Minha sábia mãe vive dizendo que nós precisamos formar nossas crianças e jovens para serem filtros e não esponjas. Em vez de absorverem tudo que se lhes coloca pela frente, que passem a ter critérios de modo que possam fazer escolhas.
Mas isso não é nada, nada simples. Nem mesmo para nós adultos. Por exemplo: desde que a Nike inventou que, para correr, é preciso um tênis especial, ninguém duvidou. No mundo inteiro corredores passaram a procurar aquele tênis, convenceram-se de que sim, amortecimento é crucial, saber se sua pisada é supinada, pronada ou neutra pode mudar o rumo de sua vida ou, ao menos, de sua passada.
Mais empresas, mais tecnologia. Diferentes modelos para treinos e competições, para corridas longas ou curtas, para corredores rápidos ou lentos. As revistas especializadas têm, ao menos uma vez por ano, a obrigação e o hábito de lançar um guia para o pobre consumidor/corredor para orientá-lo na árdua tarefa de escolher um tênis. Flexibilidade ou leveza? Amortecimento ou resiliência? São tantas opções que, para acertar na escolha é preciso debruçar-se sobre o guia e fazer um longo e detalhado estudo. Claro que no momento em que o feliz consumidor consegue finalmente escolher, a Asics já lançou um novo modelo com ainda mais tecnologia.
E...bem... quem foi que disse que toda esta parafernália faz diferença? Quem viu pesquisas e estudos provando que o amortecimento, por exemplo, diminui as lesões? Quem disse que a pessoa que pisa em pronação precisa de uma correção compensatória? Vou além: quem viu um estudo ou pesquisa que não tenha sido patrocinado pelos próprios fabricantes de tênis? Quantas vezes paramos para duvidar daquilo que parece "científicamente comprovado"?
Anúncios de televisão mostram um senhor, nem tão idoso, nem tão jovem; a idade é suficiente para o levarmos a sério. Trajando jaleco branco, ele nos garante que o produto X é comprovadamente mais eficiente que os outros. Confesse: você fica, ou não, inclinado a acreditar nele?
E olhe que nós, que temos acesso a internet, lemos e ou escrevemos blogs, somos realativamente bem informados e críticos. Ainda assim, caímos em alguns contos do vigário.
Como pais, a responsabilidade é ainda maior. Não só porque somos modelos para os pequenos como também porque é fundamental ajudá-los a perceber as artimanhas da publicidade para seduzi-los. haja paciência, argumentos e perseverança para dizer "não" aos filhos explicando porque.
Ser filtro, e não esponja, implica, principalmente, em saber ler. Não ler de qualquer jeito. Mas ler dialogando com o texto. Perguntando quem escreveu este texto? Para quem escreveu? Com que intuito? Parece óbvio? É não. A revista O2, por exemplo, faz cobertura de provas e também organiza provas. Você costuma prestar atenção nos anunciantes das revistas? Você repara se existe alguma coincidência entre matérias e anúncios? Vocês souberam que houve uma grande paralisação nos bancos durante o período eleitoral? Notaram que a mídia praticamente ignorou este fato? Quem são os maiores anunciantes dos jornais e das TVs em horário nobre?
Não estou dizendo pra ficar paranóico, pentelho, vendo pelo em ovo. Mas para, principalmente nos momentos em que se tem de fazer uma escolha, uma compra ou tomar um decisão, não procurar atalhos e nem se deixar levar por aparências.
Ser filtro, e não esponja, implica num exercício permanente de duvidar e de se informar. A autonomia intelectual e moral, embora comece seu desenvolvimento ainda na infância, precisa estar permanentemente em uso. Não é para preguiçosos. Não é para acomodados.
Ah, para saber mais sobre o assunto corridas x tênis recomendo o livro Nascido para Correr: a experiência de descobrir uma nova vida, de Cristopher McDougall, da editora Globo.
E sobre o assunto criança x consumo, o filme Criança, a alma do negócio, disponível para download na página do Instituto Alana .
Ótimo texto! As necessidades fabricadas são um problema terrível do nosso tempo, não são mesmo?
ResponderExcluirÉ Claudia, vender produtos vai além das propagandas de revistas e TVs, temos que ser críticos e seguir nosso coração, porque em um momento ou outro, por mais esclarecidos, vamos cair no "conto do vigário". Bjs
ResponderExcluirOi claudia! tais questões permeiam nosso cotidiano e de fato precisamos nos desalienar-se de todas as formas. Filtrar, repensar, colocar o obejto fora da gente e tentar se humanizar mais!
ResponderExcluirValeu pelo post!! bjs pri
Verdade cláudia...eu mesma qdo comecei a correr e ler sobre o assunto tinha certeza que para um tênis ser bom tinha que custar R$549,00. Ainda bem que descobri antes de investir em um que existem opções bem mais suaves($$$$) e que uso diariamente e até o momento nào tenho do que reclamar. A propaganda é tão bem feita que mesmo assim meu sonho de consumo continua a ser aquele de R$549,00.
ResponderExcluirQto aos filhos...que tarefa desafiadora!
bjs
Lu
www.lucorredora.blogspot.com
Muito bom!
ResponderExcluirToda a nossa sociedade assenta no principio da insatisfação humana e acabamos escravos dos nossos caprichos. Ensinar a distinguir o essencial do supérfluo é acima de tudo um bilhete para a felicidade dos nossos filhos.
ResponderExcluirAo nivel do desporto é incrivel como algumas pessoas se preocupam com tanta "bobeira" e esquecem o essencial que é o treino.
Palmas pra você e pra esse texto. Clap clap clap
ResponderExcluirJá diria o velho slogan,"a propaganda é a alma do negócio".A propaganda é uma malefício/benefício se é que vc me entende rsrsrss.Beijão Claudia.
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