domingo, 5 de julho de 2009

Confissões na padoca

Adoro o treino de sábado. Dá pra acordar um pouquinho mais tarde – 5:45 e o melhor, depois da missão cumprida, a recompensa: café com bobagens na Estrela do Butantã. Hoje, saindo da padaria, teve até um que sugeriu: por que a gente não vem direto pra cá? Para que fazer o treino, se essa é a parte mais divertida?
Sem querer desmerecer o pedal, nosso café é mesmo um momento especial.O grupo de pessoas que vai nunca é o mesmo. Alguns, como eu, é claro, batem ponto todo o sábado. O Emerson, garçom (garçom em padoca?!) que nos atende, já sabe de cor o meu pedido – suco de laranja, baguete de parmesão com queijo branco tomate e orégano, uma média só de café expresso.
Os primeiros tópicos da conversa são os próprios pedidos: “que fome, hein?!” “Mas que sanduba light! E você lá precisa disso, magrela?”. Em seguida, antes da chegada dos esperados comes e bebes, a conversa ruma, invariavelmente para as condições gerais do treino: “nossa, hoje tava frio demais!” “Assim, não vai dar, a USP ta cada dia mais cheia! Tinha congestionamento naquela raia!” “Você viu aquela hora que o cara veio correndo na contramão com um cachorro?” “E quando passou aquele pelotão da assessoria X, com cinqüenta caras, a milhão?! Não pode, onde já se viu, pleno sábado!” “Foi forte, hoje. Quase não agüentei!”
Já de estômagos forrados, começam os comentários mais personalizados e as maledicências: “Pô, o Cachorro Louco quebrou todo mundo hoje, começando forte daquele jeito!” “E o ‘Fusion’? Quase me derrubou na volta da raia, outra vez! Quando é que alguém vai ensinar aquele cara a pedalar? È um mala!” E por aí vamos, falando com tamanha seriedade, como se aqueles problemas fossem realmente graves e a gente precisasse discuti-los até chegar a uma solução para os casos.
Essa etapa da conversação costuma durar até a chegada dos sanduíches, quando conseguimos sair um pouco do universo exclusivo do traithlon e passamos a outros mais genéricos: a economia, a seleção brasileira, uma pitadinha de política, a juventude de hoje... Mas, a melhor parte vem quando começamos a nos interessar uns pelos outros. Ops, não me entendam mal. Começamos a saber quem são as pessoas com quem compartilhamos essa grande paixão. Às vezes passamos anos convivendo e nem sabemos o nome uns dos outros! Assim, por exemplo no nosso momento na padoca, soubemos que Omar saiu dos confins da Argentina, com vinte e poucos anos e veio, com a cara e a coragem para São Paulo, onde está há 30; ouvimos de outro a história de sua depressão, tão assustadora para ele mesmo, mas que encara com bravura, e luta para não se render a ela; conhecemos a história do Marcos, que fez parte da seleção brasileira de vela, mas que depois do acidente sofrido por seu técnico, teve que virar o leme e partir em outra direção; rimos muito com os tragicômicos causos do Cachorro Louco, que não quer ver seu nome exposto na internet, mas que deveria ele próprio escrever um blog, já que tem um dom natural para narrativa; demos bronca em algumas mulheres que se queixavam da solidão mas que organizaram suas vidas como uma planilha de triathlon (de preparação para um ultraman!!!) e esperam um homem que se encaixe direitinho no pequeno espaço que elas lhes reservaram; e ouvimos ironmen confidenciarem gestos delicados e atenciosos com suas esposas. Um repertório vasto e, muitas vezes bastante íntimo. Uma troca de pequenos segredos com pessoas que, não fosse a paixão pelo triathlon, dificilmente iríamos conhecer. Já chegamos a ficar mais de duas horas depois do treino, com o umbigo atarraxado na mesinha de fórmica. E olha que ninguém bebe nada mais forte do que café. Talvez seja o efeito da endorfina, que leva a gente a isso. Para mim, tem sido um dos raros momentos de vida social, já que não consigo mais sair para jantares, nem para barzinhos e muito menos para baladas. E é uma ótima pedida.

3 comentários:

  1. Legal, muito 10 a narrativa, aqui em Santos não temos uma padoca oficial, mas alguns dão uma parada em Bertiga, quandp fazem o retorno, para reagrupar o pelote, outros se reunem na barraca do coco na praia, e assim se cria um elo muito especial entre essas galeras.

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  2. ...Vilela !!! a parada em Bertioga não vale !!!
    lá só tem pastel !!! rsrs !

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