Não gosto de pular da cama tão cedo nesta época do ano. Especialmente pro treino de pedal, num horário indecente. Mas há algo que me impulsiona e antes das 04h30min estou de pé. Acho que é um hitlerzinho que habita em mim. Pra dificultar (ou facilitar), deixo o despertador láááá no banheiro, então, ele fica tocando até eu ir desligá-lo. Aí, já acordei mesmo, só preciso me vestir. O banheiro é a minha área de transição número 1 – T1. Tênis, top, faixa do monitor cardíaco, meia e/ou meia calça conforme o frio, calça de ciclismo, blusa de ciclismo, jaqueta corta-vento, bandana, relógio – nesta ordem, de baixo para cima, empilhados. Faço xixi enquanto calço as meias e visto top (tou craque em fazer xixi em movimento!), depois visto o resto, lavo a cara e espanto o resto do sono, escovo os dentes. A casa dorme. A rua dorme. O bairro dorme. Até os mortos do cemitério do Araçá, que são meus vizinhos, parecem ainda mais adormecidos neste horário. Todo este silêncio e a escuridão chegam a dar certa melancolia, uma pitada de angústia. Mas meu Hitler de estimação me empurra: vá, você não vai se arrepender, diz ele. O celular serve de lanterna, se o marido estiver dormindo. Vou até o quarto dos três pequenos para o ritual da coberta. Martim dorme de barriga pra baixo, com os ombros tensos e o edredom preso entre suas pernas e a parede. Tento deixá-lo mais confortável e mais aquecido. Ele se ajeita. Parece aprofundar-se no sonho. Félix, na cama do meio, invariavelmente está pendurado na cama, com o edredom e travesseiro no chão. Puxo suas pernas, ajeito o travesseiro e devolvo o edredom ao seu devido lugar. Ian costuma ficar enrolado feito um rocambole. É tão complicado ajeitá-lo que algumas vezes ele até abre os olhos e diz “oi mãe!”, como se seu dia estivesse começando. O Theo... a porta está fechada, ele tem 15 anos e não me atrevo mais a entrar sem bater. Bater está fora de cogitação. Então torço para que ele esteja bem aquecido.Desço para o posto de abastecimento um P1– cozinha. O mamão já está lá desde ontem, num prato, ao lado da faca e da colher, o gel e a bananinha separados. As caramanholas, já preparadas na geladeira, com maltodextrina ou só com água mesmo. No meu escritório, área de transição número dois – T2 – ficam os óculos, carteira, dentro de uma sacola, onde coloco a alimentação. É só pegar. Se, por acaso, algo me desviar a atenção neste momento, deixo a caramanhola em cima da mesa e... Já era! Vou pro treino sem hidratação.O carro é a área de transição número três – T3. A bicicleta, o capacete, as luvas e as sapatilhas estão lá desde a noite anterior. Às vezes tenho de tirar o carro do marido da frente. Aí encontro minhas amigas coelhas. Michelle Obama e Black, a coelha albina, os únicos seres vivos acordados na face da terra do meu jardim, vem me saudar. Então abro o portão, solto o freio e só ligo o carro quando já estou na rua, pra fazer menos barulho. Muitas vezes nem o vigia se digna a me acenar. Dorme.
Parto. E neste momento, percebo que não preciso mais de Hitler.
Parto. E neste momento, percebo que não preciso mais de Hitler.
Olá, Claudia!!
ResponderExcluirAmei seu texto, acho que não é o seu Hitler que desperta, mas sim uma vontade enorme de treinar, e não só por isso mas acredito pelo prazer de se fazer o que gosta.
Bjs