Que festa é essa?
Na noite de sexta-feira, antevéspera da prova, quem entrasse no saguão do hotel Il Campanário e não soubesse da existência da prova de Ironman ficaria intrigado.
Pedro, Nilma e eu, no bar, mas não pra beber |
A primeira impressão é que está rolando uma festa. Muitas pessoas, embora não haja música, o clima é animado, há várias rodinhas de conversa. Poderia ser um casamento mas os trajes, esportivos (não esporte fino), não condizem com uma ocasião dessas. Também não se vêem bebidas alcoólicas, apenas água, café, sucos, isotônicos.
Quem sabe é uma convenção de alguma empresa? Também não. Há famílias inteiras — do patriarca setentão ao bebê de colo —, e crianças correndo pra lá e pra cá.
A maioria das pessoas está na faixa dos 30. O observador continua intrigado. Se não é uma festa e não é uma convenção... Talvez seja uma excursão! Mas, para onde, se está todo mundo, em plena sexta-feira, nove da noite, enfiado dentro do hotel em vez de passear?
É realmente uma cena inusitada e os não iniciados precisam de informações para poder fazer alguma idéia de que fenômeno é este. É bem possível também que, ao ouvir as explicações, conclua que, de duas, uma: ou ele não entendeu direito ou aquele bando todo, que irá para o matadouro em menos de 48 horas, é completamente insano em estar assim, relaxado, festejando, como se fosse divertir-se!
Outro mundo
Era este o clima quando minha família chegou na 6ª feira. Uma grande confraternização.
Desta vez, diferente de 2010, tratei de ficar em um dos hotéis “da prova” – o Campanário, onde ficam boa parte dos atletas. É caro? Sim, é. Mas vale muito a pena. No ano anterior, quis economizar, e o barato saiu caro. Em primeiro lugar, porque a diferença de preço não é das mais absurdas e a qualidade da hospedagem e os serviços são muito, mas muito superiores. Fiquei sem café da manhã, sem espaço, sem janela e sem a arrumação diária do quarto!!! Foi um estresse.
Este ano, além de todo o conforto e dos serviços de qualidade (translado pra expo, transição e largada, casa de hospitalidade e oficina no hotel) o melhor de tudo era estar junto com os amigos todo o tempo. Julinha, Pedro e Nilma quase sempre, e ainda outros como Flavio, Valter, Marco s, Cesar, Giovane, PG, Kaká ...
Eu, Pedro, Daniel, Nilma, Marcos e Julinha logo depois do treino no mar. |
Essa convivência é um bálsamo. A gente pode ficar falando de Ironman 100% do tempo que ninguém vai reclamar. Estratégia para alimentação, os trajes, as rodas, o ritmo, a forma física dos concorrentes às vagas para Kona... Os temas vão e vêem, com pequenas variações, temperados de risos e gozações mas também de palavras de apoio e confiança.
É um descanso pra cabeça. Esquecemos trabalho, família, dívidas; dos problemas pessoais, nacionais ou mundiais. Ficamos totalmente alienados. Se estourar a terceira guerra mundial e viermos a saber, nossas únicas preocupações serão: “Vai atrasar a largada? Haverá buracos no asfalto?”
Família ê
Os familiares, de modo geral, intuem que ali acontece uma loucura coletiva e, sabiamente, ficam no apoio e na torcida sem cobranças, nem exigências de atenção. Mesmo os acompanhantes de marinheiros de primeira viagem – como o Nilton e a Mônica, pais da Julinha, por exemplo, rapidamente perceberam que deveriam estar ao alcance de um telefonema, mas que não precisariam escoltá-la.
Os meus acompanhantes, que já conheciam o andamento daquela carruagem, foram na medida. A prioridade eram meus horários e ninguém ficava ofendido se, por acaso, meu programa era almoçar às13h e jantar às 20h e não acompanhá-los no almoço das 14h30 e jantar às 21h.
Mamãe na piscina... |
...papai lendo. Eles também se divertiram um pouco! |
Minha mãe cuidou da retaguarda, meu pai me acompanhou na entrega da bike e o marido ficou como um anjo da guarda, pairando por todos os lugares ao mesmo tempo: cuidando das crianças, atento às minhas necessidades e curtindo também o clima geral com os amigos.
Preparativos e ajustes
No sábado de manhã já estava quase tudo pronto para a entrega das sacolas e bike.
Aconselhada pelo Wagner, decidi comprar aqueles recipientes de colocar gel diluído em água então ainda dei uma chegada a jato na feirinha. A feira abria às 9h. Às 9h10 já estávamos de volta, Ju e eu, com as garrafinhas.
Faltavam apenas detalhes: passar veda-rosca nos prolongadores de válvula (para os leigos – as rodas de competição são mais largas e, por isso a válvula dos pneus ou câmaras precisa de um prolongamento ou não há como enchê-los), passar cola nos pneus tubulares reservas (para os leigos – este tipo de pneu sem câmera é colado à roda) e prender um deles no suporte.
Wagner, meu técnico, tinha chegado na noite anterior e eu estava aflita para falar com ele. Queria que ele desse uma olhada na bike, ajeitasse o pneu no suporte, discutisse comigo detalhes da mudança relativa às sacolas de special needs. Vou precisar fazer um tópico sobre esta questão. Vamos lá:
Sacolas em geral, e special needs em particular– pra leigos e não tão leigos
O kit da prova de Ironman tem, além do chip de cronometragem, uma camiseta (que não é a de finisher) e dois números de peito, SEIS sacolas: uma branca – geral; uma preta – natação, uma azul – ciclismo, uma amarela – corrida, uma verde – special needs ciclismo e uma vermelha – special needs corrida.
Sacolas personalizadas... |
Na sacola de amarela, o mínimo que ela deve ter é um par de tênis, a menos, é claro, que você pretenda aderir à moda de correr descalço... mas não recomendo. O que também pode ficar nela é um par de meias, o número de peito reserva preso a uma cinta reserva (pro caso do seu ter rasgado durante o pedal), um boné ou viseira, géis e outros suplementos.
...com adesivos coloridos! |
E as special needs, afinal? Até o ano passado estas sacolas poderiam ser deixadas ou com os staffs ou com algum amigo ou parente que ficavam numa área delimitada pela organização da prova na qual o atleta poderia parar rapidamente para pegar, por exemplo, outro pneu reserva, uma garrafinha com suplemento, mais alimentação.
Qual a vantagem? Não ter de sair carregando um monte de peso morto. Afinal, a gente paga uma fortuna pra ter a bicicleta de carbono, levíssima e depois enche de tranqueira e recupera o peso perdido.
No special needs da corrida geralmente, o que se deixa é uma blusa de manga longa para o frio que chega ao cair da tarde, um tênis reserva, uma meia, algum suplemento.
Dá pra passar sem? Dá mas era preciso repensar as estratégias.
Agora um parênteses. ( ) Preciso tirar meu chapéu pro Carlos Galvão, organizador da prova. Quando o pessoal tomou conhecimento de que as sacolas de special needs não iriam mais poder ser entregues, que cada um ia ter de pegar a sua — todo mundo reclamou. Minha expectativa era que na hora em que Galvão falasse sobre isso durante o congresso técnico fosse haver um protesto generalizado.
A expectativa era grande quando ele foi se aproximando do assunto. Na hora em que apareceu o slide que dizia SPECIAL NEEDS, pensei “é agora que o bicho pega!”. Ele foi, direto, firme e objetivo:
- Conforme está no regulamento da prova deste ano (Rá rá, ponto pra ele! Quem leu o regulamento???) cada atleta será responsável por pegar sua sacola de special needs.
- Isso é uma orientação dada pela WTC para todas as provas de Ironman.
- Vai ser muito melhor e mais organizado. Além do que, o special needs do ciclismo pode ser acessado nos km 45 e/ou 135 e da corrida em qualquer uma das três voltas.
Ninguém deu um pio. No final, ele ainda foi aplaudido efusivamente.
Para mim, foi uma lição. Comunicação é tudo. O cara não deu brecha pra discussão e nem por isso foi antipático ou autoritário. Palmas pra ele.
Continuando os preparativos e ajustes
Então decidi com o Wagner que não faria parada no special needs da bike a menos que furasse um pneu, pra pegar o reserva. No mais levaria uma garrafa no suporte traseiro e outra no quadro, ambas com R4 (suplemento líquido). No quickdrink colocaria água e gatorade, reabastecendo nos postos.
Conversamos sobre alguns detalhes e combinamos de nos encontrar na hora da entrega de bike e sacolas.
Entrega de sacolas
Wagner prendendo o pneu no suporte antes da entrega da bike |
Fomos, meu pai de câmera em punho, e eu, dentro do horário estipulado pela organização que, este ano, foi seguido rigorosamente. Resultado? Não tinha fila alguma!! Lado bom, não tinha demora. Lado ruim, não teve a animação e os encontros que rolaram em 2010. Ano passado, como a fila era quilométrica, ao passar por ela a gente encontrava todo mundo que não tinha visto ainda.
Mas encontrei o Wagner de novo, a Cicarelli – miss simpatia de sempre, a Mari e o Diglu. Na hora de entrar com a bike na transição, a grande surpresa: o Arthur lá estava como staff! Ah, foi o máximo! Esvaziamos um pouco os pneus – porque ainda estava sol e os tubulares são danados pra estourar quando está quente -, depois colocamos a bike no suporte. Ele me aconselhou a levar as sapatilhas, me ajudou a encapar a bike (ainda bem que eu tinha guardado a capa do ano anterior) e se despediu prontificando-se a me ajudar no dia seguinte.
Dali fui deixar as sacolas na tenda. Desta vez personalizei minhas sacolas. Não queria correr o risco de ter alguma perda novamente.
Recepcionada pelo Arhur, staff mais que especial! |
Tudo entregue, voltamos pro hotel para a última etapa de preparação: comidas.
Bisnaguinhas!!!
Julia, Nilma e eu preparando a merenda. Reparem como estou comprimindo a bisnaguinha |
Julinha, Nilma e eu. No centro da mesa, vários pacotes de peito de peru, caixas de poleguinho light, sacos de bisnaguinha, potes de geléia sem açúcar, bananinhas, goiabinhas, minhoquinhas, stiksy, papel alumínio, pratos, colheres e facas.
Nossa conversa era de alto nível:
“Você usa um polenguinho inteiro numa bisnaguinha? Não é muito?”
“Que geléia é essa?”
“Essa minhoquinha não gruda no dente?”
O auge do nosso colóquio ocorreu quando a Federmann resolveu nos instruir acerca da técnica de diminuição do volume dos panifícios de pequeno porte através da compressão para retirada total do volume de ar. Traduzindo: ela ensinou como esmagar a bisnaguinha de modo que ela ficasse quase da espessura de uma folha de papel (papelão, vai...)
Na primeira demonstração ela pegou uma bisnaguinha recheada de polenguinho e foi até a porta de entrada do quarto, inseriu pouco abaixo da dobradiça e fechou. Resultado: polenguinho all over the place, inclusive ao lado do elevador!
Conclusão: melhor esmagar bisnaguinha sem recheio. Aí sim. A técnica foi infalível e a quantidade de bisnaguinhas por metro cúbico que podem ser colocadas no bento box é dez vezes maior do que quando não é comprimida.
Profa Dra J. Federmann ensinando a técnica de extração máxima de ar do panifício |
As minhas eram todas recheadas então não utilizei a técnica da porta mas aproveitei o princípio da compressão e esmaguei-as com as mãos, de modo que elas realmente ficaram bem menos volumosas!
Demos muitas risadas e chamamos a Mônica, mãe da Juju, pra registrar o momento impar.
Olha é difícil eu gargalhar lendo alguma coisa,mas hoje não deu.Ri muito,muito bom isso.Clau obrigado pelo staff mais que especial.Como te disse fiquei olhando de longe e passei na frente de todo mundo,só para te ajudar,não poderia perder essa chance.Grande beijo amiga e parabéns pela prova,arrebentou como sempre.No aguardo dos relatos...
ResponderExcluirClaudia,
ResponderExcluirnarrativas, parágrafos, emoções, suspense,uma pergunta que não quer calar: quando será o lançamento do teu livro "IRONMAN,uma insanidade!" ?
Peço que desde já reserve meu exemplar autografado.
Abraço.
Jorge Monteiro
HAhHA! Demais, Claudia! =D
ResponderExcluirAguardo novos capítulos ansiosamente, me amarro nos seus posts!
Abraço!