terça-feira, 11 de agosto de 2009

Correr é um vício?


Este texto escrevi há alguns anos, quando tive uma fratura por estresse e fiquei no estaleiro por mais de dois meses.

Geralmente, aos vícios é atribuída uma série de problemas. Vício tem conotação negativa, são associados a prejuízos de alguma natureza: financeiro, da saúde, moral. Os vícios corrompem, os viciados são fracos. Dependentes do prazer proporcionado pelo vício, destroem sua vida e seus vínculos. O vício é o centro da vida do viciado – tudo gira em torno de sua satisfação. Será que com a corrida é a mesma coisa?
Quando a corrida ganha centralidade na vida de uma pessoa, os outros componentes passam a girar em torno dela. O viciado, pra viabilizar a manutenção de seu vício, adota um estilo de vida: procura dormir bem, alimentar-se de modo saudável e manter uma rotina de treinos. O corridaddicted quando bebe, quase nunca passa da conta e, fumar, é praticamente impossível.
Os drogados, alcoólatras e os jogadores compulsivos afastam-se da família e dos amigos. Têm vergonha de sua condição: não querem que ninguém testemunhe sua decadência. Pais não querem envergonhar seus filhos, não podem servir de modelo e não querem exercer má influência.
Os corredores, pelo contrário, são exemplos para os cônjuges e filhos. Têm orgulho de sua disposição física, incentivam suas crias e parceiros a assisti-los (nas competições) e a participar. Claro, podem ser um pouco chatos, tentando convencer os amigos a mudar de hábito... (mas ser chato, não é prerrogativa de corredor).
O vício é solitário. A corrida também. Mas, embora seja um esporte individual, cada vez mais, tem-se tornado um meio de conhecer pessoas e conviver. Quem corre, pode até correr sozinho, mas sempre vai encontrar outro corredor no seu caminho e trocar olhares cúmplices. Se estiverem vestindo a camisa da mesma prova, então... O sorriso é inevitável e ambos se cumprimentam silenciosamente, como a dizer “eu também estive lá, sei como foi!”
Os viciados, por não terem a condução de seu próprio destino, passam por cima dos sentimentos de quem está próximo. Tornam-se individualistas, egoístas. Já os viciados em corrida, mesmo quando entram numa competição e competem consigo mesmos, muitas vezes mudam o próprio ritmo para poder “levar” um corredor que esteja desanimando a voltar a correr, pois a chegada é logo ali. E uma prova é sempre um evento especial, um encontro de pessoas que vivem e sentem a corrida de modo semelhante – uma confraria.
Os viciados tentam lutar contra o seu vício e, para vencê-lo, precisam de determinação, disciplina, força de caráter, persistência. O corredor, para manter o seu vício é que precisa disso tudo.
Sim, a tal da beta-endorfina parece não ser pouca coisa. Dá prazer, uma sensação de dever cumprido e satisfação. Melhora o humor e a disposição para enfrentar as tarefas do dia é muito maior. Dorme-se melhor. Mas, diferente das drogas que são ingeridas – e viciam – esta é produzida pelo próprio corpo, circula no sangue sem causar mal algum ao organismo.
Talvez a semelhança entre os viciados em geral e o viciado em corrida apareça no momento em que este segundo precisa, por alguma razão, se abster de correr por algum tempo. Para o viciado em corrida, ter de parar é quase tão difícil quanto para os outros. Pois, além de ficar sem o prazer físico propiciado pela beta-endorfina e pela sensação de bem-estar é tirado dele um dos eixos organizadores de sua vida. E aí está seu maior desafio: como, apesar de não poder correr, manter-se saudável, equilibrado e em atividade?

Um comentário:

  1. Só te digo que aprendi e cresci, muito mais como atleta (ou corredora) enquanto estava no estaleiro do que quando estava no auge da forma física. Tive 2 fraturas por estress na cabeça do fêmur (1 em cada perna em períodos distintos). Com elas eu aprendi a ser menos egoísta, mais perseverante, mais paciente, mais resiliente, a amar ainda mais a corrida e, acima de tudo : a respeitar meu corpo. Obrigada fraturas!

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