quarta-feira, 17 de abril de 2013

(Meu) Iron 2013 - Epílogo

Estou bem. Quase ótima. O corte é grande mas a cicatriz já está ficando fininha. Se eu tomar cuidado e não tomar sol, já já, fica só uma marquinha. 
Acabou. Sim, conjugo o verbo no passado.  Foi um tremendo susto, uma cirurgia grande, uma recuperação rápida e um final feliz. Acabou.
Não sei, ainda, dimensionar o impacto que esta experiência teve sobre mim.  Posso, entretanto, enumerar algumas coisas:
1. Prevenção é tudo. Faça seus exames com regularidade. Isso pode salvar sua vida.
2. Informação  é fundamental. Meu maior sofrimento aconteceu antes de eu conversar com o médico. Regra geral, as fantasias que criamos numa situação dessas são muito piores do que a realidade.
3. Cirurgia é jogo duro. Artroscopia e laparoscopia são fichinha perto de um procedimento invasivo. Quando se trata da região abdominal, então...
4. Ter por perto pessoas que nos querem bem é o maior conforto que se pode ter.
5. Numa situação dessas, algumas pessoas próximas se aproximam mais ainda, outras, que não são próximas (e que você nem imaginaria), fazem questão de se aproximar;
6. Descobri muito sobre como as pessoas me veem - principalmente, meu melhor lado. Fiquei surpresa - pois as manifestações foram muitas, por diferentes vias (telefonemas, torpedos, emails, posts, comentários e pessoalmente) mas o conteúdo foi bastante semelhante. Eu até me achava uma pessoa legal mas, depois desse episódio, fiquei quase metida! Foi cada coisa linda que ouvi e li! Dá vontade de colocar num quadro na parede e ficar relendo. Principalmente naquelas horas que a gente se acha uma merda. 

Voltei a treinar esta semana depois de seis semanas no estaleiro. Não sei ainda quais provas vou correr este ano. Iron, está fora de cogitação em 2013. Acabei de passar por um. Ah, mas estarei trabalhando voluntariamente na chegada este ano, novamente. Como as minhas anteninhas cor-de-rosa. (Faço questão de abraçar os leitores deste blog - me passem seus números!)

Sempre que tiver algo pra compartilhar, independente de ser relacionado ao esporte, escreverei aqui neste espaço. Mas não vou me obrigar a uma periodicidade. Escrevo por esporte, e já tenho muitas obrigações nesta vida.

Agradeço a todos que acompanharam esta saga.  Os que comentaram. Os que torceram por mim. Os que me escreveram, preocupados. Recebi lindas mensagens de pessoas que não conheço, as que leem este blog e me procuraram por email para me dar uma força, ou pra compartilhar comigo sua historia. Só por essas mensagens, já teria valido a pena escrever.

Até qualquer hora!

quarta-feira, 3 de abril de 2013

(Meu) Iron 2013 - V

27 de fevereiro - tarde
No caminho de casa resolvo ligar pro Daniel. Imagino que ele deva estar se sentindo péssimo por ter sobrado com a batata quente na mão. Não quero que ele se sinta mal por ter dado uma notícia ruim.
Então, Daniel... Quer dizer que você achou uma boa desculpa pra eu ter ido mal no Internacional?
É, Clau... Desculpa não ter te ligado, mas não sabia como te falar. Realmente achei que você não tinha nada... Mas, hoje, vi o seu laudo do ultrassom inteiro e já estava lá.
Mas... Eu mandei pra você o trecho que falava sobre o rim!
Não. Você só mandou um trecho, que falava de "cistos parapiélicos"... não tinha nada sobre esse tumor.
Mandei, mas você não recebeu. Por isso eu estava tão preocupada!
Agora eu entendi sua preocupação... Mas, calma. A localização dele está muito boa. Vai dar tudo certo!

Despeço-me dele e fico às voltas com os fantasmas.
Os casos de câncer fulminante que acompanhei ano passado.
As terríveis sessões de quimio da minha mãe.
As infindáveis cirurgias de pessoas que sofrem de câncer e parecem sempre sempre estar um passo atrás da doença.
E essa minha tosse? Será que na verdade eu não estou com câncer de pulmão e ele já está se espalhando? Vou morrer. E vai ser rápido, mas com muita dor e sofrimento.
Morrer? Não posso morrer. Eu tenho quatro filhos! O que será deles? Não. Não. Eu poderia até morrer, mas não posso deixá-los sem mãe. Isso, não.
Nem choro mais. Minha garganta está seca. Meu estomago está fechado. Meus olhos arregalados de medo e espanto. 

Chego em casa e desabo nos braços do meu marido, meu companheiro de venturas e desventuras, na saúde e na doença. Choramos juntos. Com minha mãe e meu pai - meus pilares, meu porto-seguro - trago os fantasmas pra roda, compartilho com eles. Os três me acolhem e vão atenuando meus medos, tentando distinguir o que é realidade do que é fruto do meu pânico. Os lindos olhos azuis de meu marido estão acinzentados.

Theo, meu filho mais velho, está em casa. Conto pra ele que desaba num choro compulsivo, como se eu já estivesse morta e enterrada. Nessa hora, recupero a calma e digo Não morri, nem vou morrer disso. Vai dar tudo certo. Vou fazer uma cirurgia, se precisar, fazer os tratamentos e VOU SAIR DESSA! Não precisa chorar assim

Isso faz com que minha lucidez retorne.  A consulta é só as duas da tarde. O que posso fazer pra adiantar o expediente? Já sei. Agilizar a autorização do convênio para a cirurgia. Ainda não tenho o dia, a hora nem o lugar, mas sei que será nos próximos dias. Certeza.

Ligo pro Carlão, do RH.
Charles, preciso de uma forcinha. Vou ter de fazer uma cirurgia nos próximos dias e gostaria que você me ajudasse a conseguir a autorização do convênio com a maior brevidade possível.

Como assim? Você já fez os exames? Já tem laudo? 

Já. Já.

E o pedido médico?  

Vou pegar hoje e encaminho na sequencia.

E os exames pré cirúrgicos?

Vou fazer entre hoje e amanhã.

Nossa. Você é rápida. Cirurgia de que?

Explico pra ele, que garante que vai adiantar tudo que for possível e diz que está torcendo por mim.

Não há muito o que fazer até a hora da consulta. Anoto as dúvidas pra conversar com o médico. Almoçamos nós dois, olhando um para outro. De vez em quando uma lágrima escapa.

Meus três filhos menores chegam da escola. Não estranham o fato de pai, mãe e avós estarem em casa. Bem coisa de menino. Não prestam atenção em nada. Não me pergunta. E nós achamos por bem não dizer nada, pelo menos por enquanto.

Vamos os quatro ao consultório do dr. Grohmann: meu marido, meus pais e eu. A sala é pequena, mas conseguimos nos acomodar. Passamos um hora e meia ali e saímos todos muito mais seguros, tranquilos e aliviados. 
Ele esclarece que, nas imagens, se vê que o tumor está encapsulado - ou seja, não está espalhado pelo rim. Sua área é bem delimitada e ele está praticamente pendurado no rim, externo a ele. O que facilita bastante o corte com mínimo prejuízo do órgão. Quanto ao meu fígado, sua opinião é de que não é absolutamente nada o que foi encontrado no exame.

Ele também coloca na mesa as opções de procedimento: punção, videolaparoscopia ou cirurgia com um corte. E fica claro que a opção dele é a mesma que a minha - a terceira. É a mais invasiva, porém a mais garantida. 

Entramos nos detalhes práticos. Os exames que precisarei fazer, o hospital da cirurgia, o tempo de hospital, o período sem atividades, a cicatrização, os exames de controle.  E o mais importante. Tudo indica que sairei curada do centro cirúrgico. Dificilmente haverá necessidade de tratamentos adicionais como quimioterapia. isso só será 100% confirmado durante o procedimento.


É quarta-feira e a cirurgia fica marcada para a segunda seguinte, no Hospital Sírio-Libanês.

Minha última pergunta é se eu posso treinar até lá. E, para minha alegria, ele responde que sim.

Saímos de lá com bem mais leves. Os fantasmas mais assustadores foram deixados ali. Além disso, tenho uma listinha de afazeres, que me deixarão ocupada nos próximos dias.

Agora que as notícias não são tão ruins e nem o horizonte tão sombrio, escrevo para as amigas uma mensagem:

Meninas
Segunda-feira vou me internar pra extrair um tumor maligno do rim esquerdo. Tudo indica que o problema vai ser resolvido sem maiores complicações e nao vou precisar tratamento de quimio ou radio. Mas isso tudo se confirmará depois que tirar o bicho e ver de que tipo ele é. Ficarei sem poder treinar por pelo menos seis semanas. Estou razoavelmente tranquila e aceitarei companhia no hospital, onde ficarei provavelmente até o final de semana. Amanha e sábado treinarei normalmente. Beijos


Chegam respostas surpresas, assustadas, incrédulas. Aos poucos as palavras vão mudando de tom e se tornam doces, amorosas, sensíveis, próximas. Minhas amigas... foram tão, mas tão importantes nesta jornada. Desde o primeiro instante, senti a força deste bem-querer e isso foi crucial.

Telefono para as minhas fiéis escudeiras, Celina e Solange, as quais deixei com os respectivos corações nas mãos ao sair da Fundação naquele mesmo dia (que parece que foi há um século) e garanto que vou ficar bem.  Peço que tranquilizem os que tiverem preocupados comigo. Vou ficar bem.

Ligo para meu anjo Daniel que, novamente me salva e consegue agendar todos os exames que preciso fazer. Ele consegue abrir a agenda até em horários que não existem.

Coloco mais uma tarefa na minha lista. Comprar um champanhe de presente pro Daniel. Não sei mais como agradecer com palavras.

7 de março
Acordei melhor. Bem melhor. Minhas estranhas começaram a se movimentar e, com isso, a náusea foi embora. 

Consegui sorrir e conversar. Fiquei feliz em poder mostrar pra Ana que não estava mais moribunda. 

Mais uma vez dr Grohmann chega ao amanhecer percebe que estou com outra disposição. Ao auscultar meu intestino confirma que algo esta andando. Missão do dia: eliminar gases. Vamos tentar a dieta líquida novamente. Estou sem comer desde segunda de manhã. E sem fazer uma refeição, desde domingo, mas ainda não tenho fome.

Ao me despedir de Ana, me faltam as palavras pra agradecer o que ela fez por mim. Não somos amigas há muito tempo. Dois, três anos? Mas temos afinidades em questões cruciais: compartilhamos muitas ideias e nos indignamos com os mesmo absurdos. Em alguns assuntos, somos vozes dissonantes da maioria, mas nós duas? Nós cantamos em uníssono.

Onde fica o balcão dos agradecimentos? A gente perde tanto tempo no balcão de reclamações. Tudo o que eu quero é agradecer por ter pessoas como ela perto de mim,  participando da minha vida.

Minha mãe chega comemora meus estado mais alerta. 

Tomo banho em pé e sozinha. É uma grande conquista. 

Saímos pelo corredor, para a caminhada matinal. O décimo andar é dos casos de urologia por isso, só encontramos homens no nosso passeio.  E eles não se importam com a aparência: saem de camisolão hospitalar, não penteiam os cabelos, usam aqueles chinelos descartáveis. Que escracho! Estou inchada, costurada, com dreno e soro pendurados em mim, mas estou vestida com roupas civis, meu chinelo tem um lacinho bem feminino e o cabelos está lavado e penteado. Tenho certeza de que isso ajuda numa recuperação mais rápida!

Volto a me comunicar com o mundo exterior por torpedo, telefone whatsapp.  As notícias correm, então recebo telefonemas de pessoas com que não falo há séculos mas que são importante para mim, e das quais gosto muito. Até o Secretario me manda mensagens, quer saber como estou. 

Fico gratamente surpresa com quantidade de mensagens e telefonemas que recebo das pessoas da Fundação. Sei que sou uma pessoa querida, lá e fora de lá.  Mas não tinha ideia de quanto!  

Essa foi a descoberta mais importante de toda essa história. 

E já tenho um pouco mais de disposição pra receber visitas. Então as fiéis escudeiras veem e trazem até papelada pra eu assinar!  Estou realmente melhor.

Comunico aos familiares e amigos mais chegados - ou melhor dizendo, aqueles com quem tenho menos cerimônia - que preciso soltar gases. Pronto. Começo a receber inúmeros "torpeidos" (com o perdão do mau português): #peidaclau! foi a palavra de ordem. 

No começo da tarde, consegui iniciar esta tarefa.

Pra coroar um dia ótimo, a Dri, minha também queria amiga e parceirona de treinos, veio dormir comigo. E pra completar, Julinha, Kelly (elegantérrima) e meu marido vieram me visitar.  Que mais eu poderia querer?

Para comemorar, soltei um sonoro traque na frente de todos, feliz da vida!





Da esquerda pra direita: Dri, Julinha, eu e Kelly, nos hospital.

terça-feira, 2 de abril de 2013

(Meu) Iron 2013 - IV

Uma semana depois

Não foi uma noite fácil. Passei a viver o dilema dor x náusea. Quanto mais usava morfina, menos dor mas, mais náusea. Escolha difícil.

A ingestão de qualquer coisa, até mesmo água, estava fora de cogitação.

Ao alvorecer, doutor Grohmann veio para a visita. Sua cara não está tão corada quanto 
ontem. Estou péssima, respondo.  E vomito praticamente na cara dele. Ele explica que esse mal estar todo é por causa da paralisia do intestino. E o intestino parou porque fizeram uma bela bagunça lá dentro. Pra voltar a funcionar, preciso começar a me mexer. Para ele andar, tenho de andar eu. E passar menos tempo deitada. 

Se é pra melhorar, vamos fazer o que tem de ser feito. Primeira coisa: tirar a sonda. Segunda: tomar um banho. 

Mesmo sentada naquela cadeira de rodas subaquática, um banho é sempre um banho. Dali, vou pra cadeira, em roupas civis, não mais aquela horrorosa vestimenta que nos deixa  com mais cara de doente.

Estamos apenas minha mãe e eu. Então um moço lindo entra e pede licença para facer la higienizaçón. Não perco a mania de conversadeira. Tento adivinhar de onde ele é e consigo na  segunda tentativa: Chile. Ele tem traços incas, lembra o filho da minha cunhada chilena, Nicolás. Ele nos conta que está fazendo faculdade. Medicina? Enfermagem? Ele sacode a cabeça e aponta para o prédio em construção à frente da nossa janela: engenharia. Puxa, mas você está num dos melhores hospitais do Brasil. Trabalhar aqui não lhe deu vontade de estudar medicina? Não. Não gosto de sangue. Trabajo acá porque necessito pagar a faculdade. 

Mais tarde, um jovem magro e agitado entra para me medicar. É o Kleber. Embora seja auxiliar de enfermagem tem uma determinação e uma firmeza nos gestos que fazem a enfermeira parecer insegura e desajeitada. Gosto dele instantaneamente. Ele conta que é PM. PM! Casado desde os 17, sem filhos, tem 23 anos. Seu pai, policial, morreu em serviço. E eles está estudando na Academia do Barro Branco. Quer ascender na carreira policial. Gosta de enfermagem, mas não a ponto de seguir carreira.

Adoro ouvir essas histórias, conhecer pessoas. A gente adora colocar todo mundo em caixinhas, bem discriminadas, com etiqueta "o faxineiro" "o policial" e aí percebe que os humanos são muito mais interessantes e complexos do que desconfia nossa vã limitação.

Tenho uma missão. Andar. Pego o Jack (suporte do soro) e ele, eu e minha mãe saímos para uma volta no andar. Este é o primeiro passo para o Ironman 2014, anuncia ela a uma enfermeira. Oxalá!

O corte repuxa, as costas doem, me sinto fraca, mas não importa. 

Na volta, me sento, exausta na cadeira. E minha energia parece começar a se esvair. Dali a pouco, Nilson, meu médico querido, cegonhão que trouxe todos os meus filhos ao mundo, aparece pra me ver. Ele faz elogios rasgados ao doutor Grohmann. A cirurgia foi um primor.
Ouço mais do que falo. 

Outro enfermeiro aparece. Minha veia está inflamada. É preciso trocar o acesso. Ele peleja para pegar a veia. Thelma chega no momento em que ele anuncia que minhas veias são bailarinas. Têm bom calibre, mas dançam.

Fica vários minutos me apertando e espetando. Até que resolver pegar a veia da dobra do braço - que não é muito aconselhável, mas é o que temos para o momento.
Não consigo conversar muito.

À tarde é plantão da Irene,  minha sogra, e  Chris Boulos e Nodette vêm me visitar. São ex-colegas de trabalho. Chris me traz uma maçã e mel - alimentos do ano novo judaico que eu sempre levava à  Fundação e distribuía, desejando a todos um ano doce. Para o seu recomeço, me diz. 

Vamos levar o Jack pra mais uma voltinha. Não consigo me lembrar de quase nada do que conversamos. Lembro apenas de me apoiar nos braços amigos e andar em câmera lenta, cruzando de vez em quando com alguém num pace semelhante.

No fim da tarde, meu estado piora novamente. Tenho dor e tenho náuseas. Não encontro conforto.  Sai Irene, entra minha tia Lia. Ela trouxe seu livro pra eu ver. Um delicioso relato sobre a conquista do Corinthians no Japão. Peço pra ela ler pra mim e sua leitura me acalma um pouco.

Ana Mesquita, a amiga escalada para passar a noite comigo chega quando estou em petição de miséria. Com ela um objeto lindo confeccionado por ela: uma mini escultura móbile de tsurus - símbolo de cura, japonês.  Tão lindo que uma pessoa no elevador pergunto a ela se não queria vende-lo.

Estou com muita dor. E Ana, com suas mãos de anjo, apoia minhas costas e seu calor e energia atenuam meu sofrimento. 

Minha tia me deixa nas mãos de Ana, e vai embora silenciosa. Sou uma péssima companhia neste momento. Mas Ana não se importa. 

Durante a noite, a qualquer movimento mais amplo meu, Ana levanta cabeça e me pergunta se estou bem, se preciso de alguma coisa. 
Ela zela por mim como fez minha mãe na noite anterior e meu marido na outra noite. 
Quando penso nisso, me comovo.

27 de fevereiro
Nado, corro, tomo banho, café e vou trabalhar, como em todos os outros dias.

Chego na minha sala, leio emails, respondo emails, falo ao telefone. E olho para o meu celular, esperando o telefonema do Daniel sobre meu exame.

Subo para o 15º andar para uma reunião. É um grupo grande. Falo para todos. Meu celular, que está no meu colo, toca. É minha mãe. Não atendo. Toca de novo, é minha irmã Silvia. Atendo e rapidamente aviso que não tenho noticias ainda, ligo assim que tiver. Minha mãe liga de novo. E de novo.

Saio da sala e atendo.

Temos consulta com o dr Grohmann hoje às duas horas. 
Ok, respondo. Você falou com o médico do exame? ela pergunta. 
Ainda não me ligou. 
E com o Roi (meu marido), você falou? 
Não. Por que? Deveria? Me espanto eu. 
Parece que o médico ligou pra ele... Diz ela. 
Assusto. 
Pra ele? Como assim? O médico deveria ligar pro o doutor Grohmann, não pra ele. 
Ah, não sei, diz ela evasiva. Mas acho que o Roi não quer falar com você. 
Aí eu surto. 
Como assim ele não quer falar comigo??? O pânico vai crescendo. 

Desligo. Ligo pro marido. Caixa postal. Ligo pro Daniel. Caixa postal. Ligo pro marido. Não atende. mando um torpedo pro Daniel. O que está acontecendo? Por que o médico ligou pro Roi?

Ligo pro Roi. Ele atende esquisito. 
Não posso falar com você agora.
Como assim "não pode"?
Onde você está?
Na Fundação. O médico ligou pra você?
Não posso falar agora.
Responde só isso: o mé-di-co li-gou pra vo-cê??
...
Responde!
VOCÊ QUER SABER? VOCÊ QUER MESMO SABER? Quem me ligou foi o Daniel. Ligou porque não teve coragem de ligar pra você. Ligou pra mim porque não sabia como te dizer que você está com um tumor no rim, tumor. E tem também umas coisas estranhas no fígado. É isso, tá?! É isso!

Desligo.

Estou só, sentada no degrau de granilite gelado entre o 14º e o 15º andar.
Choro.
Ligo pra minha irmã. 
Fodeu.
Que foi.
Um tumor no rim.
Calma, irma. Vai dar tudo certo. Eu estou com você. Eu te dou meu rim, se precisar.
Choramos as duas.

Vou pra minha sala. Passo pela Celina, minha secretária, que imediatamente percebe que há algo muito errado.  Ela tenta me acalmar e chora comigo. Vou embora agora, digo. Ela se oferece pra me acompanhar. Querida.

O celular não pára de tocar. É o marido, aos berros, desesperado. Não posso com berros àquela altura. Não atendo. Mas ele não desiste. Quer me explicar que não era assim que ia me dar a notícia, que estava indo encontrar comigo, falar pessoalmente, mas eu o pressionei e então ele falou, mas não queria ter falado daquele jeito. Ok, estou indo pra casa, digo em voz baixa. Estou indo pra lá, então, ele diz.

Ligo pra minha mãe, peço pra que ela e meu pai me encontrem em casa.
Vou embora, procurando o chão que sumiu sob meus pés.
(Continua)




domingo, 31 de março de 2013

(Meu) Iron 2013 - III

Uma semana depois
Naquele dia não consegui me levantar da cama. Estava com  sonda, com dreno, cateter epidural e mais a medicação via soro que entrava pela veia. 
Até o meio da tarde, não me sentia mal, a dor estava controlada e tive até fome. Pude tomar suco e encarar uma gelatina. Permissão exclusiva para a ingestão de líquidos.
A lembrança desses dias está toda enevoada pelos efeitos da morfina, mas consigo resgatar os principais eventos.
Meu marido passou a manhã comigo, minha mãe chegou no meio da manhã com seu indefectível bordado e na hora do almoço recebi a visita da Thelma. Foi a primeira amiga a vir. Elegante, portando um enorme vaso de flores e esboçando um sorriso tranquilizador. Fez uma visita de médico, pra se certificar com os próprios olhos que eu estava bem. E, naquela hora, eu estava bem.
Queria receber a visita de meus filhos. Por um lado, sabia que era importante que me vissem logo, mas, ao mesmo tempo, temia que ficassem impressionados com meu estado, com aquele monte de tubos saindo e entrando do meu corpo.
Logo depois do almoço, minha sogra trouxe os dois caçulas, meus gêmeos de onze anos, Ian e Félix.  Foi rápido, mas cumpriu seus propósitos: fiquei contente em vê-los e eles certamente aliviados em me ver. Eu conseguia falar,  estava sentada e os tubos razoavelmente discretos.
Martim, de 13 anos, veio um pouco mais tarde e Theo, meu mais velho, quase não veio. 
Para nosso azar, justo nesta semana, Theo estava vivendo a sua primeira dor de amor. Ele tem 18, quase 19 e namorava há dois. Na semana que a mãe está internada no hospital, a namorada "pede um tempo". E ele fica desnorteado.  Felizmente, ele veio com meu pai. Enrodilhou-se aos meus pés na cama do hospital, como um filhotinho que necessita do calor e da proteção da mãe.
Meu colo estava avariado, mas consegui me ajeitar de modo a passar as mãos nos seus cabelos recém raspados, aparar suas lágrimas e ouvir o relato de sua tristeza confusa e surpresa.
Ai como dói. Como dói. E a dor dele é minha também. Há um ditado que diz "Quem a boca do meu filho beija, minha boca adoça". É verdade. mas, o revés é ainda mais forte e eu nunca havia sentido a potência de dor de amor em coração de filho.
Os dois ainda estavam ali quando comecei a passar mal. Uma onda de náusea me tomou e não deu tempo de fazer nada. Só vomitar. A contração abdominal foi muito dolorosa, principalmente no lugar do corte.
Foi um momento de virada. Dali em diante, meu estado geral piorou. Se até então eu tinha conseguido mandar mensagens tranquilizadoras e me comunicar com todo mundo. A partir dali, silenciei.

26 de fevereiro - tarde
Daniel liga avisando que conseguiu um horário na tomografia no final da tarde. Diz para eu enviar o pedido médico que eles lá na Digimagem se encarregariam de conseguir a famosa autorização prévia. 
Resolvo essas pequenas operações, mas tenho um dia de trabalho pela frente. Toco a vida, como se nada tivesse acontecido.
Naquele dia, o Secretário da Educação (que respondia interinamente pelo expediente) nos pede - a mim e aos outros diretores da Fundação, que fiquemos a postos pois queria falar com todos nós. 
Torço para que ele não nos chame bem na hora que eu preciso sair para fazer o exame.
No meio da tarde somos convocados. Faz uma fala relativamente rápida mas as outras  pessoas começam a falar e falar e falar e não é tão simples a gente pedir licença e sair no meio de uma reunião com o senhor Secretário. 
Olho o relógio, meus pé batem impacientes por debaixo da mesa e, dentro da minha cabeça, mando meus colegas de trabalho pelamordedeus encerrarem logo o assunto. Mas não tem jeito. Aproveito um momento de dispersão para me levantar e pedir licença ao Secretário, explicando que tenho um exame médico.
Ele - que é atleta também e sabe um pouco das minhas estripulias - brinca comigo ah, é por conta da sua vida de atleta? Respondo de modo que só ele me escuta não, infelizmente, não. É um exame pra descartar o pior. Puxa, ele responde, não há de ser nada. Por favor, me mantenha informado. Agradeço e zarpo pro Tatuapé.
Daniel, meu anjo protetor, me espera na recepção. Fique tranquila, que isso não há de ser nada. Por que você está tão preocupada? Porque o histórico de câncer na família e grande.
Entendi.
Ele então me explica como é o exame. Eu nunca fiz. É rápido, e precisa de contraste. O contraste, me diz ele, provoca uma série de sensações desagradáveis: calores, sensação de que fez xixi na calça, náusea...Um horror! preparei para o pior.
A auxiliar me pergunta se eu tenho alergia ao contraste. Não sei. Nunca usei. Se eu for alérgica, o que vai acontecer? Vou morrer? ela ri. Não. A gente tem medicamentos pra evitar que isso aconteça. E então reforça todo o calvário que eu iria passar durante o exame.
Resignada, entro na sala do exame, esperando pelo pior.
Tudo se passa de modo, rápido, fácil e indolor. Ufa.
Daniel me espera à porta. Se eu tivesse que laudar exames abdominais, morreria de fome! Amanhã, assim que o médico que faz este laudo chegar, ligo pra você e ele liga para o seu médico. Agradeço mais uma vez pela ajuda e o carinho e vou para casa.
Faz menos de 24 horas que li o laudo do ultrassom. Neste curto  período, fiz tudo que estava ao meu alcance, resolvi o que dava para ser resolvido. Esta atividade toda dá vazão pra minha ansiedade que, até aquele momento, não era ainda, angústia.
Agora, eu preciso sossegar um pouco, até saber o resultado do exame, no dia seguinte.
(continua)

quarta-feira, 27 de março de 2013

(Meu) Iron 2013 - II


Uma semana depois
Converso animada até uma da manhã. Estão todos visivelmente aliviados em me ver bem. Inclusive eu mesma. Minha irmã e meus pais se despedem. Meu marido arruma a cama de acompanhante e capota. Não foi um dia fácil pra ninguém.
Com a cama hospitalar reclinada, me recosto e cochilo na medida do possível. Durante toda a noite,  enfermeiras entram e saem do quarto para medir a pressão e a temperatura, trocar o soro verificar a sonda, colocar medicações.
Ao amanhecer, o cirurgião vem para a visita. Abre um sorriso e comenta que já não tenho mais a palidez cadavérica dos que tomaram anestesia geral.  Diz que tudo correu bem mas que devo ter paciência, pois, foi uma cirurgia grande, que requer muita calma no processo de recuperação.

26 de fevereiro
Acordo antes das 4h30, antes mesmo de tocar o despertador. O marido, pelo jeito, desistiu de treinar, pois continua dormindo. Meu bilhete ansioso continua no mesmo lugar, junto ao espelho do banheiro. Deixo lá. Espero que ele veja quando acordar e me ligue. E diga que não é nada. Que vai ficar tudo bem. E que venha me abraçar.
Vou pra USP pedalar. Direto pra Bolinha (praça da Reitoria) e lá fico girando girando girando. Encontro um e outro amigo e converso amenidades como se nada estivesse se contorcendo dentro de mim. Quebrei no Internacional. Na corrida? Deve ter sido o calor. Não, não foi o calor. Tive umas dores estranhas no abdômen. E, quando digo isso, volto a pensar no assunto. Será que foi por isso que quebrei? Porque estou doente? Muito doente? Tento espantar esses pensamentos pra longe acelerando meu giro.  Consigo, por alguns instantes, esquecer do assunto. Mas ele retorna. Uma ideia que parece ter um anzol, vai se enganchando em qualquer pensamento.
O celular, que ficou junto ao corpo, não tocou. Sinto-me só com aquele medo todo. Então vejo Pedro terminando sua corrida.
Pedro é um amigo próximo, querido, feliz. Ele me chama de fanfarrona.
Logo percebe que o assunto é serio. Faço um breve relato da minha angústia. Não há de ser nada. Mas, se for, você vai tirar de letra. Queria ter essa certeza.  Vou me embora depois de prometer que o manterei informado.
Ao entrar no carro, vejo que Daniel me respondeu. Sua mensagem me acalma um pouco. Fica sossegada. Isso não é absolutamente nada. Fica tranquila e assim que falar com o seu medico, liga pra mim. Estarei na Digimagem a tarde e acredito que não vai ter problema algum em fazer um encaixe hoje mesmo. Bjo
O que eu não sabia é que ele só tinha recebido um pedaço do laudo, que mencionava “cistos parapiélicos” e não a parte mais tenebrosa.
Chego em casa, torcendo para encontrar o marido. Mas ele já foi. Subo correndo. No banheiro, confirmo que o bilhete foi lido. Mas a resposta é curta, despreocupada. Tenho vontade de chorar, mas acho melhor ligar pro meu médico.
Consigo achá-lo em casa. Leio o trecho do laudo sobre o rim E. Ele também não gosta e diz que o caso deve ser tratado por um especialista na área, um cirurgião urologista, já que, provavelmente, pelas características e localização – está desviando fluxo sanguíneo do rim – precisará ser retirado.  E o próprio cirurgião deve decidir qual exame complementar pedir – tomografia ou ressonância.
Ligo para minha mãe e peço que ela contate o urologista que cuidou do meu pai para saber que exame fazer. Ela fala com ele, que pede uma tomografia computadorizada. 
Imediatamente aciono o Daniel por mensagem, pedindo a ele que me encaixe em algum horário.
Não são 9 horas. Preciso ir pro trabalho.
(continua)

terça-feira, 26 de março de 2013

(Meu) Iron 2013 - I

25 de fevereiro de 2013
Estava eu terminando o post que sobre o Triathlon Internacional de Santos, quando resolvi dar uma olhada no site do laboratório onde havia feito, na manhã daquele dia, um ultrassom de rotina. Durante o exame, fiquei encasquetada pois o médico ligou o doppler enquanto examinava meu rim esquerdo. Na mesma hora pergunte "Por que você ligou o doppler?". A resposta foi evasiva. Uma embromação. Eram 22h30 quando li o laudo. Não consegui terminar o post.

Uma semana depois
Maligno ou benigno? Segundo o dr. Grohmann, assim que abri os olhos, na sala de recuperação, disparei a pergunta. Não lembro. Junto com ele estava também meu ginecologista, que acompanhou a cirurgia. Também não lembro disso. 
Lembro, a partir de um certo momento, que escutei os enfermeiros discutirem se eu iria pra UTI, ou não. Não fui. O estado geral era bom. Pressão, batimentos, oxigenação.
Na minha mão, um instrumento mágico: parece um interrupto de abajur daqueles antigo, que a gente segura com os quatro dedos e aperta com a ponta do dedão. É a bombinha com o bônus de morfina, me explicam. Estou com um cateter peridural que injeta morfina permanentemente mas, caso a dor aumente, a cada 12 minutos, tenho direito a um plus.
Não sinto as pernas, a cabeça está leve, e a dor é afastada logo que se aproxima.
Converso com Aline, uma das auxiliares de enfermagem atenciosas, que explica sobre a bombinha. Ela tem o rosto lindo. Digo isso pra ela sem me importar com o que pode, equivocadamente, inferir. Deve ser o efeito das drogas.
Também puxo papo com Sergio, o corintiano. Quero subir pro quarto, quero ver meu marido, digo pra ele. Já estou bem.
Desci para o Centro Cirúrgico por voltas das 18h. Já é meia-noite. Não lembro de quando sai do quarto. Pela primeira vez, me deram o dormonid na veia. Nas duas artroscopias que fiz, tomei via oral e lembro da minha chegada à sala de cirurgia. Desta vez, é um grande apagão. (Que bobagens será que falei?)
Finalmente sou liberada para voltar ao quarto. 
Chego falante, quase eufórica. Marido, mãe, pai e uma das irmãs. Fico sabendo que o corte foi na frente e não nas costas como inicialmente planejado. O médico quis ver (ver como as crianças veem, com as mãos) meu fígado também. Não encontrou nada. Ainda bem. 
Dou uma olhada no curativo. É imenso. Não consigo saber como é a incisão. Mas dá pra perceber que é grande.

25 de fevereiro 2013
O marido dormia. Não tive coragem de acordar. Liguei para minha mãe. Li o laudo. Não é bom. Liga pro Nilson amanhã cedo.
Copiei a parte do laudo que descrevia o rim esquerdo e enviei para o Daniel, meu amigo e radiologista compartilhando minha angústia e pedindo ajuda pra agendar o exame complementar - sugerido pelo médico que escreveu o laudo - se possível, no dia seguinte mesmo.
Deixei um bilhete para o marido no espelho do banheiro, compartilhando minha angústia. Supunha que fosse acordar antes de mim. Assim compartilharia o assunto logo cedo. Feito isso, apaguei as luzes. Iria acordar cedo para treinar no dia seguinte. 4h30 da manhã.
mas não dava pra dormir. O medo de estar com câncer me assombrou a noite toda. Minha mãe teve linfoma aos 48 anos. Eu tenho 49. Ela está muito bem, mas passou por todo aquele tratamento violento de quimio e radio.  Apavorada, mal dormi.
(continua)

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Ironman 2012 - Staff e torcida - Parte 2

Chegadas e mais chegadas

Deixamos nossos postos de staff e fomos tomar um merecido café na Expo Iron (feirinha de produtos que fica do lado da área de transição).  Com direito a pão-de-mel e tudo.
Em seguida, fomos até as arquibancadas ver o pessoal cruzar a linha de chegada.
A ideia era ficar meia hora, apenas, mas acabamos ficando quase  duas horas. Chegamos ali com 9h25 minutos de prova. O pessoal forte dos amadores e as mulheres do profissional estavam terminando a prova.  Eu nunca tinha visto “de fora”. É mesmo um momento comovente e inspirador.
O que mais impressiona é a alegria. Por mais que a pessoa esteja no fim das suas energias, a estrondosa maioria, quando pisa no tapete azul que leva até o pórtico, tem ainda forças pra iluminar o rosto, brilhar os olhos e escancarar um belo sorriso. Cruzado o pórtico, para alguns, o disjuntor cai e dali vão direto pra maca. Mas, no mais das vezes, dá pra abraçar e beijar os seres amados que tiveram a paciência de suportar um triatleta em família por meses, com todas as suas neuras, ausências, conversas monotemáticas, entre outras manias.
Família uniformizada
Cada um ali tem uma história e a gente consegue vislumbrar um pouquinho delas no desfile do tapete azul. Pelo que soube, na maioria das provas de Ironman pelo mundo afora, não se pode atravessar o pórtico acompanhado. Aqui, é uma autêntica festa:
- Famílias inteiras uniformizadas;
- Atletas pais com nenês de colo;
- Atletas pais, com mulheres enormes de grávidas;
- Atleta portando faixas com declarações de amor;
- Atleta professor, acompanhado de toda a sua turma;
- Atletas filhos, com seus pais e irmãos;
- Atletas, mães, com  marido (ou sem) sua prole de filhos e até netos!
O amor e o companheirismo são homenageados em 100% das travessias dos amadores. Não tem como os olhos não marejarem.
Nem vimos o tempo passar e foi duro sair dali. Mas tínhamos prometido à nossa chefa que voltaríamos, então fomos nos reapresentar em nosso posto.
Estava tudo absolutamente tranquilo naquela transição.  Não tinha nada pra gente fazer. Pedimos pra ser exoneradas e fomos embora.

Pizza, cerveja e a torcida mais animada
Logo que saímos, encontrei minha querida rival mega super máster atleta Valeria Rosati que, mais uma vez, levou a melhor e vai, pela terceira vez, pra Kona. Torci muito por ela durante a prova, porque, além de ela ser forte mesmo, é uma pessoa simpática, bacana e humilde. E ela me deu um abração e agradeceu a torcida.
Em seguida, voltamos pra arquibancada onde estavam a Mari Klopfer e a Simone Lotito. Como já tinham se passado mais de 12 horas de prova, sugeri que fossemos pra outro lugar, comer alguma coisa e torcer pro pessoal que ainda estava fazendo a prova.  Mari foi conosco e Simone juntou-se a nós depois.
A pizza e a cerveja mais divertidas que já comemos
Com o anoitecer, a animação vai arrefecendo e é duro para quem ainda está no meio do percurso da corrida.
Fomos andando em direção ao Campanário e já começamos uma muito animada torcida pro pessoal que estava correndo.
Estava tão divertido torcer, que decidimos buscar a pizza no Spazio e  darmos conta delas ali, sentadas na guia.
E foi o que fizemos. Cerveja numa mão, pizza na outra e gritos de incentivo, de boca cheia mesmo.
Quando alguém lançava olhares cúpidos para nossa refeição, prometíamos: “Vai lá, termina a prova e volta aqui que a gente te dá uma pizza!”
Lá pelas tantas, passou um e pediu: “dá um pedaço, dá um pedaço!” olhando pro pedaço que a Thelma segurava. Não teve como. Ela mesma nos disse “o pedaço era dele, eu só estava segurando!”
Revigoradas com a pizza e a cerveja, levantamos e começamos a torcida mais animada do Iron. Sério. Veio gente filmar, fotografar e assistir.
O Túnel da Energia - olha o sorriso dela!
Aplaudíamos e saudávamos todos. Começamos a cantar para aqueles que vinham andando desanimados. Nosso coro era “Quem ta andando a gente anima! Quem ta andando a gente anima! Quem ta andando a gente anima!”, batendo palma e cantando cada vez mais forte e rápido, até que a pessoa começasse a trotar. Aí comemorávamos como um gol de final de campeonato e, de quebra, eu ainda gritava “lindooooo! Lindoooo!”.
Conseguimos fazer quase todo mundo trotar. E todo mundo, todo mundo, sorrir.
Lá pelas tantas, chegou a Julinha, que rapidamente entrou na brincadeira e era a mais engajada. Ia láááá longe conversar com a pessoa que estava andando, avisando que íamos animá-la e que ela, sem dúvida, iria conseguir dar um trotinho.
Na nossa frente, instalou-se um pessoal com a bandeira do Chile. Cantamos pra eles:
“Chi-chi-chi le-le-le vi-va Chi-le!”
Do alto de um prédio, uma galera começou a fazer coro conosco.
Inventamos um “túnel energizante, descãimbrante”. Quem passasse por ele, voltaria a correr e fizemos a hola, para aqueles que vinham correndo ou trotando.
Até o “tchu e o tchá” a gente cantou.
Foi uma verdadeira festa. Alegramos muita gente mesmo. Com a nossa animação, só o pessoal que estava no posto de hidratação, uns 400 metros adiante.  Eles também estavam cantando, dançando e brincando com todo mundo.

Chegada da Kelly
Comitiva da Kelly
Por volta de 14h30 minutos de prova, a Kelly, nossa querida amiga, apareceu para fechar a prova.
Decidimos acompanhá-la até o final. Dali até a chegada eram mais ou menos 1500 metros. E lá fomos aplaudindo, em comitiva.
Dali até o final, fomos  anunciando e pedindo aplausos:
“Pessoal, esta é a Kelly! Ela está terminando o Iron! Palmas pra ela!”
E assim ela foi  acalmada por todo o percurso. Todo mundo, naquele 1,5 km, a ovacionou.
Quando chegamos ao tapete azul, ela acelerou e nós a deixamos ir.
Ela cruzou o pórtico e olhou pra trás.
Fez sinal para que fossemos até lá.
Fomos correndo e, no pórtico, demos um “peixinho” aos pés dela.
Depois, levantamos, a abraçamos e giramos.
Por últimos, posamos para uma foto no pórtico.
Um carnaval.  Inesquecível, pra todas nós.
"Palmas pra Kelly!!!"(veja o vídeo da chegada)

Apagar das luzes – os últimos
Depois da chegada da Kelly, voltamos ao nosso posto na frente do Campanário.  Consegui convencer as meninas e assistirmos os últimos competidores chegando. Estávamos as quatro bastante cansadas mas, puxa, eu queria prestigiar o pessoal que não desiste.
E fomos nós. No caminho, uma senhora apontou pra mim e disse: “Esta menina, de anteninhas, animou muita gente! Vocês está de parabéns, viu?!”. Adorei. Principalmente a parte da “menina”. Nada como ter anteninhas pra parecer mais jovem.
Cruzamos também um atleta, que nos perguntou “E a Kelly? Chegou?” Nada como ter anteninhas, pra ser reconhecida.
Já não tinha muita gente nas arquibancadas e os que estavam, esperavam ansiosos, temendo que o atleta que esperavam não conseguisse chegar tempo.
Vimos chegar a Theo Carroll, a competidora mais idosa, de sessenta e tantos anos que, no entanto, não foi a última.
E o Ivan, de Rondônia, que aprendeu a nadar com mais de 40 anos, só pra poder completar um Iron – e estava com uma enorme e barulhenta torcida.
E a Alicia Collins, a triatleta mais gorda que já vi. Como ela conseguiu carregar aquele peso todo – praticamente concentrado no seu quadril e adjacências - por quase 17 horas? Será que é saudável? Não é perigoso para as articulações? Ficamos, as quatro, nos perguntando.
E o último a chegar foi um rapaz de trinta e poucos anos, Bruno. Nem gordo, nem magro. Por que será que ele custou tanto a fazer a prova? Enigmas do triathlon.
Aos dez segundos, foi feita uma contagem regressiva e, felizmente, se havia alguém para chegar (e acho que havia) não estava perto o suficiente para ter esperanças de cruzar a linha.
E assim terminou o Iron 2012.
Uma coisa é certa. Em 2013 estarei lá. De qual lado do balcão, ainda não sei.