito bonito! Tudo passa, felizmente o que é ruim também!

    Beijos e (mais uma vez) conte sempre comigo!

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  7. Cláudia,

    Uma amiga minha triatleta, a Deise Jancar (vai fazer o Iron 2011), me indicou o seu blog para ler. Aliás, a Deise usa todas as suas dicas e anda por ai comendo minhoquinha, bisnaguinhas, etc.
    O seu blog é SENSACIONAL!! Ao ler seus textos tenho a impressão que vc é uma velha amiga batendo papo com a gente. É algo do tipo que vc começa a ler e não quer parar até chegar o fim. Vc escreve muito bem, texto leve, dinâmico, pontos vista interessante, sacadas muito legais.
    Adorei o texto "Vozes" e o outro que compara o Ironman a um casamento.
    Um dia desses precisei faler um longão de 90 km no sábado na USP e era um dia de vento terrível e me lembro de ter pedalando uns 40 e poucos km junto com o pelotão da MPR, fui na cara de pau e aproveitei a roda. Aliás, foi um sábado de USP muito cheia e tumultuada, e no final do pelotão me lembro de ter notado uma moça de estatura pequena numa bike giant, acho que era vc.
    Mandei o link para o meu marido que não é atleta, mas acompanha e apóia minhas loucuras esportivas e ele leu o blog de cabo a rabo. Inclusive ele até encomendou pela internet a meia dos dedinhos para nós dois...rs.
    Eu treino no Butenas, a Viveka treina comigo. Até comentei com ela sobre as dicas das sacolinhas special needs.
    Quero muito fazer um Ironman, mas tenho um projeto mais importante antes, ter um filho. Ainda estou tentando e este ironbaby deve me consumir uns dois anos antes de tentar fazer um Iron. Mas se vc com quatro filhos fez um ironman, eu com um também conseguirei!!
    Parabéns pelo seu blog. Quando te ver na USP vou gritar para vc. beijos

    Corina
    corinasg@yahoo.com.br

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  8. Oi Claudia!

    Acho que quando a gente se afasta de uma atividade é que conseguimos ver realmente as coisas por outro ângulo. É quando o "vício" dá uma trégua e começamos a pensar de outra maneira. Se isso está certo ou não, é quase impossível saber.

    Quando eu fazia voo-livre era um viciado total. Só quando aconteceram alguns acidentes e resolvi dar um tempo é que consegui ter uma visão "de fora". Algum tempo depois deixei de voar, mas não de praticar esportes.

    Abraços!
    Rodrigo Stulzer
    transpirando.com

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  9. Claudia, claro que isso tudo é mais uma grande possibilidade de você aprender com a vida. Mais uma chance de conhecer melhor o seu corpo, como ele reage às mudanças bruscas, sem contar com a sua sanidade. Sim, essa é a parte mais importante, manter o equilíbrio diante das dificuldades que apareceram nesse curto momento que você está passando. Lembra do Agassi? Então, já que você vem com a Filosofia de Tipóia, te deixo com a Filosofia de BBB (Big Brother Brasil): "Faz parte!" Ah! Antes que eu esqueça, 15 dias já são apenas 13 dias... he he he. Beijos, @JoelMaratonista

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  10. Claudinha, vc é uma figura !!! Mas lembre o que vc falou na padoca...aproveite esse momento. Temos que sempre tirar proveito de todas as situações pelas quais passamos na vida. Boas ou ruins,sempre temos o que aprender com elas. Aproveite esse tempo pra descansar, para fazer um planejamento de como será quando você voltar a treinar pro Iron do ano que vem. Por enquanto relaxa e vai preparando a cabeça pro que virá. Pensa que o importante é conseguirmos treinar com força total nos ultimos 3, 4 meses pra prova, e pra isso ainda temos tempo...se cuida e por enaquanto vamos marcando as padocas...Bjos !!!

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