segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O amor fora de hora, o esporte amador

Estou cansada do amor. O amor tudo vence. Só o amor constrói. Amor, com o amor se paga. No amor e na guerra vale tudo. Ama ao próximo como a ti mesmo. Será?
O amor virou moda. Além de amar mãe,  pai, cônjuge e filhos, agora também precisamos amar o trabalho e, pior, amar as pessoas com quem trabalhamos. Haja amor! Bons médicos, amam sua profissão e devem tratar seus pacientes com amor. Professores, então! Nem se fale. Ai da professora que não amar seus alunos. Todos eles, sem exceção. Atores, artistas, músicos... os bons mesmo, têm paixão pelo que fazem. Será?
Me desculpem os amantes desse amor todo, mas não só acho isso mentiroso, como também penso que pior seria se fosse verdade.
Sem querer atrever-me a definir o que é amor vou, sim, ousar e afirmar que a presença de tal sentimento não é tão necessária quanto vem sendo apregoado ultimamente.
Em primeiro lugar, não é possível se obrigar a amar. Até hoje a poção do amor é procurada, mas sem muito sucesso. Talvez o alcool seja o que tenhamos de mais próximo a um afrodisíaco. Quem é que nunca viu (ou se viu) bêbado declarar seu amor para os entes queridos e pros entes nem tão queridos assim? Dificilmente se pode levar esses arroubos de afetuosidade muito a sério. Mesmo porque, no dia seguinte, o apaixonado já nem lembra mais de todo aquele amor.
Mas esqueçamos os bebados e os afrodisíacos.
Um médico, um professor, um técnico, não precisam amar o que fazem. Mas precisam ser comprometidos com as escolhas que fizeram em sua carreira e trabalhar com profissionalismo.
Esta idéia de que fazer o trabalho com amor é, necessariamente fazer um trabalho bem feito é perniciosa, pois pode eximir o sujeito de suar, ralar, estudar, aprender, ir em busca de conhecimento. Pode desprofissionalizar a relação dele com sua ocupação.
A professora não precisa amar todos os seus alunos, o médico não precisa amar seus pacientes. O técnico não precisa gostar de seus atletas. Mas todos têm a obrigação de respeitar seus pacientes, alunos, atletas. E o médico precisa ouvir e olhar para o ser humano que está á sua frente e ser capaz de colocar-se no lugar dele, ser compassivo com o doente e sua família, sacar que se para ele, médico, a doença e o tratamento são rotina, pra maioria dos doentes e suas famílias, não! Não precisa de amor. Conhecimento,solidariedade, humanidade, compaixão, sim. Amor? Não necessariamente . O professor tem a obrigação de fazer o melhor de si e acreditar que todos, sim TODOS os seus alunos são capazes de aprender, e investir nisso. A despeito das "famílias desestruturadas" de uns, da pobreza de outros, da aparente lerdeza de alguns. Todos podem e é obrigação do professor dar o melhor de si para que todos tenham oportunidade de aprender. Mas, pra saber o que cada um precisa e como ensinar, é preciso avaliar, estudar, planejar. Amor? Supérfluo. O técnico, idem. Precisa estar atento, analisar a individualidade de cada atleta, buscar a melhor palavra, o melhor exercícío, a "dura" mais precisa. Mais uma vez, pra ser competente, é necessário observar, estudar, avaliar, pesquisar. Amar?
E o tal do amor-próprio? Defendo uma idéia relativamente simples: este amor advém, principalmente, da confiança que construímos acerca das nossas capacidades. Elogios, aprovação e cumprimentos dos outros, ajudam, mas não são a essência. O principal é perceber que (nos)superamos, aprendemos, que conseguimos conquistar com braço forte.
Não há lugar onde o amor se encaixe melhor do que no esporte amador. O amador se entrega a essa ocupação sem esperar recompensa, pagamento ou reconhecimento. É um amor desinteressado mas, ao mesmo tempo,  altamente comprometido. É como amor a uma causa: dá sentido à nossa vida, nos dedicamos a ela, nos sacrificamos e não esperamos nada em troca. Quase um amor canino.
Não estou dizendo que os atletas profissionais não possam amar e se divertir com sua ocupação. Mas é seu ganha pão. Existe a obrigação de treinar, de competir, de ter resultado.  O amador refaz a escolha a cada dia que se levanta pra treinar: está desobrigado, mas escolhe levantar cedo e treinar. Escolhe não ir dormir tarde, escolhe abrir mão da festa.
E, embora o amador ame (quase) incondicionalmente o esporte ele é sim, recompensado algumas vezes. Na sensação agradável de terminar um treino longo e constante, na hora em que consegue atingir uma determinada marca, na disposição que conquista para tocar sua vida.
Amor é amor. Não é possível nos obrigarmos a a amar e, para ser duradouro, é necessário cuidados diários. E, de uma hora para outra, ele pode acabar ou ir morrendo aos poucos. Mas tanto na vida afetiva quanto na esportiva, não podemos deixar de aprender com nossas histórias de amor. Pois é isso que nos permite amar novamente, mais e melhor: pessoas ou esportes.

7 comentários:

  1. Amar demais é uma pé no saco, não é??????

    Se esse amor tem que ser divulgado a todo momento, então já fico meio desconfiado! Concordo com você que ter que a obrigação de se "amar" o que se faz soa FALSO! Você tem que ser realizado no que você se propõe a fazer. E para isso é necessário respeito, comprometimento como você disse. Muitas vezes a gente vai acordar querendo que o consultório, a sala de aula, o escritório SE PHO*AM, e nem por isso você ou eu vamos ser irresponsáveis.

    Até no caso do esporte amador. Tem dias que simplesmente não dá vontade de treinar, mas mesmo assim treinamos.

    Tudo são momentos. Existem momentos de extrema felicidade, realização, como também existem momentos de frustração.

    Desconfio de amor demais, 100% do tempo. Principalmente de quem tem convencer (ou SE convencer) os outros sobre isso!

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  2. Clau,
    Depois de "Conhecimento,solidariedade, humanidade, compaixão," não deveria vir um sim, ao invés de não?
    Fora isso, acho o texto muito bom. Obrigação de amar é um paradoxo. Amor incondicional e eterno, existe? Além do mais, se formos capazes solidariedade, humanidade e compaixão, até com quem não gostamos, já pensou como seria ótimo? E são escolhas, podemos, portanto...

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  3. Obrigada, Ana! Aquele "não" estava errado. Tá certo, Daniel. Incondicional, só amor de amãe. Já atenuei.

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  4. Concordo plenamente. Bom mesmo é o amor genuíno, aquele que surge sem obrigações nem convenções sociais. Como o amor pelo esporte que nos une. Quanto aos profissionais, importante é o respeito e a ética pelos que dependem do seu trabalho. Amor não é necessário. Mas, dependendo da profissão, isso é cobrado.
    abraço,
    Sergio
    corredorfeliz.blogspot.com

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  5. Eu vou ser repetitivo,brilhante!
    Adoro ler os seus posts,eu viajo.
    Beijos Clau e até Pirassununga.

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  6. Amor.... uma palavra só para tantos sentimentos diferentes... Pobre a nossa linguagem não? Mas uma coisa é certa: falar de amor, seja ele qual for, só me traz bons pensamentos. Bom...adorei Clau!

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  7. E muita gente não lembra o real significado da palavra amador...

    Abraços!
    Rodrigo Stulzer
    transpirando.com

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