sexta-feira, 11 de junho de 2010

Iron 2010, diário de uma insanidade ou 11 horas 35 minutos e 17 segundos que levaram quase um ano pra acontecer

Parte 8 (partes de 1 a 7, abaixo)

Então peguei a pulseira preta. A última.
Meu número de peito rasgou quando fui mostrá-lo no controle. Tive de dobrar e enfiar na bermuda pra não perder. Nas esteiras, eu desdobrava e mostrava.

De volta à avenida dos Búzios, onde a torcida estava concentrada. Não vi minha família, mas tinha certeza de que eles estariam me esperando na chegada. Na véspera minha mãe me perguntou "O que você gostaria de ter quando chegar amanhã?" E respondi "A única  coisa que eu quero é cruzar aquele pórtico junto com meus quatro filhos." E, durante essa volta, esta era a imagem que não parava de passar na minha cabeça.
Quando passei por ali de novo, o Emerson ainda gritou "Acho que você nâo está sofrendo muito!" E eu me perguntei "Será?" É que não parei de sorrir. Mesmo quando tive dor.

Saindo da avenida, o movimento diminui, então, não tendo distrações externas, as dores começam a dar o ar da (des)graça. É a hora da verdade. A lombar começou a ficar pesada. Os dois joelhos pareciam estar inchados. Tomei mais um Advil e prometi que não iria arrefecer. Faltava tããão pouco.

Passando pelos postos de hidratação pela última vez, aproveitei pra brincar e agradecer. "Valeu, pessoal! mesmo vocês não tendo vodca, muito obrigada pelo apoio e o carinho de vocês! I love you!" O pessoal respondia "Aêêê, valeu! Parabéns!" e aplaudia. Isso me custava uma energia extra, mas acho fundamental valorizar o trabalho dessa moçada. Vi atletas passando por eles gritando "Eu pedi pepsi, PORRA! Cadê a pepsi, CARALHO!" É o fim da picada. Os caras são voluntários e os outros, atletas amadores. Tem alguma coisa errada.

Depois do segundo posto,  a estrada tem uma leve inclinação que, nas duas primeiras voltas, nem senti. Mas na última, percebi que tinha de fazer um pouco mais de esforço pra manter o ritmo. Olhava o Garmin monitorando a cadência. Sub 4 sub 4 sub 4!

Então, mais um trechinho quase deserto - avenida dos Dourados e adjacências. Ali, passei pela segunda vez um figura que estava desde o início da minha primeira volta, mancando. E ele continuava mancando e sua expressão era de extremo sofrimento. Se ele tinha aguentado até aquele momento, pensei, iria até o fim.
E assim como ele, vi várias pessoas reunindo os restos de sua energia, resgatando, no fundo da alma, suas motivações, pra conseguir chegar até aquele corredor coberto por um tapete azul e atravessar o pórtico.

Na corrida tomei um gel a cada 30 minutos, além das duas doses de accelerade e dei uma mordida numa bisnaguinha e numa goiabinha. Não passei pela tal sopinha. Teve?
No penúltimo abastecimento, tomei um gole de pepsi e caiu muito bem.  Mantive o ritmo com os pulmões, o coração e com a mente. As pernas estavam cada vez mais pesadas. Olhava pro ritmo e, com surpresa, via que estava diminuindo. Como!? Eu estava acelerando! Então, ufff, arrancava aquele gás não sei de onde e voltava pro meu 5m20, 5m30.

Quando estava no km 38 lembrei daqueles vários treinos de transição que fiz com a Julinha às terças-feiras e pensei "É só mais um voltinha daquelas pela raia, rapidinho! Vou fazer de conta que a Juju tá aqui me puxando!" Puxa, como foi bom ter sido arrastada por ela todas aquelas vezes!

No 40, dei mais um golinho numa pepsi. Foi o que bastou pra eu me dar um banho. Sim. Desde o início da corrida que estava com vontade de fazer um xixi. mas não quis parar e nem tampouco ralaxar e me molhar como se estivesse na bike. Não por vergonha, não, mas porque iria molhar os pés e acabar formando bolhas. Segurei. Sublimei. Ah, mas na hora deste ultimo golinho, não teve jeito.
Tudo bem. Não ia incomodar, faltando tão pouco!

Ali já estava de volta à avenida dos Búzios. E não, não comecei a chorar. Não, não lembrei de todos os treinos, as privações, os sacrifícios, as madrugadas e o sofrimento e bla bla bla. Não. Minha cabeça ficou vazia. Eu era um coração pulsante com um pulmão onde cabia todo o ar de Jurerê levados por duas pernas irrefreáveis.
Não via, não ouvia. Até que vi meus filhos no caminho.
Agarrei todas as mãos que consegui e fui puxando os quatro comigo. Lembrei de pegar meu número e levantar, para ser identificada. "É a Claudia Aratangy, vem com seus filhos! Quatro!!! É uma creche!" ouvi o locutor (ele, de novo) brincar. 3h58m30s. Sub 4.
Cheguei ao pórtico.  Plena de energia. De alegria. Não derramei uma lágrima. Me senti forte.
Embaixo do pórtico, abracei meus filhos.
E ali terminou a jornada.

Mas ainda tenho umas coisinhas pra contar.

5 comentários:

  1. Grande Claudia!

    Lindo relato, lindas fotos!

    Parabéns, de todo o coração!

    Abraços!
    Rodrigo Stulzer
    transpirando.com

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  2. EMOCIONANTE!!!!!!!!!!!!!!!!!! Me emocionei com cada post. Como capítulos de um livro em que é impossível parar ler. Você quer chegar logo ao final e não pára até ler a última frase. E quando termina dá aquela sensação de: Caramba, quero ler tudo de novo!!!!
    Parabéns por tudo Claudia! Pela prova, pela linda família e por nos brindar com seus relatos.
    Um beijo

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  3. O que dizer, que já não tenha sido dito?

    MUITO legal a forma que você colocou tudo, desde o começo. Não digo no começo deste relato em 8 (ou 9) partes...mas desde o começo do blog.

    Sempre com bom humor, disposição e acima de tudo divertindo-se. Confesso que as vezes não é fácil e provavelmente não deve ter sido fácil em 100% do tempo ao longo da sua jornada, como você disse.

    Acredito que chegar ao fim da sua estória, deve ter te causado um certo vazio....como se realmente agora a missão estivesse cumprida.

    Olhe pelo lado bom....acho que seu blog vai ter que mudar de nome....números como 1287 ou 2010 já ficaram pra trás....agora que venha 2011, 729....

    Estou bastante feliz em poder compartilhar este próximo ano...e que no ano que vem, possa ver e testemunhar tudo o que foi relatado neste blog!

    Só não garanto que vou chegar "sequinho" na linha dechegada....sabe como é...sangue italiano...calabrês....já viu!

    Ahhhh....sorry pelo cano de hoje no treino.....mas com chuva e depois do que a Thelma falou (sobre motivos pra não treinar na chuva), sobre cofrinhos encharcados...entre outros.....hahahah..

    Beijos e mais uma vez...parabéns, pra ironwoman e pra ironfamily (o rosto dos kids correndo com você, felizes, vale tanto (ou mais) do que a medalha!

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  4. Lindo, lindo, lindo, perfeito o relato da prova, me emocionei bastante, tem mais ???
    o que seria ? vou aguardar.
    ABraço e sucesso.

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  5. Apaixonante! Perfeita!
    Você é um exemplo de dedicação e superação...
    Grande Abraço
    Alberto Peixoto

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