quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Na minha companhia

Nos últimos tempos tenho fugido do assunto "treinos". Não só porque estava meio café-com-leite mas também porque outros assuntos me pareceram mais interessantes e relevantes. Mas hoje volto às origens.
Terminei as sessões de fisio, voltei a nadar,  mas o ombro ainda está se recuperando. A cirurgia foi apenas há dois meses. Meus joelhos estão sub judice desde o Iron. Não posso abusar. Isso tudo diminuiu meu rendimento cárdio - respiratório. Ganhei um pouquinho de peso.
Tenho treinado bastante na minha própria companhia. Não porque não goste de parcerias - muito pelo contrário - mas porque estou num momento de readaptação em que preciso, mais do que nunca, prestar atenção nos sinais que o corpo me dá e  adequar meu ritmo a essas informações. Perto dos outros, conversando, tentando acompanhar, me distancio de mim mesma.
No domingo de feriado, fui para Romeiros. Fazia muito, mas muito tempo mesmo que eu não ia. Minha primeira e única tentativa de ir este ano foi frustrada. No pedágio o carro pifou e acabei indo pra USP.
Além do meu marido, estavam mais três colegas de MPR fortes e animados - Daniel, Marquinhos e Flávio. Sai do carro, me arrumei e dei adeus. Sabia que eles me alcançariam, passariam e deixariam bem pra trás, portanto, quanto antes eu saísse, menos eles teriam de me esperar na volta. Eles ofereceram companhia, acharam que eu estava antissocial, mas não era nada disso. Simplesmente não queria fazer nenhuma concessão em matéria de ritmo: iria muito devagar pra não detornar joelhos nem sentir dores no ombro.
E lá fui e fiz 70 kms solitária. Sem sofrer. Fiz Romeiros sem sofrer! Está certo que não vou contar qual foi minha velocidade média mas, pra vocês terem uma idéia, mal suei.
Dois dias depois, na terça do feriado, estava em Igaratá e resolvi fazer um longuinho de 18k. Saí, como sempre, do sítio dos meus sogros e rumei pela terra até a estrada de asfalto que liga Igaratá a Santa Isabel. Normalmente sigo em direção à Santa Isabel e, embora a paisagem circundante seja agradável a estrada não tem acostamento e vou pela contramão meio tensa, pois caminhões e "pois zés" cruzam comigo sem cuidado e sem desacelerar.

Estrada do Rio do Peixe
 Não costumo ir em direção à Igaratá porque é um trajeto muito curto, de cerca de 1,5 km, então não vale a pena. Mas nesse dia decidi ir pra lá primeiro, antes de rumar pra direção oposta. Ao chegar no portal da cidade em vez de fazer meia volta, segui em frente. Passei pela pracinha, pela rodoviária, pelo supermercado. Ou seja, cruzei a cidade inteira. Então reparei numa placa que nunca tinha visto antes: Estrada do Rio do Peixe, Igaratá Velha  6 km.  Por que não? pensei. E fui embora pela estrada. Asfalto precário e esburacado mas um entorno de colinas íngremes, pequenos sítios, flores, exemplares de araucária e, de vez em quando, uma nesguinha da represa (ou seria o tal Rio Verde?). Senti-me em Campos do Jordão. Pra completar, quase não me deparei com veículos motorizados. Mudei a trilha sonora animada e eletrônica e substitui por Norah Jones e Kevin Johansen pra combinar com o clima bucólico. Naquela toada, infiltrada naquela paisagem entrei naquele transe que só quem corre sabe como é. Um transe em que você fica completamente sintonizado com seu corpo mas, ao mesmo tempo, está integrado ao ambiente como se fosse a atmosfera que está nele e onde ele está: perfumes, cores, texturas, formas. Meu desejo era seguir por horas a fio, confundida com aquele lugar.
Sabia que não poderia correr adiante por tempo indeterminado.  Uma hora teria de voltar sob pena de me machucar. O que me consolou foi pensar que na volta, veria a mesma estrada de um ângulo diferente e também o fato de que poderei retornar ali quando for a Igaratá. Mas, na próxima, deixo o carro na cidade, de lá pego a estrada e vou até...?
Na sexta passada fui correr pelas ruas de São Paulo logo ao amanhecer. Lá pelas tantas, cheguei à entrada do Minhocão e, vejam só, ele ainda estava fechado para o tráfego. Faltavam 15 minutos para abrir. Não tive dúvida. Tive o privilégio de correr solitária pelo Elevado, enquanto a cidade despertando, se agitava logo abaixo dos meus pés e me espiava sonolenta das janelas dos prédios ao redor. Calculei o tempo exato para não ser pega de surpresa pela abertura da cancela. Imaginar-me ilhada no viaduto com os carros passando rentes a mim não era nada convidativo. Desci a rampa no instante em que o o marronzinho da CET se encaminhava para abrir o portão. Uma caravana de carros aguardava impaciente.

Treinar junto com outra pessoa é divertido. Conversamos, rimos, brincamos. Mas nos distraímos, desconectamos do nosso corpo, das nossas sensações, da percepção do que está em volta. Algumas sensações só conseguimos ter se estamos focados naquilo que estamos fazendo, se sairmos do verbal, pararmos de pensar em palavras e nos concentrarmos no sensual (relativo aos sentidos, não à sexualidade). Em nossa exclusiva companhia, na cidade adormecida, no campo desconhecido, por entre as curvas de Romeiros é possível aprender um pouco mais sobre a gente mesmo e sobre o mundo.

7 comentários:

  1. você fez treinos maravilhosos, cláudia!

    eu sou apaixonada pela estrada dos romeiros, meus longões acontecem quase sempre por lá... e há uns trechos, quase sem carros, em que experimento essa sensação de completa integração com o ambiente... nem levo música... sigo apenas ouvindo meus próprios passos, e a agitação da copa das árvores...

    às vezes é preciso mesmo seguir sozinha, pra retomar essa sintonia com nosso corpo...

    bom retorno aos treinos!

    um abraço!

    http://elismc.blogspot.com

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  2. Eu só corro sozinho. Se pudesse só nadaria sozinho também. A sensação de estar sozinho comigo mesmo e junto de todas as coisas que não sejam pessoas ao meu lado quando estou correndo é uma das que mais me anima.

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  3. Oi Cláudia gosto da maneira como vc escreve.

    Gosto de ter companhia para correr mas não necessariamente esta pessoa tem que ir ao meu lado. Gosto de saber que tem gente a frente ou atrás mas gosto de ir no meu rítimo. As vz qdo estou em uma subida forte e dando meu tudo e a pessoa do lado correndo como se estivesse no plano, sem nem ofegar, ai isso me irrita rsrsrs
    Eu penso: um dia estarei subindo aqui, tranquila, com alguem como eu hj, morrendo!!!!
    Huummm será q sou vingativa????? Só um pouquinho né?!

    bjs Clau, ótimos treinos e recuperação.

    Lu

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  4. Oi Cláudia,

    Legal seu post, acabei me identificando bastante com essa situação.
    Existem momentos em que também preciso desse tempo comigo mesmo...
    Parabéns pelo seu blog, tem sido muito inpirador para mim. Sempre acompanho seus textos.

    Abraço e bons treinos.

    Ferreira

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  5. Verdade!
    Por isso a maior parte dos meus treinos faço sozinho.
    De repente, pedalar em rodovia é perigoso mas sinto meu corpo..converso com ele..."saco" o q ta pegando de acordo com o treino.
    Sempre muito bom teus posts, amiga!
    beijo

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  6. Oi Claudia! Legal ver que vc está se recuperando bem, retomando os treinos, vivendo experiências diferentes, como treinar sozinha! Foi bom ler seu post sobre a dor, assunto que muito me interessa nos dias de hoje. Um beijo!

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  7. Um relato de Iron!!! muito bom!!! Boa recuperação para ti, e que garra!!! Faço meus longos as vezes só e tb sinto essa conexão com o nosso corpo... é um autoconhecimento. Mandou bem!!!

    bjs Pri

    www.corridasemaratonas.com.br

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