terça-feira, 23 de novembro de 2010

Peço desculpas!

Levei um puxão de orelha de um leitor - lá de Portugal - por causa do meu último post. E, relendo o que escrevi, e considerando o que ele ponderou, tenho de reconhecer: peguei pesado com os laranjinhas retardatários.
Segue um trecho da mensagem que ele me mandou:

Sempre leio os teus posts e são 5 estrelas! Muito bons mesmo! Desta vez porém fiquei triste por ler algumas palavras tuas. Desanimado até…Eu explico…eu sou um dos toucas laranjas que falas no teu post. Nado mal mesmo! Nado crawl mas devagar, porque não tenho (ainda) técnica nenhuma. Aprendi a nadar em Julho. (antes eu sabia andar na agua) LOL. Devo desistir do triatlo ? Mudar de desporto? Devo ficar quieto no meu mundo das corridas e só passear de bike na praia?
Não gosto de atrapalhar ninguém e por isso quando treino na piscina e incomodo alguém que nada mais depressa do que eu ( quase toda a gente) tenho o cuidado de pedir desculpa. No unico triatlo que eu fiz deixei-me ficar bem atrás, principalmente para não levar porrada.
Nesta prova que falas contudo, se eu saísse 5 minutos antes de ti eu iria certamente estar ali no meio desses toucas laranjas a atrapalhar. Na bike a mesma coisa. Quer eu tivesse 20 ou 50 anos sem história na bike é preciso treinar muito para conseguir uma boa média na bike.
Mas para evoluir é preciso ir lá sentir a adrenalina mas infelizmente atrapalhar também os profissionais do triatlo.
Acho que tem de haver muitos toucas laranjas, embora também seja preciso que esses toucas laranjas tenham o bom-senso de deixar passar quem nada e pedala mais rápido ( na agua é mais dificil).
Senão houvesse toucas laranjas a participar tínhamos triatlos com 15 participantes (pelo menos aqui em PT).

Fiquei chateada comigo mesma de ter passado a idéia de que gostaria de um triathlon só com gente rápida. Justo eu!? Eu que nado mais ou menos e pedalo mal? Justo eu, que sou daquelas traumatizadas, escolhida por último na aula de educação física? Não! Nunca! Sou totalmente a favor da inclusão e da participação de todos! Não! Nunca! Não quero, em hipótese alguma, defender a elitização do triathlon - que já é bastante elitista por razões financeiras - mas que tem, como um de seus grandes méritos, acolher profissionais e amadores, sem distinção.
Não falava sério quando me referi às touquinhas laranjas, retardatários que estavam pelo caminho, chamando-os  de "annoying oranges" - um personagem de vídeo chato pra caramba. Fui infeliz, já que posso ter ofendido pessoas que não são muito rápidas nem habilidosas mas estão lá batalhando, fazendo o melhor que podem, aprendendo com aqueles que são mais experientes e/ou mais talentosos e tomando o maior cuidado pra não atrapalhá-los.
Não são os mais lentos que estragam as provas de triathlon. São os mal educados, que não agradecem os volutários; são os sem-escrúpulos, que ficam na roda dos outros quando não é permitido o vácuo; são os sem-noção, que ultrapassam de forma perigosa; são os sem moral, que usam de doping pra conquistar as tão almejadas vagas pra Kona.
Então, por favor, me perdoem aqueles a quem posso ter magoado ou desanimado com minhas brincadeiras.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

De volta - Pirassununga 2010

Como é bom participar de provas. Não só pra competir, mas, principalmente, por fatores extrínsecos: conhecer pessoas novas, encontrar amigos, conviver por mais tempo e ficar mais amiga ainda de quem a gente já conhece.

O ano passado já tinha sido assim. Este ano foi, de novo, muito legal.

Começou com um telefonema da Cris, amiga da MPR que praticamente não treina mais, perguntando se tínhamos lugar pra ficar em Pira.  Em Pira, não tínhamos. Íamos ficar em Leme, que é próxima, mais nem tanto.  Então ela disse que um amigo - Rogério, também da MPR, estava indo sozinho pra uma casa bem perto da AFA (Academia da Força Aérea, onde acontece o Long) e perguntou se ela conhecia alguém que procurava lugar pra ficar. Na mesma hora liguei pras minhas parceiras Thelma e Julinha, que toparam sem pestanejar.

Véspera - aniversário da Thelma
Saímos sábado de manhã de SP. Thelma e eu, Julinha com meu filho Martim e Rogério. No caminho tivemos de fazer umas paradas estratégicas, já que estávamos naquele esquema de hidratação.

Chegamos em Pira quase uma da tarde. O sol estava derretendo o asfalto. Nos encontramos os cinco no Brasinha, um restaurante indicado por um amigo meu que é de lá. Graaande pedida. Nada de massa. Comemos um tal de Aruã - peixe amazônico - com arroz, batatas cozidas e legumes. E o papo com o Rogério, que tínhamos acabado de conhecer, rolou solto.

Passamos na nossa maison que tem o sugestivo nome de Paradise Lazer, deixamos as coisas e fomos buscar os kits. Dez minutos do nosso lar provisório até a entrada da AFA. Melhor, impossível. Chegando lá conheci um amigo blogueiro, o Rafael Farnezzi e e encontrei o meu amigo também blogueiro, sempre simpático e sorridente, Arthur Araújo.

Da esquerda pra direita: Rodrigo, Emerson, Daniel, Thelma, eu, Pocinho e Julinha, na Cantina Don Pepe.

Como era aniversário da Thelma, ainda em SP, reservei uns lugares numa cantina, encomendei um bolo e chamei o pessoal pra encontrar lá.

Foi delícia. Comida boa, lugar simpático e barato, clima gostoso, conversa animada e, o melhor de tudo, pessoas legais: Daniel e Vivi com a filha Julia (que rapidamente se entendeu com meu filho Martim, apesar da grande diferença de idade), Rogério, Emerson, Rodrigo, Carlos Pocinho, Julinha, Thelma e eu e a turma da Sumaré que passou por lá também. Fabiana, Mônica, Thiago e a Cururu que estava na maior ansiedade porque iria estrear na distância 70.3.

De volta ao nosso paraíso particular, Rogério, Thelma e eu ligamos o modo PPP - preparação pré prova. Enquanto isso, Martim e Julinha jogaram os colchões no meio da varanda, se jogaram em cima deles e desligaram.

O enigma da Julinha
À noite o paraíso não tão paradisíaco. Difícil dormir. Sirenes, músicas, luzes, conversas. O despertador tocou no melhor do sono.
Alguém precisa me explicar como a Julinha que chegou e caiu na cama sem arrumar nada, estava pronta na mesma hora que Thelma, Rogério e eu sem ter acordado uma hora mais cedo. É um mistério profundo.

Chegamos na AFA cedo, encontramos o Emerson e o pessoal da MPR e eu nem estava com aquele friozinho na barriga. Encontrei Corina Silveira e seu marido - ela estava super ansiosa; o Evandro - meu parceiro de Iron, que disse que ia passear no parque (em Pira não dá, Evandroooo!) a Cururu... um monte de gentes. E estava aquele clima de festa.

A expectativa era passar um calorão. Como disse a Thelma no blog dela, iríamos descer ao inferno. Então, estando lá, nada mais natural do que aproveitar e abraçar o diabo. Algo parecido com ir a Roma e VER o Papa.

Natação e os laranjas
E foi dada a largada. Os homens, cinco minutos antes das mulheres. E alguém me explique também como é que antes da primeira bóia na primeira volta eu já estava tropeçando em alguns deles. Dali em diante, só foi aumentando a densidade dos annoyings oranges (as tocas eram laranjas). E eu nem nado tão rápido assim. Eles é que nadam muito mal. Desculpe, pessoal, mas nadar 1900 metros de PEITO!? Acho mais honesto mudar de esporte. Ou aprender a nadar crawl.

Não sei ainda, mas ACHO que minha natação foi pior – o que era de se esperar – o pedal também ACHO que foi igual ou melhor do que ano passado e a corrida também deve ter sido um pouco mais alta este ano.

Nadei tranqüila, forçando um pouco mais na segunda volta. Senti sim, o braço um pouco cansado e dolorido no final, mas não demais. Na transição tentei passar um pouco de chamois butter mas, como não tem tenda, não deu pra espalhar como se deve. Resultado: fiquei com vários cortes e assaduras nas nádegas. Coloquei uma faixa no cabelo, capacete, óculos e sapatilha. Sem estresse, apesar do meu filho Martim ficar dizendo "vai mãe, vai logo!"e saí pra pedalar. Deixei numa marcha bem leve, porque a saída é numa subidinha e não tive dificuldades.

Ciclismo - porque eles não me passam?
Fiz a primeira volta mais tranqüila, apertei na segunda e na terceira e a quarta foi igual a primeira. Passei várias mulheres (e alguns homens) e não fui ultrapassada por nenhuma. Fiquei no clipe o tempo todo (e o ombro não doeu), volantão e volantinho só em duas pequenas subidas.

Não vi pelotões e nem gente pegando roda. Ouvi dizer que tinha um pelotão grande mas não passou por mim. Algumas vezes eu encostava em alguns caras que tentavam escapar, escapavam por um tempo mas, dali a pouco, eu já estava emparelhada de novo e às vezes até passava. Pensava com meus botões "eu com essa perna de mentirinha, mais velha, do suposto sexo frágil e com uma bike que não é nenhuma Ferrari... o cara com idade pra ser meu filho (ou pelo menos um caçula temporão), com esses pernões, do sexo (fisicamente) mais forte, com uma puta de uma bike..." Dava vontade de dizer: "Vai embora, cara! Você tem obrigação de me passar e sumir!"

Ao longo do percurso, os milicos, muito sérios, indicavam o caminho correto. Na terceira volta, não aguentei. Passava por eles e intimava: "E a torcida?Pô, pelo menos pras mulheres!". Os caras abriam um sorriso DESTE tamanho e gritavam: "Vai 53!" Aí eles voltavam a parecer moleques, como outros quaisquer!

Um pouco antes do final da bike emparelhei com um menino muito simpático. Comentamos sobre o calor e o abraço que daríamos no coisa-ruim na hora da corrida. Rimos os dois. Ele entrou na área de transição logo à minha frente e tinha a maior galera torcendo pra ele: "Vai, Cesinha! Aê, Cesinha!" Eu não aguentei e disse pra ele: "Cara, você tem a maior torcida particular da prova! Também quero!". Aí, a Fabiana que é uma amiga e estava nesta torcida, ouviu o que eu disse e gritou "Vai, Claudinha!". Eu ri e comentei com ele: "Viu?! Não é só você que tem torcida!" Não consigo deixar de me divertir e falar essas bobagens. Mesmo que sabendo que deveria ficar quieta pra poupar energia.

Na transição, coloquei uma viseira, garmin (que não achava o satélite no começo e me atrapalhou um pouco) e não passei mais protetor solar e nem vaselina nas axilas – o que me deixou com uma linda assadura e um bronzeado ma-ra-vi-lho-so - carimbo do diabo. Sai pra correr debaixo daquela lua. Tomei água ou gatorade em todos os postos, pelo menos um golinho. Agradecendo sempre. Coisa que pareceu surpreender os meninos que, muito gentilmente, respondiam entre espantados e felizes: "De naaada! Não tem de quê!"

Corrida - alguém tem um par de panturrilhas aí?
Nos primeiros 9 km – quase metade da prova – senti um tremendo cansaço nas panturrilhas. Inclusive pedi pro Kim um par novo, quando ele me ofereceu água. A Kelly (triatleta, ortopedista e amiga) bem que tentou me emprestar, mas não era meu número. Felizmente, dali em diante, melhorou e consegui correr sem tanto sofrimento. Mantive 5m20, 5h30. Na sombra e nos declives – que são suaves mas a gente sente a diferença – consegui ir um pouquinho mais forte. As palavras de incentivo das pessoas tanto no ciclismo, quanto na corrida, sempre animam a gente. Flavinho (que quebrou no pedal), Pedro (que veio direto de Miami só pra largar e pedalar, mas não fez a corrida), Marcos (que se contundiu em Clearwater mas veio assistir) e Mariana Hubinger (parceira de pelotão) que vieram de São Paulo, Mônica Bolognani, Mariana Prado e Diglu da 5 Ways, a Fabiana, Marcelo e Marcinha da Planet, Rodrigo e o Emerson da MPR, pessoas que cruzei durante a prova como o Lester, Marquinhos, Beto, da MPR,o mestre Vilela, de Santos, a Camila da Trilopez, a Vivi e o Daniel - que tiraram a foto abaixo e, claro, meu filho Martim.  Saber que ele me esperava na chegada não me deixou nem PENSAR em andar.
Chegando feliz. Foto Viviane Blois.

No final, ainda tive de dar um sprint porque uma atleta que eu havia passado no km 15 resolveu que queria chegar na minha frente, se aproveitando do fato de o Martim, me filho, vir correr os últimos metros comigo. E o Emerson tinha acabado de me dizer - você está emntre as dez primeiras! Cuidado atrás!". Mas nós não deixamos! Tirei energia do fundo do coração, o Martim se esfalfou, mas chegamos antes da adversária. Quase alcançamos a Julinha. Por 20 segundos. Teria sido o máximo cruzarmos a linha de chegada os três juntos. A Thelma nem vi. Só ouvi. Ela chegou em terceiro geral, dando pau em duas profissionais e sendo escoltada por motocicletas e suas sirenes. Melhor presente de aniversário, impossível! E ela merece.

Final feliz
Terminei cansada, mas sem cãimbras, nem dores. Fiz a prova em 5h24m03 mas não sei ainda as parciais. Ano passado, foram 5h18m32 mas não estava tão quente – parece que ontem chegou a fazer 35 graus durante a prova. A Ariane por exemplo, fez 4h23m ano passado e 4h30 este ano; a última colocada o ano passado fez em 7h06m e, a deste ano, em 7h36m. Acho que isso quer dizer que a prova foi mais difícil.
Fiquei em 1º na categoria (com quase 30 minutos em cima da segunda colocada) e em 10º no geral feminino. Bom demais para quem saiu do estaleiro há pouco e nem treinou tanto assim.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O amor fora de hora, o esporte amador

Estou cansada do amor. O amor tudo vence. Só o amor constrói. Amor, com o amor se paga. No amor e na guerra vale tudo. Ama ao próximo como a ti mesmo. Será?
O amor virou moda. Além de amar mãe,  pai, cônjuge e filhos, agora também precisamos amar o trabalho e, pior, amar as pessoas com quem trabalhamos. Haja amor! Bons médicos, amam sua profissão e devem tratar seus pacientes com amor. Professores, então! Nem se fale. Ai da professora que não amar seus alunos. Todos eles, sem exceção. Atores, artistas, músicos... os bons mesmo, têm paixão pelo que fazem. Será?
Me desculpem os amantes desse amor todo, mas não só acho isso mentiroso, como também penso que pior seria se fosse verdade.
Sem querer atrever-me a definir o que é amor vou, sim, ousar e afirmar que a presença de tal sentimento não é tão necessária quanto vem sendo apregoado ultimamente.
Em primeiro lugar, não é possível se obrigar a amar. Até hoje a poção do amor é procurada, mas sem muito sucesso. Talvez o alcool seja o que tenhamos de mais próximo a um afrodisíaco. Quem é que nunca viu (ou se viu) bêbado declarar seu amor para os entes queridos e pros entes nem tão queridos assim? Dificilmente se pode levar esses arroubos de afetuosidade muito a sério. Mesmo porque, no dia seguinte, o apaixonado já nem lembra mais de todo aquele amor.
Mas esqueçamos os bebados e os afrodisíacos.
Um médico, um professor, um técnico, não precisam amar o que fazem. Mas precisam ser comprometidos com as escolhas que fizeram em sua carreira e trabalhar com profissionalismo.
Esta idéia de que fazer o trabalho com amor é, necessariamente fazer um trabalho bem feito é perniciosa, pois pode eximir o sujeito de suar, ralar, estudar, aprender, ir em busca de conhecimento. Pode desprofissionalizar a relação dele com sua ocupação.
A professora não precisa amar todos os seus alunos, o médico não precisa amar seus pacientes. O técnico não precisa gostar de seus atletas. Mas todos têm a obrigação de respeitar seus pacientes, alunos, atletas. E o médico precisa ouvir e olhar para o ser humano que está á sua frente e ser capaz de colocar-se no lugar dele, ser compassivo com o doente e sua família, sacar que se para ele, médico, a doença e o tratamento são rotina, pra maioria dos doentes e suas famílias, não! Não precisa de amor. Conhecimento,solidariedade, humanidade, compaixão, sim. Amor? Não necessariamente . O professor tem a obrigação de fazer o melhor de si e acreditar que todos, sim TODOS os seus alunos são capazes de aprender, e investir nisso. A despeito das "famílias desestruturadas" de uns, da pobreza de outros, da aparente lerdeza de alguns. Todos podem e é obrigação do professor dar o melhor de si para que todos tenham oportunidade de aprender. Mas, pra saber o que cada um precisa e como ensinar, é preciso avaliar, estudar, planejar. Amor? Supérfluo. O técnico, idem. Precisa estar atento, analisar a individualidade de cada atleta, buscar a melhor palavra, o melhor exercícío, a "dura" mais precisa. Mais uma vez, pra ser competente, é necessário observar, estudar, avaliar, pesquisar. Amar?
E o tal do amor-próprio? Defendo uma idéia relativamente simples: este amor advém, principalmente, da confiança que construímos acerca das nossas capacidades. Elogios, aprovação e cumprimentos dos outros, ajudam, mas não são a essência. O principal é perceber que (nos)superamos, aprendemos, que conseguimos conquistar com braço forte.
Não há lugar onde o amor se encaixe melhor do que no esporte amador. O amador se entrega a essa ocupação sem esperar recompensa, pagamento ou reconhecimento. É um amor desinteressado mas, ao mesmo tempo,  altamente comprometido. É como amor a uma causa: dá sentido à nossa vida, nos dedicamos a ela, nos sacrificamos e não esperamos nada em troca. Quase um amor canino.
Não estou dizendo que os atletas profissionais não possam amar e se divertir com sua ocupação. Mas é seu ganha pão. Existe a obrigação de treinar, de competir, de ter resultado.  O amador refaz a escolha a cada dia que se levanta pra treinar: está desobrigado, mas escolhe levantar cedo e treinar. Escolhe não ir dormir tarde, escolhe abrir mão da festa.
E, embora o amador ame (quase) incondicionalmente o esporte ele é sim, recompensado algumas vezes. Na sensação agradável de terminar um treino longo e constante, na hora em que consegue atingir uma determinada marca, na disposição que conquista para tocar sua vida.
Amor é amor. Não é possível nos obrigarmos a a amar e, para ser duradouro, é necessário cuidados diários. E, de uma hora para outra, ele pode acabar ou ir morrendo aos poucos. Mas tanto na vida afetiva quanto na esportiva, não podemos deixar de aprender com nossas histórias de amor. Pois é isso que nos permite amar novamente, mais e melhor: pessoas ou esportes.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Para não ser esponja

Minha sábia mãe vive dizendo que nós precisamos formar nossas crianças e jovens para serem filtros e não esponjas. Em vez de absorverem tudo que se lhes coloca pela frente, que passem a ter critérios de modo que possam fazer escolhas.
Mas isso não é nada, nada simples. Nem mesmo para nós adultos. Por exemplo: desde que a Nike inventou que, para correr, é preciso um tênis especial, ninguém duvidou. No mundo inteiro corredores passaram a procurar aquele tênis, convenceram-se de que sim, amortecimento é crucial, saber se sua pisada é supinada, pronada ou neutra pode mudar o rumo de sua vida ou, ao menos, de sua passada.
Mais empresas, mais tecnologia. Diferentes modelos para treinos e competições, para corridas longas ou curtas, para corredores rápidos ou lentos. As revistas especializadas têm, ao menos uma vez por ano, a obrigação e o hábito de lançar um guia para o pobre consumidor/corredor para orientá-lo na árdua tarefa de escolher um tênis. Flexibilidade ou leveza? Amortecimento ou resiliência? São tantas opções que, para acertar na escolha é preciso debruçar-se sobre o guia e fazer um longo e detalhado estudo. Claro que no momento em que o feliz consumidor consegue finalmente escolher, a Asics já lançou um novo modelo com ainda mais tecnologia.
E...bem... quem foi que disse que toda esta parafernália faz diferença? Quem viu pesquisas e estudos provando que o amortecimento, por exemplo, diminui as lesões? Quem disse que a pessoa que pisa em pronação precisa de uma correção compensatória? Vou além: quem viu um estudo ou pesquisa que não tenha sido patrocinado pelos próprios fabricantes de tênis? Quantas vezes paramos para duvidar daquilo que parece "científicamente comprovado"?
Anúncios de televisão mostram um senhor, nem tão idoso, nem tão jovem; a idade é suficiente para o levarmos a sério. Trajando jaleco branco, ele nos garante que o produto X é comprovadamente mais eficiente que os outros. Confesse: você fica, ou não, inclinado a acreditar nele?
E olhe que nós, que temos acesso a internet, lemos e ou escrevemos blogs, somos realativamente bem informados e críticos. Ainda assim, caímos em alguns contos do vigário.
Como pais, a responsabilidade é ainda maior. Não só porque somos modelos para os pequenos como também porque é fundamental ajudá-los a perceber as artimanhas da publicidade para seduzi-los. haja paciência, argumentos e perseverança para dizer "não" aos filhos explicando porque.
Ser filtro, e não esponja, implica, principalmente, em saber ler. Não ler de qualquer jeito. Mas ler dialogando com o texto. Perguntando quem escreveu este texto? Para quem escreveu? Com que intuito? Parece óbvio? É não. A revista O2, por exemplo, faz cobertura de provas e também organiza provas. Você costuma prestar atenção nos anunciantes das revistas? Você repara se existe alguma coincidência entre matérias e anúncios? Vocês souberam que houve uma grande paralisação nos bancos durante o período eleitoral? Notaram que a mídia praticamente ignorou este fato? Quem são os maiores anunciantes dos jornais e das TVs em horário nobre?
Não estou dizendo pra ficar paranóico, pentelho, vendo pelo em ovo. Mas para, principalmente nos momentos em que se tem de fazer uma escolha, uma compra ou tomar um decisão, não procurar atalhos e nem se deixar levar por aparências.
Ser filtro, e não esponja, implica num exercício permanente de duvidar e de se informar. A autonomia intelectual e moral, embora comece seu desenvolvimento ainda na infância, precisa estar permanentemente em uso. Não é para preguiçosos. Não é para acomodados.

Ah, para saber mais sobre o assunto corridas x tênis recomendo o livro Nascido para Correr: a experiência de descobrir uma nova vida, de Cristopher McDougall, da editora Globo.
E sobre o assunto criança x consumo,  o filme Criança, a alma do negócio, disponível para download na página do Instituto Alana .