quarta-feira, 15 de junho de 2011

Ironman II - Demônios e anjos - a corrida

Transição
Desci da bike a apertei o “lap” sem olhar o tempo e nem a média. Bom... não tinha prestado atenção nesses detalhes quando fiz a metalização da prova...
Diferentemente de 2010, eu tinha pernas, mas meus pés estavam completamente anestesiados. Fui manquitolando até a tenda, tirando o capacete e a faixa, peguei rapidinho minha sacola — de novo os adesivos me ajudaram — e fui me preparar. Duas voluntárias estavam desesperadas pra ajudar. O ano passado, elas foram uma mão na roda. Este ano, com a nova regra, via-se que estavam se sentindo meio inúteis ali, tentando fazer alguma coisa, mas sem infringir as regras.
No meu caso, enquanto eu trocava de meia e calçava o tênis, pedi pra ela verificar se encontrava um novo par de pés, porque o meu estava inutilizado. Ela entrou na brincadeira e começou a fuçar dentro da sacola “Negativo. Você esqueceu de colocar um de reserva”. Vesti a viseira, o fuel belt, catei o saquinho plástico onde tinha colocado os dois recipientes com gel e água e fui embora.
Quando puxei o número de peito pra frente, rupt! Rasgou de um dos lados e ficou pendurado. “De novo!” pensei, “igual ao ano passado, só que logo no começo da corrida!” Ajustei o número por baixo do belt e segui em frente.
Não me esqueci de apertar o “lap” mas, logo ao passar o tapete, me dei conta de que não tinha tirado a camisa de ciclismo. Aquela hora, estava quente. “Vou sentir calor, melhor tirar”. Fui correndo e improvisando um striptease nada sexy. A camisa ficou na mão até que eu avistasse a Dani e a Karla. Joguei pra elas e segui.

Primeira volta
O espírito maligno parecia ter ficado na bike. Estava me sentindo bem. Quando olhei pro Garmin e vi 4m40s lembrei do que já sabia desde o ano passado e que os técnicos não cansam de alertar: “Puxe o freio! Este ritmo é uma ilusão que vai fazer você quebrar no meio da maratona! Seguuuuura!” E, assim, a contragosto e muito racionalmente – pois meu ímpeto era continuar naquela toada—, diminui o ritmo. O tempo iria provar que foi uma sábia decisão.
A torcida, na espera
Vi os pequenos, finalmente, que eu não tinha avistado desde a largada. Estavam na frente do hotel e fizeram aquela torcida de levantar o astral. Meus pais eu tinha visto durante o pedal, mas os filhos, não.
Assim que a gente sai da avenida dos Búzios, tem placa “33km”. Não resisti. Olhei pro cara que estava do meu lado e falei “bem que podia ser verdade...” Ele riu e pediu “Não me faz rir agora, por favor!”
Logo na primeira volta, no segundo ou terceiro quilômetro, ultrapassei a Silvia Paller. “Ueba”, pensei, estamos bem. A Silvia é da minha categoria e tomei pau dela em Penha, por 1 minuto de diferença em 2009. Ela era uma das minhas referências. A outra, era a Rita, pra quem perdi o terceiro lugar no Iron do ano passado e o primeiro no GP Extreme, este ano. Para ter alguma chance de subir no pódio este ano, precisava ganhar delas. A Valéria, da Ironmind, eu sabia que seria muito difícil de pegar. E ainda tinha a vencedora de 2010, uma Argentina forte como um cavalo. Quem sabe o terceiro lugar que escapou em 2010?
Então, quando passei a Silvia, me animei. Onde estava a Rita? Eu nado um pouco melhor que ela. Em São Carlos ela me pegou logo no início do pedal. Este ano, ela não me passou no pedal. Eu não sabia se ela já tinha saído da água na minha frente ou se não tinha me alcançado no pedal. Aí seria difícil ela me pegar. Teria de ficar ligada pra ver se e quando encontraria com ela no percurso da corrida. Aí saberia se ela estava na minha frente ou não. Outra que estava na minha mira, era Nilma. Ela saiu da água na minha frente mas, no pedal, fiquei com a impressão de que eu estava me aproximando dela a cada volta e não me distanciando, como ocorreu no ano anterior.
Sim, sim, confesso, sou competitiva. Não vou negar. A maior competição é, sem dúvida, comigo mesma só que as pessoas da sua categoria ou aquelas que sempre competem com você, passam também a servir de parâmetros.
Lá pelo quilômetro seis ou sete, o Wagner apareceu de bike. “Como você tá? Ta bem?” Respondi que sim, até aquele momento, tudo bem. E ele “você ta correndo muito bem, se você mantiver este ritmo, não tem pra ninguém!” Claro que a frase me animou.
Logo depois disso, ultrapassei a Nilma. Aí sim, senti firmeza. Em 2010 só tinha chegado nela na volta de Canasvieiras e isso porque ela tinha sofrido um acidente no pedal e isso a tinha atrasado bastante. “Opa! Não é possível que ela tenha sofrido outro acidente! Parece que meu pedal não foi tão mal mesmo!” Ela, como sempre, me deu aquele apoio: “Vai, Clau, agora você chegou na sua praia!”
Com o número na mão, animada, ainda...
Acabei de tomar meu accelerade (blergh, como é enjoativo esse trem), tirei o advil que estava no bolsinho e joguei o cinturão de utilidades do Batman pro Wagner pegar e guardar. Aí fiquei com um abacaxi: o número de peito. Do jeito que estava — preso de um lado só —, não dava pra ficar. Então arranquei da cinta, dobrei e enfiei dentro da bermuda. Joguei minha cintinha OG fora com dor no coração. Quanto menos coisas penduradas, melhor.
E fomos nós pra subida de Canas-Jurê ou melhor Jurê-Canas. De novo, não andei. Fui num trotinho bem leve, mas não deixei de correr, nem na ida, nem na volta.
É uma hora bem legal da prova porque a gente cruza com meio mundo de gente e vê quem está perto, quem está longe, quem está se arrastando, quem ainda tem gás. Este trecho também tem bastante gente torcendo e aplaudindo. Senti falta de estar com meu número de peito à mostra porque as pessoas não podiam gritar meu nome. Não parece, mas faz uma tremenda diferença.
Na volta de Canas, cruzei a Rita, que ainda estava iniciando a subida. Como sempre, ela foi simpática “vai com tudo, Clau!”. “Eba. Ela está bem atrás. Será que agora sou a terceira?”
O fim da primeira volta é uma farra. Está de dia, você vê um monte de gente, o pique ainda é muito bom. Mas o sol já está bem baixo, o vento sopra e a transformação do clima se anuncia.

Segunda volta
De posse da primeira pulseirinha, saí para segunda volta. No quilômetro 23, ele voltou.
Já não estava mais tão animada
Vesti a blusa de manga comprida com os nomes de todos os meus homens estampados nela, peguei a garrafa com accelerade e segui. Não agüentei dar meio gole. Não descia. Decidi ficar só com o gel mesmo, que estava tomando a cada 7 km.
O espírito voltou a me assombrar. E agora, era muito pior. Faltava pouco, mas faltava muito. Faltava pouco, mas já tinha sido muito. Principalmente para as pernas e os pés, e as costas e a unha e a sola do pé. “Você vai mesmo até o fim?” o demônio me perguntava, “Em nome de quê? Pára com isso. Você já não agüenta mais! O que você quer? Um troféu? Ir pro Havaí? Primeiro: sem chance. Segundo: você ficou louca? Já se imaginou treinando de novo tudo isso??? Sofrendo naquele vento e naquele calor? Tem certeza? Desista! Isso não é pra você.”
As palavras soavam verdadeiras. Naquele momento eram verdadeiras. E foi uma luta pra não entregar os pontos. “Não. Não vou me entregar. Fiz o mais difícil, que foi treinar pra essa bagaça. Agora, eu vou até o fim. Eu dou conta. Estou preparada. E tem muita gente aqui torcendo por mim. Imagina a cara dos meus filhos?! Sem chance!”
Então eu conseguia afastar o maligno por algum tempo. Conforme a 2ª volta foi terminando, fui recobrando o ânimo. Torcida, aplauso, festa, sempre ajudam. Mas meu cansaço era visível e mãe, pai, marido, amigos, técnico perceberam. Também não escondi de ninguém. “Como você está?” eu ouvia alguém gritar, “cansada”, eu respondia.

Definitivamente, cansada.
Terceira volta
Logo na saída pra derradeira volta, no posto de hidratação que tem bem ali no comecinho, tinha uns quatro atletas andando. Eu estava cansada, mas não ia sair andando bem ali, tão no início da volta. Como eles estavam mais á esquerda, onde se concentrava o staff que oferecia as bebidas, decidi ultrapassar pela direita. Eis que um dos atletas decide, na última hora, estender a mão pra pegar água com um voluntário à direita. Ou seja, estendeu o braço bem á minha frente, na hora em que estava passando. Não tive a menor hesitação: dei um tapão no braço do cara e pernas pra que te quero. Nem olhei pra trás. Certamente, ele não iria me alcançar pra reclamar. Desculpe colega, mas não dava pra fazer outra coisa.
Eu imaginava, pela luz do dia, que meu tempo era melhor que 2010. Mas não tinha certeza e não queria checar pois se fosse pior, teriam me derrubado de vez. Era melhor viver iludida e na esperança do que me confrontar com uma realidade frustrante.
A última volta foi um verdadeiro suplício. O maldito me atormentou quase a volta inteira. Não consegui brincar com ninguém nos postos de hidratação. O máximo que fiz foi agradecer com um murmúrio ininteligível. Não tinha energia pra desperdiçar.
Mesmo com o demo falando na minha orelha sem parar, a outra voz dizia: “vamos, vamos que o seu tempo vai ser melhor que o ano passado. Vamos, vamos que você não pode deixar a Rita ou a Silvia se aproximarem.“
Por volta do km 37, no trecho que passa atrás da Búzios, onde tem uns prédios baixos, quando voltava do retorno, cruzei com um atleta que gritou “olha moça do blog!”. Consegui sorrir, acenar e fiquei emocionada. Que bacana esse negócio do blog! Na véspera da prova, encontrei um atleta, Sidnei, que veio conversar comigo, dizer que lia meu blog e que eu o tinha inspirado a fazer o Iron. Foi muito gratificante. Mas voltando ao atleta desconhecido, fiquei intrigadíssima: quem é ele? Como me reconheceu de viseira, nesta escuridão? Já consegui a resposta da primeira questão: é o André Cruz (mas não é o Xampa), de Porto Alegre. Mas a segunda, eu sinceramente espero que ele responda ao comentar este post!! Ok, André?!
A verdade é que esta intervenção do André distraiu o deminho por alguns minutos, o que foi muito bom. Mas logo ele voltou à carga. Os joelhos doíam, os pés pareciam estar pisando direto no chão, como se eu estivesse descalça mas, por outro lado, a unha do dedão parecia apertada, o ritmo despencava a cada quilômetro.
Tomei um pouco de Pepsi no penúltimo posto e depois no último. Estava me arrastando.

Chegada
Então apareceu um anjo. Faltavam 2,5km e ele veio me resgatar. Quem? O Spadotto, Wagner, meu técnico.
Foram 2,5 km em que ele calou o maligno e basicamente me carregou. “Vamos, guerreira, agora falta pouco! Vamos guerreira, que a sua família ta te esperando! Bora bora bora! Você ta bem! Vamos, falta pouco!”
E fiz um esforço que parecia 4m30s por km, mas era 5m50s, como pude conferir depois. Mas fui achando aquele finzinho da energia e me alegrando e me preparando pra encontrar com meus meninos.
E o Wagner, como um pai que entrega a filha no altar (só que um pouco mais rápido), me deixou com os meus cinco amores para cruzar a linha de chegada em 11horas, 15 minutos e 5 segundos. Vinte minutos a menos do que em 2010.











10 comentários:

  1. Como vc não contou, eu tive que ir no site oficial pra ver a tua colocação. Segundona na categoria, que massa!!!

    Muito interessante essa sua briga com o demo. Essa é a parte do psicológico que eu ainda não dominei. Ultimamente no primeiro chamado eu começo a caminhar. Na minha 1a. e única maratona demorou até o km 34 se não me engano. Mas depois que caminhei pela primeira vez, vieram as cãimbras e aí minha prova foi pro beleléu.

    Mas voltando à Ironwoman em questão, qual a sensação de baixar 20 min de um ano pra outro? Houve alguma melhora nos treinos ou foi puro psicológico?

    Se quiser, posso falar com uns amigos bons de photoshop pra tirar a família desse André na foto da chegada. Vai ficar melhor! rsrs

    Qdo é mesmo Kona?

    ResponderExcluir
  2. Q historia.
    Naquele treino q fizemos na ibira deu pra ver q vc nao estava d brincadeira.
    Eh vero, esse andre cruz eh outro, hehehe. Ou eu sou o outro.

    ResponderExcluir
  3. sensacional! só isso.
    abraço,
    Sergio (corredorfeliz)

    ResponderExcluir
  4. Parabéns! Um parabéns com um "éééééns" bem grande. Que demore uns vinte minutos pra ser lido!

    ResponderExcluir
  5. Nossa Cláudia, sem palavras...emocionante demais!!!

    Super parabéns pra vc e pra família!!!!

    A pergunta é: ano que vem tem mais????

    Bjs

    Lu

    ResponderExcluir
  6. Cláudia, parabéns pela prova!

    Venho acompanhando seu blog já há algum tempo e dá pra sentir um pouquinho do que deve ser completar um ironman. Por enquanto ainda sou iniciantezão em corridas de rua e a minha rotina de estudante de pré vestibular não permite muito mais que isso, mas o triatlon com certeza está nos planos para o futuro e você é uma das inspirações!

    Parabéns, mais uma vez.
    Um abraço,
    Mário
    http://aspiranteacorredor.blogspot.com

    ResponderExcluir
  7. e toda vez que venho aqui, carrego (cada vez mais) as baterias a de inspiracão, a de energia, a da vontade de fazer a prova..... Muita admiração, demais! Claudinha, parabens!!! bjs

    ResponderExcluir
  8. Parabéns, Parabéns !!!
    Tenha certeza que você é inspiração para muita gente e eu sou um deles !

    ResponderExcluir
  9. Chorei nessa parte:

    Então apareceu um anjo. Faltavam 2,5km e ele veio me resgatar. Quem? O Spadotto, Wagner, meu técnico.
    Foram 2,5 km em que ele calou o maligno e basicamente me carregou. “Vamos, guerreira, agora falta pouco! Vamos guerreira, que a sua família ta te esperando! Bora bora bora! Você ta bem! Vamos, falta pouco!”

    Uma atitude linda do seu treinador....

    ResponderExcluir
  10. Oi prima linda, acabo de ler um pouco mais do seu blog divertidíssimo e emocionante. Rí, chorei e me enchi de orgulho! Parabéns por sua colocação na prova e, principalmente, pelo seu jeito de escrever. É um deleite!

    ResponderExcluir

Sua opinião é muito importante para nós. Escreva-a! Caso queira uma resposta, escreva para clauarat@gmail.com