terça-feira, 8 de junho de 2010

Iron 2010, diário de uma insanidade ou 11 horas 35 minutos e 17 segundos que levaram quase um ano pra acontecer

Parte 6 (partes 5, 4, 3, 2 e 1, abaixo)

Pois então estava eu de frente pro meu cabide onde só se via a sacola preta, vazia. A sttaff que me acompanhava ficou tão surpresa quanto eu.  Atônita, comecei a andar de um lado pro outro, feito uma barata que acabou de levar um chinelada, e a gritar "minha sacola sumiu! minha sacola sumiu! é número 1287! e sumiu! 1287!". Ninguém achava, um dos meninos disse pra eu procurar na tenda feminina mas, ao entrar lá e ver a pilha de sacolas azuis jogadas no canto, desanimei. Voltei pra área dos cabides e continuei gritando. Eu já estava chorando, pensando que tinha treinado um ano inteiro, levado toda a minha família, criado a maior expectativa de cruzar a linha de chegada, pra minha prova terminar daquele jeito patético. Se fosse a sacola da corrida, pensei, eu sairia descalça mesmo e pegaria um tênis emprestado com alguém do público. Mas capacete? Não poderia nem sair dali sem um na cabeça.
Um dos staffs me pedia "calma" e eu quase fui realmente grosseira com ele. Não dava pra ter calma.
Depois de uns cinco intermináveis minutos, a sacola apareceu. Estava pendurada num lugar nada a ver. Que alívio! Que felicidade!  Voltei a ficar com raiva deste incidente no dia seguinte, pois a perda desses minutos foi preciosa. Mas só vim a saber disso depois.
Me aprontei tentando tirar o atraso. Duas moças muito queridas me ajudavam, enquanto tentavam me acalmar. Joguei todo conteúdo da sacola sobre duas cadeiras e fuicoordenado a operação com uma cirurgião chefe na mesa de operações: "Camiseta de ciclismo! Comidas nos bolsos! Bandana! Capacete! Óculos de sol! Chamois butter! Vaselina! Meia! Sapatilhas!". As duas me disseram que o pessoal estava saindo sem manguitos, porque não estava frio. Com medo de que o tempo esfriasse - já que não estava lá muito confiável - decidi levar os manguitos nos bolsos da camisa e deixei a cortavento lá mesmo. Não passei protetor solar e não fez falta. Lambuzei a cintura da bermuda de vaselina e saí, patinha choca (eu sei, eu sei... está mais do que na hora de aprender a colocar a sapatilha com a bike andando mas... quantos segundos iria ganhar com isso?), pra pegar a bike.
 
No pedal
Esse era o trecho que eu mais temia. Não só porque é meu ponto mais fraco nas três modalidades, como também por ser onde pode acontecer os problemas: um chão, um pneu furado, uma dor nas costas, uma penalidade.
Fiz um trato comigo. Iria pedalar o máximo que conseguisse desde que as pernas não começassem a arder ou doer. Ou seja, desde que não fizesse muita força. Se desse pra fazer os 180 em seis horas, muito que bem. Se não desse, paciência. Era o meu primeiro e eu queria terminar de pé e não rastejando pela linha de chegada.
Tomei o único gel que tomaria na bike e, então, estrada, sem muito compromisso com o relógio.
O vento ajudou um bom pedaço. Numa prova dessas, você passa boa parte do tempo com gente próxima. Isso é bom e ruim. Bom, porque você percebe que está no jogo, não é uma tartaruga, nem uma lesma. Não se sente só. Ruim, porque se não tomar cuidado, toma penalização e se não prestar atenção, pode fechar alguém, quando vai ultrapassar alguém.
Quando alguém me passava, eu pensava com meus botões "Rá! Tá me passando agora, mas eu nadei melhor do que você-ê!". E o melhor era nas subidas. Sou levinha, então girava, girava, girava e deixava os mais fortinhos prá trás.
E nas descidas eu me lembrava do André Vanni "Não me vá chegar toda esfolada!" e soltava o freio, mas ficava 100% esperta.
Xixis, muitos. Mas muitos meeesmo em cima do selim. Sem dó. Só dava uma olhadinha pra ver se não ia banhar ninguém e pronto. Relaxava. Quase tomei um banho de uma que levantou do banco pra se aliviar e foi aqueeeela chuva.
Levei apenas uma garrfa de endurox r4 e o quickdrink com água, que repus em todos os postos de hidratação. Em dois ou tres deles, misturei um pouco de gatorade.
Se você pensa que quando a gente chega no centro de Floripa, tem muita gente pelas ruas torcendo e acompanhando a prova... doce ilusão. Ninguém está muito aí, não. Aliás, deve ter gente achando muito ruim porque várias ruas ficam bloqueadas. Uma ou outra criança, um outro cidadão, acenam e gritam palavras de incentivo.
O trecho mais chato é na avenida dos túneis. Muito vento  ali. E não acaba nunca. Você vem, você vaaaaaai, aí você veeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeem de novo e vaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaai de novo e então veeeeeeeeeeeeeeeem e vaaaaaaai embora. Quando você faz o retorno, pensa "agora é só voltar pro túnel"mas, procura o túnel e...cadê? "Não, não é possível! Não pode estar lá naquele morro! Não! Não pode ser tãããão longe!" Mas é. É longe. E tem vento.
Então eu aproveitava o vento a favor e passeava no vento contra, conforme o conselho do Leonardo, na véspera.
A velocidade caia muito. Mas muito mesmo.
Não consegui ficar muito no clipe. Meu ombro esquerdo, o famoso da ombrite, estava doendo. Decidi tomar um advil. Depois de um tempo, melhorou. Mesmo assim, não fiquei clipada boa parte do pedal.
A volta pra Jurerê passou mais rápido do que eu pensava. E a gente se anima "oba!oba!oba! Estou acabando a primeira parte e está tuuudo bem!".  Mas quase que justo no fim da primeira volta não acaba tudo bem.
Eu estava com o pneu reserva preso por uma cinta de velcro no quadro, no suporte de caramanholas. Quando cheguei no retorno, uma curva onde estava a torcida esperando e também onde ficava o special needs, o chão era de paralelepípedos e a bicicleta trepidava muito. Com isso, a cintinha de velcro foi se afrouxando e, quando vi, o pneu estava quase caindo. Fui pedalando e tentando segurar o pneu, pois não queria parar ali, já que teria de parar pra pegar coisas na sacola do special needs, logo depois da curva.
Péssima decisão.
Na hora de fazer a curva, tive de soltar o pneu que estava segurando. Resultado, ele se soltou,  foi parar entre o quadro e a roda, travou a roda e, por muito pouco, pouco pouco, pouco messsmo, eu não fui pro chão. Ia ser um beeelo chão, na frente de toooda a torcida, inclusive da minha família.
Mas, fui rápida no gatilho, consegui tirar a sapatilha em tempo recorde e evitei uma queda que ia virar piada pro resto da minha vida.
Parei, respirei, um staff veio me ajudar e o locutor (ele de novo), narrava minha situação "Gente, a Claudia teve um pequeno problema, mas parece que já está tuuuudo bem!" Aplausos da torcida. Ajeitei o pneu rebelde, subi na bike e dei um tremenda fechada num cara pois decidi cruzar a pista pro outro lado, no meio da curva, pra fazer um "give-me 5" com todos os meus filhos. Ele xingou todas as minhas gerações. Com razão. Mas nem liguei.




Fui passando pela área do special needs e gritando "Gra! Gra! Gra!". Roi me viu e gritou "ela tá ali na frente!" Parei e desci da bike pra firmar bem o pneu traiçoeiro e pensei "Isso é praga do dono que perdeu ele na rua". 
Pelas regras, a Gra não poderia tocar em mim nem tirar nada da sacola. Então foi um pouco atrapalhado pra eu conseguir pegar as comidas, a garrafa cheia de endurox que tinha deixado congelada, e encontrar a farmacinha - peguei mais um advil. Livrei-me dos manguitos e fui embora. Falei pra Gra, Junior e Roi "Eu estou bem! Estou me sentindo muito bem!". Queria tranquilizá-los.
Sem grandes novidades na segunda volta. O vento um pouco pior e, lá na boca dos túneis, cheirinho de churrasco! Os pessoal do apoio decidiu assar uma carninha ali. Nem ofereceram.
Alimentei-me conforme o planejado, de 30 em 30 minutos uma porção de carboidrato:
- bisnaguinha com creamcheese light e geléia
- minhoquinhas (gomas hummmm)
- stiksy
- goiabinha (biscoito recheado)
- bananinha com açúcar
- batatinhas
A batatinha não deu muito certo. Coloquei orégano nelas na véspera (coisa que nunca tinha feito antes) e o orégano amargou a batata. Só comi uma - blergh! Ruim demais!
Nessas segunda volta, garoou em alguns momentos. Redobrava a atenção, principalmente nas curvas e descidas.
Vi gente machucada. Vi muita gente de pneu furado - com o apoio ajudando. Vi muitos fiscais vigiando mas pouca gente com o número de peito riscado.  Fiquei com medo de ser penalizada nas subidas. Apesar de não ser vácuo, fica todo mundo embolado e os árbitros, meio manés (da ilha hahaha), acabam penalizando quem está na confusão. Aconteceu com a Nilma, em Penha, e com o Pedro, nesta prova.
O ombro voltou a doer e eu voltei a tomar advil e o ombro melhorou de novo.
Nas passagens pelos postos de hidratação maior perigo é atropelar uma caramanhola jogada, perder o rumo e dar com os burros n'água. Ou, como no caso da Nilma, alguém à sua frente passar por uma caramanhola, se desequilibrar, cair e você passar por cima (do caído) e tombar também.
Passei incólume por todas as garrafinhas.
Faltando uns 15, 20 quilômetros, a chuva engrossou. Meu óculos ficou cheio de gotinhas de água e eu não estava enxergando nada. Já não tenho olhos muito bons, sem óculos de grau, na chuva...Foi tenso. Ora olhava um pouco por baixo das lentes, ora olhava por cima. Pensei em tirar e guardar no bolso de trás, mas a chuva iria machucar meus olhos. Tenho medo de deixá-los desprotegidos.
Tinha me preparado para sofrer muito os últimos 30 km. Não sofri. Está certo que não me matei, mas terminei os 180 km melhor do que imaginava.
Não lembrei de colocar no volantinho pra deixar as pernas um pouco mais soltas nos últimos kms, mas lembrei de soltar as sapatilhas e tirar os pés delas antes da linha de desmonte. 6h12min. Não foi tão mal assim.
Lições do pedal:
1. Dá pra melhorar este tempo. Mais tempo de cara no vento. Precisa ficar mais fácil do que é aguentar o vento fazendo mais força, com menos esforço. Vocês entendem.
2. Acertei na alimentação. Meia em meia hora, variada, doce e salgada e com endurox. Nada que não tivesse experimentado durante os treinos. A minhoquinha ganhou o prêmio de mais gostosa! Quanto à batatinha, nunca mais dorme no orégano.
3. Uma caramanhola e o quickdrink é mais do que suficiente se você deixar mais uma caramanhola com suplmento no special needs. Menos peso pra carregar!
4 Não é bom negócio usar dois tipos de pneu. Isso obriga a levar tubular E câmera sobressalente. Muita coisa.
5. Juro que vou ensaiar a troca de pneus tubulares. Não precisei trocar mas, se precisasse, estaria em maus lençóis. Iria fazer metade do serviço  e depois rezar pra assistencia da prova aparecer. Melhor ter segurança nestes departamento também.
6. Prender o tubular direito pra não tomar outro susto daqueles.
T2
Desci da bike e entreguei pro primeiro que estendeu as mãos.

Ao dar o primeiro passo, pensei "uau! Cadê minhas pernas?" em seguida, tirei o capacete e, nessas, acho que o cérebro foi junto: entrei na área de transição sem saber pra que lado ir. O staff apontava insistentemente pra um lado mas eu estava indo pro outro. Até que uma me pegou pela mão e me levou na direção certa.

6 comentários:

  1. Ufaaa, até que enfim saiu a continuação, estava aflito querendo saber o que tinha acontecido.....!!!!!!!! Embora ja saiba o final do filme (feliz por sinal), nao vejo a hora de ver a continuação, e provável parte final....infelizmente, porque está legal demaisssss!!!!!!!!!!!!!

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  2. També não sei se existe muita vantagem em se calácar a sapatilha na transição ou já pedalando. Arrisquei uma única vez calça-las já pedalando no último internacional e não sei se tive muita vantagem. Num iron então, acho que a vantagem é menor ainda. Também morro de medo do pedal! Medo de como vou ficar no final dos 180 Km, medo de não conseguir fazer xixi sobre a bike, de furar pneu, de fazer muita força e quebrar. Quanta coisa que precisa pensar, decidir, organizar. Não se esqueça de contar no próximo se você encontrou suas pernas....e o seu cérebro também...hahahah. Tá animal sua prova! MUITO melhor do que pelo site no dia da prova...só com números! Bjos

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  3. Quero ver o próóóóximoooo! :-)

    Abraços!
    Rodrigo Stulzer
    transpirando.com

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  4. já estava quase sem dormir aguardando os próximos capítulos he he. Não acredito que foram esses 5 minutos que fizeram toda a diferença (já sei no quê). Você deve ter ficado com muita raiva. Pelo menos fica um gostinho de "quero mais" para a próxima vez.

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  5. Claudia! Fiquei honrada em ler tantas vezes NILMA(s) !!! ...Como vc escreve bem!, que riqueza de detalhes, parece que eu estou vivenciando a prova novamente, com todas as sensações deste Iron!
    Estou ansiosa para ler o próximo capítulo... vai chegar minha vez de aparecer na sua história , e do jeito que vc é rapida, já vai me alcançar na corrida...!

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  6. Claudinha.Está muito legal sua versão para a prova. Sempre fico testando outras coisinhas para comer na bike , e não conhecia as " minhoquihas". São aquelas de gelatina ?? bjs

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