domingo, 29 de agosto de 2010

Minha mãe fez 70

Minha mãe é uma pessoa incrível. Devo a ela metade dos meus genes. Embora dentre estes certamente não haja nenhum desportista, tenho convicção de que uma parcela colaborou decisivamente no processo de fabricação da triatleta que sou. Faço neste post uma homenagem a ela, que é muito mais do que um bom exemplo.

Minha mãe, na torcida, durante o Iron
Ela faz um verdadeiro milagre com o tempo. São tantos talentos, tantas demandas, tantas pessoas na sua vida. E ela dá conta de tudo.
Acorda cedo, bailarina. Inicia seu dia dançando. Não qualquer dança. Balé clássico, de ponta e tudo. E sua e se alonga, com uma flexibilidade que deixa a nós, triatletas, no chinelo. E seu pas de deux com a a professora, saiu da barra e do solo e adentrou vida afora. Como faz com muitas pessoas à sua volta, criou laços firmes e duradouros – as aulas e a amizade já duram anos.
Depois do banho e de um café da manhã frugal, ela encarna a dona de casa. Faz compras para o jantar, dá uma chegada à florista ou uma ida à feira – parênteses para a feira.
Na feira, compra frutas e colhe amigos. Quem não conhece a Dona Lídia? Sempre elegante, mesmo entre as barracas, tem sempre a palavra certa – e o sorriso - pro Orestes, vendedor de limão, pro Osmar, das ameixas ou pra turma dos queijos.
Fecha parênteses da feira. Mas o parênteses da feira, vale para o supermercado e vale para a florista. E vale também pra loja de armarinho,  pra banca de jornais de Ibiúna e pro armazém “por do sol” em Paúba. Todo mundo já ouviu dela uma palavra sábia ou ganhou uma interpretação “de brinde”. Não foram poucas as vezes que vi pessoas a olharem assombradas, com cara de “como é que ela sabe disso? Será que ela é a adivinha?”
De volta pra casa, já deixa organizado o jantar. Então, vai ao computador e escreve os capítulos de um novo livro, organiza a apresentação da próxima palestra ou responde a uma entrevista por email. Enquanto isso, o telefone toca. Uma amiga convida pra jantar, a revista Claudia pede um novo artigo, a Sil, minha irmã,  quer sabe se pode deixar o seu caçula pra ir num congresso. E ela atende a todos e se desdobra pra dizer “sim” ou “talvez” mas nunca deixa na mão, nunca deixa sem resposta.
Bem... para um ser humano normal, já estaria na hora ir dormir, não? Rá. O dia mal começou.
Sobe para se arrumar para o consultório - ela é psicóloga. Todo o dia com o mesmo capricho. Seus pacientes merecem, diz ela. Passa base, pó, lápis, rímel, sombra, baton, enquanto despacha com a sua secretária a agenda da tarde. No meio disso, minha sobrinha adolescente, que atualmente mora com ela, invade o banheiro e despeja sua crise de identidade profissional “Vóó, faço faculdade de relações internacionais ou veterinária???” Ela ouve. Pondera. Tranqüiliza. E então desce ao consultório e vai fazer isso com os casais, famílias e outros afortunados que têm, ainda que seja uma pequena fração, de seu precioso tempo.
Ela sabe ajudar. É mesmo boa nisso. Traduz e organiza as emoções. Quem disse que santo de casa não faz milagres? Faz sim. Às vezes chegamos lá só com os caquinhos, minhas irmãs, meu irmão, eu, meus filhos, minhas tias, meus sobrinhos. Ela ajuda a montar o quebra-cabeça, colar as peças, enquanto vai enxugando nossas lágrimas, adoçando nossos amargores.
Entre uma sessão e outra ela dá uma passadinha na cozinha, supervisionando os detalhes pra um jantar sempre delicioso – seja só para ela e meu pai, seja para ela, meu pai e a torcida do Corinthians! Com suas mãozinhas de fada, vai tratando de transformar alhos, salsinhas e postas de salmão em futuros “óóós”, “hummmmmsss” e ”aass”!
Quando o intervalo no consultório é um pouco maior, ela aproveita para continuar o bordado, tricotar um xale ou apenas retornar alguma ligação.
Já é noite quando sua jornada de terapeuta termina. Está cansada. Mas nunca, nunca, reclama ou fica mal humorada por estar cansada.
Abre parênteses de novo: é tão difícil ouvi-la reclamar. Ela teve um câncer, passou por quimio e radio, fez muitas cirurgias. Teve dores excruciantes. Alguns médicos simplesmente não a levaram a sério. Não podiam acreditar que ela estivesse sendo tão estóica, que conseguisse andar com as dores, que vieram a constatar depois, que ela sofria. Mas ela enfrentou sem se queixar. É uma lutadora. Uma vencedora.
O dia ainda não acabou. Passa na cozinha para os retoques finais no jantar. E os retoques na maquiagem e na roupa, se for necessário, pois afinal, agora é hora de ela se dedicar à pessoa mais importante de sua vida: meu pai.
Depois de 55 anos juntos ela se cuida e cuida deste namoro, como se fosse um recém-nascido. Jamais faz xixi de porta aberta. Não fica NUNCA de creme na cara ou de bobs na frente dele. Assim, invariavelmente, recebe uma dúzia de rosas vermelhas todo o dia 18 - dia em que casaram. Faz por merecer.
E até a hora de dormir, muitas vezes, ainda cabem concertos, leituras ou mais um SOS de filhos e netos.
No final de semana, a rotina muda de endereço, mas não de variedade nem de intensidade.
Poucas pessoas que conheço conseguiriam manter um ritmo desses! Mas ela, que faz setenta, dá conta, esbanjando vitalidade.
É um privilégio tê-la como mãe. É uma sorte poder usufruir da sua sabedoria, compartilhar de sua generosidade.

Obrigada, mãe.

9 comentários:

  1. Parabéns Dona Lidia!
    A Claudia realmente teve a quem puxar! Mesmo com todos os seus compromissos de trabalho, treinos, Karnazinhos e Roi, ela ainda arruma um tempo pra tomar um café com as amigas mesmo sabendo que vai pegar o maior transito pra voltar pra casa!

    um beijo

    Gra

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  2. Ai, Claudia, que homenagem linda! Deu uma vontade enorme de conhecer a sua mãe. Parabéns para ela e para você!

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  3. Engraçado, quanto mais o mel dessa família é compartilhado, mais o pote transborda...

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  4. Claudia: AMEI o relato da sua mae !!! Incrivel como elas conseguem nos inspirar !!!! A minha nao e' bailarina, nao corre,nem faz ironman, mas e' uma super guerreira !!!! Sempre brinco que se eu for 10% do que ela e' para mim, estarei super feliz !
    Parabens pela sua mae ! Parabens para voce, por ter este amor e admiracao tao lindos por ela !

    Que bom que existe a D. Lidia no mundo !!!!

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  5. Parabéns, Dona Lídia!!!!
    Confesso que enquanto eu lia o relato tive que voltar para o início e confirmar se realmente o texto é sobre uma mulher de 70 anos... e é isso mesmo! Incrível! É assim que eu quero ser quando crescer.
    Agora, Claudia, convenhamos, com uma mãe assim até eu seria Ironman... rssss calma, tô brincando!
    Olha, Claudia, acho que vou ganhar o livro das "Travessuas" do Vagner Bessa. Vamos ver se ele cumpre a promessa... senão eu compro.
    Quanto à padaria que você menciona de nos encontrarmos, onde fica, perto da USP?
    Você estará lá neste FDS?
    beijos,
    @JoelMaratonista

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  6. Parabéns a Dona Lídia,parabéns a você Claudia!Que homenagem linda e tenho certeza que merecida.O fruto jamais cai longe da árvore,por isso vc ser essa pessoa maravilhosa.Obrigado pelos cometários no meu blog.É uma grande honra e tem elevado a minha moral,só te peço perdão por não escrever tão bem como vc.Bjs

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  7. Emocionante homenagem......Parabéns Dona Lídia. A senhora merece!

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  8. Parabéns!!!
    Não é à toa que você e uma super guerreira né!Tem a quem puxar.........

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