quarta-feira, 3 de abril de 2013

(Meu) Iron 2013 - V

27 de fevereiro - tarde
No caminho de casa resolvo ligar pro Daniel. Imagino que ele deva estar se sentindo péssimo por ter sobrado com a batata quente na mão. Não quero que ele se sinta mal por ter dado uma notícia ruim.
Então, Daniel... Quer dizer que você achou uma boa desculpa pra eu ter ido mal no Internacional?
É, Clau... Desculpa não ter te ligado, mas não sabia como te falar. Realmente achei que você não tinha nada... Mas, hoje, vi o seu laudo do ultrassom inteiro e já estava lá.
Mas... Eu mandei pra você o trecho que falava sobre o rim!
Não. Você só mandou um trecho, que falava de "cistos parapiélicos"... não tinha nada sobre esse tumor.
Mandei, mas você não recebeu. Por isso eu estava tão preocupada!
Agora eu entendi sua preocupação... Mas, calma. A localização dele está muito boa. Vai dar tudo certo!

Despeço-me dele e fico às voltas com os fantasmas.
Os casos de câncer fulminante que acompanhei ano passado.
As terríveis sessões de quimio da minha mãe.
As infindáveis cirurgias de pessoas que sofrem de câncer e parecem sempre sempre estar um passo atrás da doença.
E essa minha tosse? Será que na verdade eu não estou com câncer de pulmão e ele já está se espalhando? Vou morrer. E vai ser rápido, mas com muita dor e sofrimento.
Morrer? Não posso morrer. Eu tenho quatro filhos! O que será deles? Não. Não. Eu poderia até morrer, mas não posso deixá-los sem mãe. Isso, não.
Nem choro mais. Minha garganta está seca. Meu estomago está fechado. Meus olhos arregalados de medo e espanto. 

Chego em casa e desabo nos braços do meu marido, meu companheiro de venturas e desventuras, na saúde e na doença. Choramos juntos. Com minha mãe e meu pai - meus pilares, meu porto-seguro - trago os fantasmas pra roda, compartilho com eles. Os três me acolhem e vão atenuando meus medos, tentando distinguir o que é realidade do que é fruto do meu pânico. Os lindos olhos azuis de meu marido estão acinzentados.

Theo, meu filho mais velho, está em casa. Conto pra ele que desaba num choro compulsivo, como se eu já estivesse morta e enterrada. Nessa hora, recupero a calma e digo Não morri, nem vou morrer disso. Vai dar tudo certo. Vou fazer uma cirurgia, se precisar, fazer os tratamentos e VOU SAIR DESSA! Não precisa chorar assim

Isso faz com que minha lucidez retorne.  A consulta é só as duas da tarde. O que posso fazer pra adiantar o expediente? Já sei. Agilizar a autorização do convênio para a cirurgia. Ainda não tenho o dia, a hora nem o lugar, mas sei que será nos próximos dias. Certeza.

Ligo pro Carlão, do RH.
Charles, preciso de uma forcinha. Vou ter de fazer uma cirurgia nos próximos dias e gostaria que você me ajudasse a conseguir a autorização do convênio com a maior brevidade possível.

Como assim? Você já fez os exames? Já tem laudo? 

Já. Já.

E o pedido médico?  

Vou pegar hoje e encaminho na sequencia.

E os exames pré cirúrgicos?

Vou fazer entre hoje e amanhã.

Nossa. Você é rápida. Cirurgia de que?

Explico pra ele, que garante que vai adiantar tudo que for possível e diz que está torcendo por mim.

Não há muito o que fazer até a hora da consulta. Anoto as dúvidas pra conversar com o médico. Almoçamos nós dois, olhando um para outro. De vez em quando uma lágrima escapa.

Meus três filhos menores chegam da escola. Não estranham o fato de pai, mãe e avós estarem em casa. Bem coisa de menino. Não prestam atenção em nada. Não me pergunta. E nós achamos por bem não dizer nada, pelo menos por enquanto.

Vamos os quatro ao consultório do dr. Grohmann: meu marido, meus pais e eu. A sala é pequena, mas conseguimos nos acomodar. Passamos um hora e meia ali e saímos todos muito mais seguros, tranquilos e aliviados. 
Ele esclarece que, nas imagens, se vê que o tumor está encapsulado - ou seja, não está espalhado pelo rim. Sua área é bem delimitada e ele está praticamente pendurado no rim, externo a ele. O que facilita bastante o corte com mínimo prejuízo do órgão. Quanto ao meu fígado, sua opinião é de que não é absolutamente nada o que foi encontrado no exame.

Ele também coloca na mesa as opções de procedimento: punção, videolaparoscopia ou cirurgia com um corte. E fica claro que a opção dele é a mesma que a minha - a terceira. É a mais invasiva, porém a mais garantida. 

Entramos nos detalhes práticos. Os exames que precisarei fazer, o hospital da cirurgia, o tempo de hospital, o período sem atividades, a cicatrização, os exames de controle.  E o mais importante. Tudo indica que sairei curada do centro cirúrgico. Dificilmente haverá necessidade de tratamentos adicionais como quimioterapia. isso só será 100% confirmado durante o procedimento.


É quarta-feira e a cirurgia fica marcada para a segunda seguinte, no Hospital Sírio-Libanês.

Minha última pergunta é se eu posso treinar até lá. E, para minha alegria, ele responde que sim.

Saímos de lá com bem mais leves. Os fantasmas mais assustadores foram deixados ali. Além disso, tenho uma listinha de afazeres, que me deixarão ocupada nos próximos dias.

Agora que as notícias não são tão ruins e nem o horizonte tão sombrio, escrevo para as amigas uma mensagem:

Meninas
Segunda-feira vou me internar pra extrair um tumor maligno do rim esquerdo. Tudo indica que o problema vai ser resolvido sem maiores complicações e nao vou precisar tratamento de quimio ou radio. Mas isso tudo se confirmará depois que tirar o bicho e ver de que tipo ele é. Ficarei sem poder treinar por pelo menos seis semanas. Estou razoavelmente tranquila e aceitarei companhia no hospital, onde ficarei provavelmente até o final de semana. Amanha e sábado treinarei normalmente. Beijos


Chegam respostas surpresas, assustadas, incrédulas. Aos poucos as palavras vão mudando de tom e se tornam doces, amorosas, sensíveis, próximas. Minhas amigas... foram tão, mas tão importantes nesta jornada. Desde o primeiro instante, senti a força deste bem-querer e isso foi crucial.

Telefono para as minhas fiéis escudeiras, Celina e Solange, as quais deixei com os respectivos corações nas mãos ao sair da Fundação naquele mesmo dia (que parece que foi há um século) e garanto que vou ficar bem.  Peço que tranquilizem os que tiverem preocupados comigo. Vou ficar bem.

Ligo para meu anjo Daniel que, novamente me salva e consegue agendar todos os exames que preciso fazer. Ele consegue abrir a agenda até em horários que não existem.

Coloco mais uma tarefa na minha lista. Comprar um champanhe de presente pro Daniel. Não sei mais como agradecer com palavras.

7 de março
Acordei melhor. Bem melhor. Minhas estranhas começaram a se movimentar e, com isso, a náusea foi embora. 

Consegui sorrir e conversar. Fiquei feliz em poder mostrar pra Ana que não estava mais moribunda. 

Mais uma vez dr Grohmann chega ao amanhecer percebe que estou com outra disposição. Ao auscultar meu intestino confirma que algo esta andando. Missão do dia: eliminar gases. Vamos tentar a dieta líquida novamente. Estou sem comer desde segunda de manhã. E sem fazer uma refeição, desde domingo, mas ainda não tenho fome.

Ao me despedir de Ana, me faltam as palavras pra agradecer o que ela fez por mim. Não somos amigas há muito tempo. Dois, três anos? Mas temos afinidades em questões cruciais: compartilhamos muitas ideias e nos indignamos com os mesmo absurdos. Em alguns assuntos, somos vozes dissonantes da maioria, mas nós duas? Nós cantamos em uníssono.

Onde fica o balcão dos agradecimentos? A gente perde tanto tempo no balcão de reclamações. Tudo o que eu quero é agradecer por ter pessoas como ela perto de mim,  participando da minha vida.

Minha mãe chega comemora meus estado mais alerta. 

Tomo banho em pé e sozinha. É uma grande conquista. 

Saímos pelo corredor, para a caminhada matinal. O décimo andar é dos casos de urologia por isso, só encontramos homens no nosso passeio.  E eles não se importam com a aparência: saem de camisolão hospitalar, não penteiam os cabelos, usam aqueles chinelos descartáveis. Que escracho! Estou inchada, costurada, com dreno e soro pendurados em mim, mas estou vestida com roupas civis, meu chinelo tem um lacinho bem feminino e o cabelos está lavado e penteado. Tenho certeza de que isso ajuda numa recuperação mais rápida!

Volto a me comunicar com o mundo exterior por torpedo, telefone whatsapp.  As notícias correm, então recebo telefonemas de pessoas com que não falo há séculos mas que são importante para mim, e das quais gosto muito. Até o Secretario me manda mensagens, quer saber como estou. 

Fico gratamente surpresa com quantidade de mensagens e telefonemas que recebo das pessoas da Fundação. Sei que sou uma pessoa querida, lá e fora de lá.  Mas não tinha ideia de quanto!  

Essa foi a descoberta mais importante de toda essa história. 

E já tenho um pouco mais de disposição pra receber visitas. Então as fiéis escudeiras veem e trazem até papelada pra eu assinar!  Estou realmente melhor.

Comunico aos familiares e amigos mais chegados - ou melhor dizendo, aqueles com quem tenho menos cerimônia - que preciso soltar gases. Pronto. Começo a receber inúmeros "torpeidos" (com o perdão do mau português): #peidaclau! foi a palavra de ordem. 

No começo da tarde, consegui iniciar esta tarefa.

Pra coroar um dia ótimo, a Dri, minha também queria amiga e parceirona de treinos, veio dormir comigo. E pra completar, Julinha, Kelly (elegantérrima) e meu marido vieram me visitar.  Que mais eu poderia querer?

Para comemorar, soltei um sonoro traque na frente de todos, feliz da vida!





Da esquerda pra direita: Dri, Julinha, eu e Kelly, nos hospital.

Um comentário:

  1. Este capítulo foi bem mais láitchi.

    Espero que vc tenha superado a necessidade gasífera. #peidaclau foi ó-te-mo.

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