Faz muita diferença conhecer a prova. A capacidade de se antecipar aos problemas é bem maior. Deu absolutamente tudo certo. Não passei por nem UM minuto de estresse. Arrumei minhas coisas com calma, tiquei cada item das minhas oito listas, não esqueci NADA em São Paulo. Cheguei ao aeroporto num horário tranqüilo, sem ser cedo demais, nem atrasada. Despachei a bike sem delongas. Deu tempo até de tomar o café com pão-de-queijo da promoção da TAM. Sentei numa fila de cadeiras sozinha e pude esticar as pernas e ler sossegada. O vôo não atrasou. Peguei a bike inteirinha. O taxista que me levou ao hotel foi simpático e já combinou de fazer um preço camarada na volta. Cheguei ao hotel e tomei um café da manhã de verdade. O quarto, conforme eu havia solicitado, era no cantinho mais sossegado.
Cada momento foi vivido com calma e quase sem ansiedade. Com expectativa, sim, mas sem angústia ou aquele nervoso todo. O horário da largada 9h30 facilitou ainda mais pra podermos nos aprontar com tranqüilidade.
Mais uma vez, pude desfrutar da companhia da Nilma e do Neto – casal que me acompanhou direto em Clearwater em 2008, fiquei mais próxima ainda do Marcos – meu grande parceiro de treinos neste ano e também conhecer mais Paulinha – que foi uma grande companheira: sem complicação, divertida, atenciosa e perfeita pra dividir um quarto, principalmente numa situação de véspera de prova. Como ela estava doente e é quase 20 anos mais nova que eu, brinquei de ser sua mãe . Também conheci a Simone e o André, casal de médicos de Jau, muito legais e várias outras pessoas. Nessas ocasiões, os hotéis, restaurantes, a feirinha ficam tomados pelos atletas e seus acompanhantes. As pessoas sabem que estão partilhando um momento especial de suas vidas e isso está no ar. É fácil começar a conversar: "puxa, será que o tempo amanhã vai estar assim?" "Vocês já pedalaram?" "O que acharam do vento?" Os locais, que estão recebendo a prova pela segunda vez, também pareceram estar mais interessados e com vontade de participar. No hotel em que fiquei, quando voltei, havia em cima da cama, uma mensagem de um aluno de quinta série, nos cumprimentando pela prova. Fiquei emocionada. E vou mandar um email pra ele – o Marcos Rodrigo, de 11 anos, da EE B Manoel Henrique de Assis.
O jantar que organizei junto ao seu Ardaldo, dono do restaurante Haus Heringer, também deu certo mais uma vez. Todo mundo foi, havia comida suficiente e o ambiente estava agradável, com a gente conversando, dando risada e relaxando antes da prova. Claro que dá pra melhorar. Achei o filé de frango meio duro e o molho um pouco apimentado. Mas seu Ardaldo mostrou ser uma pessoa que aceita críticas e sugestões, pois melhorou o atendimento em relação a 2008. Ano que vem, podemos melhorar ainda mais nossa parceria.
Tomei água, gatorade e comi uma grande quantidade de carboidratos por dois dias seguidos. Olhando as fotos, acho que consegui engordar antes da prova. Minha cara está bem cheinha! Dormi quase direto na noite da véspera. Acordei só no meio da madrugada pra um xixizinho básico e voltei a dormir até que o Fabio Rosa (técnico da MPR que estava lá acompanhando a prova) mandou um torpedo pra Paulinha mandando ela acordar.
Cheguei para marcar o número e fazer os últimos preparativos com tempo: abastecer quickdrink com água misturada com gatorade, colocar minha garrafinha de endurox, minhas bananinhas traficadas, alguns palitinhos de stiksy e três pedacinhos de batata cozida com bastante sal, embrulhados em papel alumínio (fora um monte de gel grudado na bike). Passei protetor solar (que não adiantou muita coisa – fiquei com uma linda marca nas costas), bodyglide pra não assar a nuca e chamois butter para não assar outras regiões mais delicadas.
Estava tudo tão certinho e sem sufoco que eu não estava conseguindo acreditar. Nem dor de barriga eu tive. (O intestino funcionou na hora e lugar certos). Pra não dizer que não me distrai, dei duas ratas. A primeira foi perceber que deixei o celular dentro da bolsinha da bike, na véspera, quando entregamos pra transição. Mas lembrei antes de estarmos muito longe, voltei lá e peguei sem problemas. A segunda foi na hora da largada. Quando estava chegando à praia, percebi que calçava os chinelos. Mas foi só voltar um pouquinho até onde ficam as sacolas e enfiá-los lá dentro.
Eu estava lá de novo e sabia o que me esperava. Estava excitada, mas sem nó no estômago.
No mar
Assim como no ano passado, foi uma pancadaria. O percurso era o mesmo. Um Y, ou melhor, um cabide de ponta-cabeça, sem o gancho. A primeira bóia marca o “pescoço” do cabide. Até aí muito empurra-empurra, um passando por cima do outro, mas tudo bem. Mas a segunda bóia que é o “cotovelo” do cabide... Nossa! Que sufoco. Tomei três socos na cabeça. A Nilma levou um gancho de esquerda no supercílio direito que arrancou seus óculos e a deixou com cara de mulher de malandro. Depois dessa bóia, as coisas acalmaram um pouco. Por outro lado, o mar se agitou. Terminei em 36m25s. 1min e 25s acima do ano passado.
T1
Fiz uma transição quase lenta. Por engano, quase levei a sacola da Paulinha (ela era 110 e eu, 111) mas, felizmente, os voluntários estavam atentos e me fizeram dar conta do engano antes de eu ir pra tenda.
Vesti a luva, o capacete e os óculos. Levei as sapatilhas na mão e calcei na área de monte. Não quis arriscar.
Pedal
O percurso era um pouco diferente do ano passado. Melhor, eu diria, já que não entramos mais na cidade. Vento a favor na ida - subida boa parte do tempo - e contra na volta. Uma boa combinação. Havia um momento, entretanto, no final das pernas da volta (cada volta tinha 4 pernas: ida e volta grande, ida e volta menor, parecido com a avenida portuária, em santos) que não era descida, o vento estava contra e era bem chatinho e cansativo. Mas logo chegava perto do parque, onde tinha gente, torcida e até (argh!!!) cachorros na pista.
Crianças ao lado da pista passaram 5 horas clamando pelas caramanholas: “Garrafinha, tia! Dá a garrafinha, tia!” Chegava a incomodar, tamanha a insistência e a quantidade de insistentes.
A fiscalização de vácuo foi severa. Muitas pessoas foram penalizadas. Várias, injustamente. A impressão que deu é que queria mostrar serviço. O problema é que a arbitragem estava muito mal-formada e não sabia direito o que é, de verdade, uma situação de vácuo. A elite masculina, por sua vez, usou e abusou deste recurso e ninguém foi penalizado.
Eu não fui. Fiquei quase todo o tempo pedalando só. No começo estava embolado e havia situações em que era difícil evitar o vácuo. Mas fugi sempre que pude. Marcos, Nilma e Julinha não tiveram a mesma sorte e foram penalizados. Injustamente. Ao Marcos isso, infelizmente, custou-lhe a vaga para o mundial.
Eu queria ter mantido uma média de 32 km por hora, mas não consegui. Fechei em 31,5. Não foi mal. O ciclismo, numa prova longa como esta, é o que decide a prova. Se você exagerar, fica quebrado na hora da corrida. Se for muito fraco, fica para trás e não consegue recuperar tudo depois. É um equilíbrio delicado.
Também, para mim, é o momento que dá pra pensar. Felizmente nada a respeito de trabalho ou problemas domésticos. Mas sobre a relação com o esporte, o sentido de estar ali, se submetendo àquela provação (não é à toa que se chama “prova”), o prazer misturado com a dor, a sensação intensa do momento, misturada ao desejo de chegar ao fim. Cada perna completada é para ser comemorada, cada volta, então, é para ser riscada da lista que está na cabeça: agora falta MENOS de dois terços do pedal! E eu também pensava: no Ironman, isso vai ser só a metade... Será que eu agüento?
Terminei em 2h53m31s.
T2
Ali, fui mais rápida. Desta vez, troquei os cadarços de elástico por cadarços normais, o Asics pelo Mizuno, a meia nova por uma velha e fina. Deixei o tênis quse frou no pé. Coloquei o boné e sai fora.
Corrida
Três dias de celebra, duas doses de accelerade na véspera, muita hidratação e alimentação no pedal ou muito desejo reprimido de correr. Não sei qual destes fatores mais influenciou minha corrida.
Entrei num transe e fui. Estava quente. O vento, quando a favor, dão a impressão de que o ar está parado, envolvendo e sufocando você. Mas não liguei. Segui em frente. As lesões do pé deram um “alô”. Ignorei.
Emparelhei com a Aline, uma atleta forte e mais jovem, logo no começo da primeira volta (eram duas de 10,5 km) e fomos nos perseguindo até quase o final dela. Foi bom. Entrei um pace bem cadenciado, e, na segunda volta, pude apertar um pouco.
Passei pelo Fabio Rosa e ele, me surpreendeu mandando um “vai, Claudia!” em alto e bom som. Quem conhece o Fabio, vai entender porque da surpresa. Ele é um cara bastante contido. Fiquei ainda mais feliz quando ele me disse, depois da prova, que eu tinha corrido muito bem. Vindo dele, tem valor agregado.
Nos últimos 4 kms, apertei ainda um pouco mais. Eu não pensava em nada só em ir em frente, cada vez mais rápido. Ultrapassei varias pessoas, que ficavam espantadas com eu ritmo. Principalmente os homens. Fiz 1h48m20s.
Cruzei a linha de chegada dançando. Estava tocando uma música bem swingada e eu simplesmente parei e dancei. Dancei feliz.
Pós prova
É só alegria. Níveis de endorfina altíssimos, assim como o astral. A gente fica largada, na área de dispersão, falando bobagem, colocando gelo nas lesões, mostrando as bolhas, trocando impressões, se cumprimentando uns aos outros, comemorando numa festa de bananas, bisnaguinhas, biscoitinhos de quinta categoria, regados a gatorade, água e suco. Felizes e fedidos. Até a hora que a vontade de tomar um banho fala mais alto.
Telefonemas e muitos torpedos carinhosos. De colegas triatletas ou, simplesmente, de pessoas queridas e próximas que acompanham, com um misto de incredulidade e admiração, essas minhas odisséias. De quebra, logo após o banho, recebi uma massagem das mãos de uma fadinha surfista e naturóloga, chamada Giordana. Não poderia ter sido melhor.
É só alegria. Níveis de endorfina altíssimos, assim como o astral. A gente fica largada, na área de dispersão, falando bobagem, colocando gelo nas lesões, mostrando as bolhas, trocando impressões, se cumprimentando uns aos outros, comemorando numa festa de bananas, bisnaguinhas, biscoitinhos de quinta categoria, regados a gatorade, água e suco. Felizes e fedidos. Até a hora que a vontade de tomar um banho fala mais alto.
Telefonemas e muitos torpedos carinhosos. De colegas triatletas ou, simplesmente, de pessoas queridas e próximas que acompanham, com um misto de incredulidade e admiração, essas minhas odisséias. De quebra, logo após o banho, recebi uma massagem das mãos de uma fadinha surfista e naturóloga, chamada Giordana. Não poderia ter sido melhor.
Chope, lula à doré e sorvete com Marcos e Paulinha. Mais chope no Haus Heringer, aí também com Nilma e Neto. Brindamos à saúde e à amizade.
Malas prontas, despedidas. Uma pitada de tristeza, porque chegou ao fim. Por outro lado, é reconfortante saber que poderemos viver situações semelhantes muitas e muitas outras vezes. É bom saber que ainda é possível ampliar o rol de amizades reais (não virtuais!) ou estreitar ainda mais os vínculos que começaram de forma despretensiosa e superficial. É um dos elementos que faz a vida valer a pena: bons amigos.
Finalmente
Fui muito bem. Abaixei meu tempo em 1min20s em relação ao ano passado. Acontece que a prova foi mais difícil. E isso é fácil de confirmar. Basta ver, por exemplo, que a Vanessa Gianinni, segunda colocada ano passado (e campeã neste), fez um tempo 4 minutos mais alto este ano. Isso já é motivo mais do que suficiente para eu ficar satisfeita. Este ano fiquei em décimo sexto na classificação geral feminina. Acontece que as 8 primeiras colocadas eram da elite.
Fiquei em segundo na categoria (eram apenas três) apenas um minuto atrás da primeira, que é a Silvia Paller. Atleta de responsa, notoriamente forte. Como ela não quis a vaga pra Clearwater, levei de novo.
Fiquei em segundo na categoria (eram apenas três) apenas um minuto atrás da primeira, que é a Silvia Paller. Atleta de responsa, notoriamente forte. Como ela não quis a vaga pra Clearwater, levei de novo.
Este sucesso foi muito importante pra mim. Durante o ciclismo me dei conta de algo muito perturbador. Tenho medo de repetir as mesmas provas. Ainda mais provas como estas, que acontecem apenas uma vez por ano. Aos 45 anos de idade meu desempenho, de um ano para o outro, pensei, dificilmente irá melhorar. Percebi que estava receosa de me comparar comigo mesma, um ano mais velha. O que sinto é que consegui vencer o tempo por mais um ano. De forma legítima. Sem roubar. Treinando, me cuidando e usando a cabeça.
emocionada em ler taaaaantos "Paulinhas"....
ResponderExcluirsem duvida foi sensacional dividi o quarto com uma MEGA atleta, mulher experiente, boa de conselhos e bem humorada.
só tenho a agradecer a experiência...
prometo que ano que vem "nois empenha na Penha"
bjo enorme,
Paulinha
Parabéns Claudia pelo excelente resultado e mais ainda por vc levar o esporte desse jeito divertido, tão na boa. 31,5 de média está ótimo! E correr para 1h48 tbm é bom demais.
ResponderExcluirVc está dando um banho no grupo!
Abs!!
Parabéns pela prova e pela vaga em Clearwater. Sempre acompanho seu blog. Muito bom. Tb fiz a prova e foi muito boa.
ResponderExcluirSucesso e bons treinospara Clearwater...
Valeu JC! Dá proxima vez, venha falar comigo!
ResponderExcluirabs
Cláudia, sou de BH e tenho 26 anos. Achei seu blog por um acaso e me tornei uma de suas primeiras seguidoras. Adoro ler seus textos! É como se a gente estivesse vendo voce contar de pertinho. Curto demais. Faz pouco tempo comprei uma bike e semana que vem começo a fazer parte de uma equipe de assessoria esportiva. Vou me dedicar mais ao esporte e às atividades físicas. É uma coisa que vicia, né.. A gente se sente tão bem... É isso aí! Estarei sempre por aqui. Continue dando suas dicas. Elas vão me ajudar bastante! Abraço e felicidades!
ResponderExcluirJúnia Martins (www.juniakelle.blogspot.com)