quarta-feira, 1 de julho de 2009

Transições na madrugada


Não gosto de pular da cama tão cedo nesta época do ano. Especialmente pro treino de pedal, num horário indecente. Mas há algo que me impulsiona e antes das 04h30min estou de pé. Acho que é um hitlerzinho que habita em mim. Pra dificultar (ou facilitar), deixo o despertador láááá no banheiro, então, ele fica tocando até eu ir desligá-lo. Aí, já acordei mesmo, só preciso me vestir. O banheiro é a minha área de transição número 1 – T1. Tênis, top, faixa do monitor cardíaco, meia e/ou meia calça conforme o frio, calça de ciclismo, blusa de ciclismo, jaqueta corta-vento, bandana, relógio – nesta ordem, de baixo para cima, empilhados. Faço xixi enquanto calço as meias e visto top (tou craque em fazer xixi em movimento!), depois visto o resto, lavo a cara e espanto o resto do sono, escovo os dentes. A casa dorme. A rua dorme. O bairro dorme. Até os mortos do cemitério do Araçá, que são meus vizinhos, parecem ainda mais adormecidos neste horário. Todo este silêncio e a escuridão chegam a dar certa melancolia, uma pitada de angústia. Mas meu Hitler de estimação me empurra: vá, você não vai se arrepender, diz ele. O celular serve de lanterna, se o marido estiver dormindo. Vou até o quarto dos três pequenos para o ritual da coberta. Martim dorme de barriga pra baixo, com os ombros tensos e o edredom preso entre suas pernas e a parede. Tento deixá-lo mais confortável e mais aquecido. Ele se ajeita. Parece aprofundar-se no sonho. Félix, na cama do meio, invariavelmente está pendurado na cama, com o edredom e travesseiro no chão. Puxo suas pernas, ajeito o travesseiro e devolvo o edredom ao seu devido lugar. Ian costuma ficar enrolado feito um rocambole. É tão complicado ajeitá-lo que algumas vezes ele até abre os olhos e diz “oi mãe!”, como se seu dia estivesse começando. O Theo... a porta está fechada, ele tem 15 anos e não me atrevo mais a entrar sem bater. Bater está fora de cogitação. Então torço para que ele esteja bem aquecido.Desço para o posto de abastecimento um P1– cozinha. O mamão já está lá desde ontem, num prato, ao lado da faca e da colher, o gel e a bananinha separados. As caramanholas, já preparadas na geladeira, com maltodextrina ou só com água mesmo. No meu escritório, área de transição número dois – T2 – ficam os óculos, carteira, dentro de uma sacola, onde coloco a alimentação. É só pegar. Se, por acaso, algo me desviar a atenção neste momento, deixo a caramanhola em cima da mesa e... Já era! Vou pro treino sem hidratação.O carro é a área de transição número três – T3. A bicicleta, o capacete, as luvas e as sapatilhas estão lá desde a noite anterior. Às vezes tenho de tirar o carro do marido da frente. Aí encontro minhas amigas coelhas. Michelle Obama e Black, a coelha albina, os únicos seres vivos acordados na face da terra do meu jardim, vem me saudar. Então abro o portão, solto o freio e só ligo o carro quando já estou na rua, pra fazer menos barulho. Muitas vezes nem o vigia se digna a me acenar. Dorme.
Parto. E neste momento, percebo que não preciso mais de Hitler.

Um comentário:

  1. Olá, Claudia!!

    Amei seu texto, acho que não é o seu Hitler que desperta, mas sim uma vontade enorme de treinar, e não só por isso mas acredito pelo prazer de se fazer o que gosta.
    Bjs

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