sexta-feira, 31 de julho de 2009

Peixe fora d'Águas?

Voltei, finalmente, de uma semana de intenso trabalho em Águas de Lindóia. Estava temerosa desses cinco dias lá. Para quem decide fazer triathlon, a rotina é fundamental. Mais do que uma rotina, é uma vida espartana. Alimentação, descanso e treinos são pontos de apoio para o convívio familiar, da (pouca) vida social e da atividade profissional.
Então, quando vislumbrei essa tal semana em Águas, me apavorei. “Não vou conseguir treinar direito, daí não dormirei bem (além disso, tenho dificuldade em dormir em cama que não seja minha – tal qual a Princesa e a Ervilha), como conseqüência não vou ser produtiva, ficarei ansiosa, vou acabar comendo tranqueira e assim vai por Águas abaixo o treinamento de meses! Fora o mau humor, é claro!” Mesmo assim, levei os equipamentos necessários pro caso de conseguir treinar.
E consegui. Tive de mudar os horários e adaptar a planilha, mas treinei. Não segui a minha cuidadosa alimentação — que inclui arroz integral vermelho e linhaça dourada entre outras frescuras — mas também nem cheguei perto da mesa de sobremesas melequentas. (Confesso que não resisti às batatas fritas crocantes.)
Não participei do “bailão” (6 homens para 423 mulheres) da última noite, nem das conversas regadas a álcool até duas da matina, mas assisti ao show de jazz e à contação de histórias, também consegui um tempo para uma conversinha aqui, outra ali, bebericando um chá e, cumprindo assim, uma parte do papel profissional solicitado em situações de trabalho como essa.
Sobrevivi aos cinco dias bem melhor do que imaginava. O convívio com uma multidão de pessoas (mulheres, bem falantes) quase todo o tempo foi cansativo mas tornou as sessões de treino ainda mais especiais. Foram momentos-oásis.
Do ponto de vista profissional, deu tudo certo, o encontro foi um sucesso. E pessoalmente, pude aprender uma lição. A vida regrada já mora dentro de mim. Não depende tanto de onde estou ou do que tenha de fazer. É bom ser espartana, mas melhor ainda é seguir os princípios que norteiam esta vida e ter jogo de cintura pra se adequar às situações, tirando o melho proveito possível delas. Caso contrário, a gente vai ficando insuportável. Não pode nem tirar férias! Bem...um pouquinho insuportável, a gente até fica. Mas só um pouquinho.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Águas de Lindóia

Sigo para Águas de Lindóia por infindáveis cinco dias. Vou a trabalho, um encontro com cerca de quatrocentAs educadorAs. Levo a magrela, o rolo, óculos e todo o equipamento. Quem vê minha mala pensa que vou passar um mês fora.
Há exatos 33 dias da prova de Penha não posso ficar tanto tempo sem treinar. Nem quero. Preciso desse contrapeso na minha vida: das 8h30 em diante sou "cabeção", Ler e Escrever, Bolsa-Alfabetização, senhora Diretora de Projetos Especiais; das 5h às 8h atleta, concentração nos RPMs, BPMs e KMs. Das 8 às 8h30 é o periodo da transição.

sábado, 25 de julho de 2009

Às minhas amigas triatletas

Uma das melhores coisas que o triathlon me trouxe foram as amigas. Não somos muitas as mulheres nos treinos e nas competições. Cerca de 20-25%. Talvez por isso, nosso jeito de competir umas com as outras seja mais companheiro e amistoso. Consideramos-nos vencedoras pelo simples fato de participar de uma prova ou de estar num treino às 5h da manhã, no frio, em que mesmo o quórum masculino é reduzido. No pódio, festejamos e nos cumprimentamos com autêntica alegria. Os triatletas comentam perto de nós que conseguiram “o alvará de soltura da patroa” para o pedal de domingo. Nós precisamos negociar com nossos maridos ou namorados, deixara refeição engatilhada, lidar com a culpa de não estar em casa na hora em que os filhos acordam, encontrar disposição pra aquele almoço com os sogros (ou com os próprios pais) .
Despertamos olhares de admiração dos nossos colegas homens. Eles, que competem a sério, morrem de medo de serem passados para trás por alguma de nós. E às vezes o são. Sabemos dosar. Não temos aqueles montes de testosterona explosiva que parece fazer com que alguns homens passem todo o tempo exibindo sua força. Temos progesterona, que nos torna mansas e persistentes.
Duas coisas, basicamente, fazem as amizades femininas nesse esporte tornarem-se tão especiais. A primeira é compartilhar experiências intensas como as provas e suas respectivas preparações. Vivemos o medo, o esforço, o cansaço, a superação do desafio, a alegria e podemos falar do que sentimos umas com as outras. A segunda, é a oportunidade de uma convivência mais próxima, seja nos fins-de-semana de treino, seja numa viagem para uma competição, que também nos tornam mais íntimas. O vínculo com essas amigas tornou-se especial em um curto espaço de tempo.
Esse seleto grupo de amizades femininas triatletas é composto por pessoas de faixa etária variada (mas sou a mais velha de todas), formações e ocupações, idem. É uma coleção de preciosidades. Farei pequenas homenagens a elas – sem hierarquia.
Gra. Nossa Demi Moore. Mais bonita, aliás. A primeira conversa que tivemos foi num trotinho no Ibirapuera. Aquela menina me conta que já tem filhos de 17 e 18 anos e está casada com o mesmo marido há 20 anos. Além disso, havia acabado de fazer um iron. Comecei a admirá-la na mesma hora. Uma vida tão diferente da minha. Um jeito de ser contido, discreto, quase silencioso e, ainda assim, uma presença marcante. Quem não sabe quem é a Gra? Presença infalível nos treinos, detonadora de planilhas, 100% de aplicação. CDF ou “caxias”.
E, de pedalada em pedalada, de café em café, de torpedo em torpedo, fomos ficando cada vez mais amigas. Devo a ela vários macetes que aprendi. Em 2008 foi minha grande parceira de treinos. Companheira que não deu um furo. Combinado com ela era sacramentado. Não tinha que esperar confirmação. Em 2009 estava se preparando para o Iron, começou a ter problemas de saúde e teve de mudar seus planos. Fiquei preocupada, achei que ela iria entrar numa depressão daquelas. Mas não. Ficou triste e encarou a tristeza – sem tentar passar por cima, mas tampouco sem se entregar a ela; adaptou-se, mudou seus planos, se tratou. Cresceu. Uma verdadeira guerreira escondida naqueles ares de gueixa.
Cris. É um sol, luminosa e radiante, também de uma beleza resplandecente. Com ela, não tem tempo ruim. Ela é professora de yoga, tem todo um lado espiritual e meditativo que, à primeira vista, parece não combinar nada com uma modalidade como o triathlon. Mas combina. Não é das mais aplicadas, bissexta nos pedais das madrugadas, aos sábados aparece treino sim, treino talvez... Mas nas provas, ela cresce e aparece. E sua companhia nos café da padoca, anima a mesa!
Nossa conexão se estabeleceu instantaneamente. Fomos juntas pra Santos fazer um troféu Brasil, depois encaramos o Desafio da Serra em Campos do Jordão, no início de 2008 fizemos o Internacional e, no final do ano, fomos as duas famílias (dois casais com sete meninos) para Paúba faríamos a Fuga das Ilhas. Nesta ocasião, Robert, marido dela, ficou com todos os meninos enquanto ela, meu marido e eu nadávamos.
Em todas essas vezes nossa sincronia foi perfeita. Os horários, as refeições, as arrumações... Todo o ritmo e a rotina de antes e depois da prova fluem com tranqüila naturalidade.
Dani. Conheço poucas mulheres bem-humoradas como ela. Mas não é um humor qualquer – é sofisticado, sagaz e rápido. Ainda por cima, é bonita também. De uma beleza matreira e moleca. Profissional em plena ascensão, implacável com os homens. Mas ficava sempre atrás no pelotão. Nem na roda ela conseguia! Nesses dois anos de convívio tivemos conversas seriíssimas em cima da bike, trotando no Ibira, correndo na USP. Ela estava começando a cair na armadilha da mulher auto-suficiente. Aí apareceu o Celso. E neutralizou qualquer fuga que ela pudesse pensar em fazer. Deu a ela uma bike decente e a ensinou a pedalar.
Ela continua profissional competente, continua simpática e sorridente, mas agora seu olhar está mais doce.
Não posso contar com ela nos treinos. Nisso ela não é mesmo ponta firme. Em compensação, quando ela aparece, sua companhia é por inteiro. Num dos piores momentos que passei este ano, as tiradas da Dani (junto às do Cachorro Louco) me fizeram rir. Rir de mim mesma, da situação em que estava e ficar mais leve. Ela sabia e foi o jeito de cuidar de mim. Um jeito ótimo e original, como ela.


Nilma. Empatia imediata. Foi assim. Trocamos duas palavras antes do início de um Troféu Brasil na USP. Ambas iríamos fazer a distância olímpica e éramos pouquíssimas mulheres naquele dia frio de agosto. Passei por ela no pedal e disse “E aí, Botucatu!” Não lembrava seu nome , só sua cidade. Em Penha, nos encontramos durante o pedal. Aí sim, o nome estava escrito no número de peito e pude chamá-la. Pedalamos lado a lado por um tempo, conversamos sobre treinos e sobre a possibilidade de ir para o mundial em Clearwater, Florida. Ambas nos classificamos.
Começamos a nos falar por e-mail, depois por telefone. Primeiro, pra trocar informações sobre a viagem, depois para falar das expectativas e da ansiedade. Combinamos de nos falar em Clearwater e, logo no primeiro dia, encontramo-nos por acaso na loja em que eu montava minha bike!
A partir dali, passamos muito tempo juntos: Neto (namorado dela), ela e eu. Foram companhias importantíssimas. Leves, divertidos, alegres. Chegamos quase juntas no final da prova e estávamos exultantes. Jantamos, tomamos café, passeamos e, o mais significativo – fizemos juntas compra de equipamentos – o que é muito importante, pois trocamos impressões, opinamos uma sobre as aquisições da outra e tornarmos um momento que pode ser aborrecido, em diversão.
Ela fez o Iron este ano e é uma das pessoas que muito me influenciou na decisão de me inscrever. É lindíssima. Leitora deste blog, uma das que mais me anima e incentiva a continuar. Nossa amizade este ano está à distância. Mas sempre que nos falamos, ficamos 30, 40 minutos ao telefone. Parece que somos amigas há anos!

Mari. Um dia meu marido chegou de uma corrida e disse “Conheci uma amiga sua muuuuito, mas muuuuito simpática! Nossa, que pessoa legal!”. Era da Mari que ele falava. E ele não é uma pessoa que costuma se empolgar com as demais e muito menos manifestar esta empolgação. Não era exagero. A Mari é assim. Encantadora. Seus olhos são dois vaga-lumes, daqueles verdes, que brilham muito na escuridão. Mas no caso dela, brilham em plena luz do dia e têm o poder de ofuscar qualquer resquício de mau-humor ou baixo-astral.
Logo que nos conhecemos, ela contou que havia feito o Iron há muitos anos. Eu me espantei: “Como? Muitos anos? Quantos anos você tem?”. Não quis me contar a idade (ela guarda seus mistérios) mas confessou que era uma das caçulas na competição.
E é assim, uma desbravadora. Não tem medo de abrir caminhos. Veio do interior para São Paulo e ganhou a cidade grande. Aliás, o contrário: a cidade grande é que ganhou com a vinda da Mari.
Foi pro Rio de Janeiro fazer um estágio: ela a bike, a cara e a coragem. Logo já estava treinando com uma turma. Mas não faça besteiras se estiver num pelotão com ela. Vira bicho e bronqueia mesmo!
Ela se formou, passou na OAB e formatura será dentro de alguns dias. Estou muito honrada em ser convidada para a festa, ver minha amiga brilhar mais uma vez.
Thelma, Carla, Kiki, Tarsila, Patê, Paulinha, Viveka, Julinha, Lidiane. São outras valentes e queridas amigas do esporte. Quero homenagear todas vocês!




sexta-feira, 24 de julho de 2009

Caravelas ao mar

Em janeiro tirei uma semana de férias e fui com as crianças para um hotel em Angra dos Reis. Escolhi um lugar em que eles pudessem se divertir e eu também. Onde eu não tivesse preocupações as refeições de modo que os momentos junto a eles fossem de puro desfrute.
A diversão deles é futebol, amigos e água. A minha diversão é treinar, treinar e treinar. Por isso, levei todos os meus equipamentos. Para a natação: maiô, sunquíni, óculos, touca e roupa de borracha. Para o pedal: bike, rolo e sapatilhas. Para a corrida: tênis, boné, i-pod e roupas adequadas.
Chegamos no domingo à tarde e pude ver como o mar, em frente ao hotel era calmo e estava com uma temperatura super agradável.
Decidi que manteria uma parte dos meus treinos no horário que costumo, ou seja, bem cedinho. Assim, quando eles acordassem, eu estaria voltando da minha primeira sessão de treinos e iríamos todos tomar café da manhã juntos.
Na segunda, um lindo dia amanhecendo, vesti o maiô, peguei touca e óculos e rumei para a praia. Cheguei a pensar em usar a roupa de borracha, mas a temperatura da água estava convidativa. A roupa seria um estorvo.
A praia era pequena, particular do hotel. Sai nadando da frente do nosso apartamento. Na ponta oposta ficava o píer. Mas a distancia não devia chegar a 300 metros. Fui até lá. Não havia uma alma na praia. O sol aparecia no horizonte. As embarcações, enormes, estavam a quilômetros de distância.
Nadei até a ponta oposta, no píer e comecei a voltar. Quando estava chegando na frente do lugar de onde havia começado decidi continuar em frente, passar por um ponta de pedras e ir até uma outra ponta, de frente a uma praia deserta. Não queria ficar nadando como se estivesse em uma piscina: indo e vindo num trecho pequeno e repetitivo. Afinal, eu estava no mar!
Lá fui eu. De repente, senti uma picada nas minhas costas. Foi rápido, mas deu pra sentir. Não vi nada.
Mais adiante, já chegando na outra ponta, senti de novo, mas, dessa vez, mais forte. Algo enroscou no meu braço e queimou. Então eu vi. Era uma caravela – um destes animais gelatinosos, transparentes e até bonitos, que vagueiam pelo mar e queimam. Elas se parecem com um cogumelo, mas em vez de uma haste, tem vários tentáculos que são cheios de uma espécie de ferrão com uma substância venenosa.
Então senti meu outro braço sendo queimado. E o meu rosto. E senti por dentro do decote, queimando meu peito. Olhei em volta. Estava cercada.
E estava longe do hotel. E não havia ninguém por perto. Ninguém. Pensei: preciso sair daqui. Rápido. E tentar me queimar o mínimo possível. Fui nadando e tentando me desviar. Mas era difícil, elas estavam em todos os lados, e também embaixo. A toxina estava fazendo efeito e ardia muito doía. De repente me lembrei de ter viso que a substância inoculada por esses ferrões pode causar alterações no sistema nervoso. Parada respiratória. Ou seja: não adiantava eu nadar para a praia mais próxima que era deserta, apenas para sair do mar. Eu precisava de medicação. E rápido.
Meu coração estava acelerado, minha respiração, curta. Eu olhava pro hotel, pro quarto onde estavam meus meninos e dizia para mim mesma: não posso morrer. Tenho quatro filhos. Eles estão ali, dormindo sem saber de nada. É aniversário do Martim, eu não posso morrer no dia do aniversário do Martim!
Consegui chegar à praia do hotel. Fui imediatamente a busca de socorro. Estava deformada. Toda vermelha, ardendo. Nem conseguia chorar. Só gemer. Para a minha sorte, o hotel contava com uma enfermaria com médico. E ele estava chegando exatamente naquela hora. Eu tremia e mal conseguia me explicar. Ao me ver e saber do que acontera, imediatamente aplicou um anti-histamínico intramuscular. Aí comecei a chorar. De medo. De alívio. De susto. Sei lá. Em cinco minutos o remédio fez efeito. A vermelhidão passou. O médico disse apenas uma vez: você poderia ter morrido. Teve sorte. Por outro lado, também comentou que nunca vira nada parecido desde que estava ali.
Fui para o quarto, tomar um banho e chamar os meninos pro café. Já estava mais calma.
Fiquei imprestável por três dias. Uma diarréia daquelas. Apetite zero. Disposição nenhuma. Febre. Tontura. Não conseguia parar em pé.
Naquela noite, não deu nem pra cantar parabéns pro Martim. Eu precisava deitar. Felizmente, os monitores fizeram a festa pra ele e depois levaram até o quarto.
Consegui aproveitar os outros dias. Minha disposição e apetite voltaram. Mas ficou uma lição pra não esquecer: NUNCA nade sem que alguém saiba que você está no mar e consiga ver ou ouvir você, caso precise de socorro. Eu poderia não estar aqui pra escrever esta história.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Meu primeiro short - Parte 2

Antes de dormir eu disse aos meninos que se eles preferissem ficar no hotel, brincando na piscina em vez de assistir à minha prova, eu entenderia. Mas que iria ficar muito contente em tê-los por perto.
Acordei ainda era noite. Saí pé ante pé do quarto, deixando meus dois companheiros dormindo um sono solto.
No café da manhã conheci Bertha uma argentina campineira, já experiente em triathlon, com quem conversei um pouco. Não tinha fome alguma mas sabia que precisava comer. Banana, pãozinho com requeijão e queijo branco, um pedaço de bolo, suco de laranja.
Chegando à área de transição, aquele clima de festa meio sonolento. O dia estava lindo. As pessoas, concentradas, encaixavam as suas bicicletas no cavalete, organizavam seus pertences ao lado, vestiam roupas de borracha, passavam protetor solar. Fiquei um tempo assistindo. Era a primeira vez que eu entrava numa transição de triathlon. Vi que várias mulheres tinham colocado as sapatilhas já encaixadas no pedal. Achei o máximo – um indicador da superioridade delas sobre mim. Tentei algumas vezes fazer a operação de vestir a sapatilha pedalando e demorei uns 5 kms até conseguir. Conclusão; na prova eu não ia arriscar. Melhor sair como uma pata choca, batendo o taquinho no chão, mas encaixar a sapatilha parada do que me arriscar a fazer isso em movimento e, de quebra, atrapalhar algum atleta.
Também notei que eu era uma das únicas sem roupa de borracha. E a única de sunquíni. A única coisa que eu queria era terminar a prova e, de preferência, não ser a última.
Uma atleta mais velha, percebendo meu ar meio perdido, veio me perguntar se era o meu primeiro triathlon. Devia estar estampado na minha cara. Nazaré, 51 anos, vários triathlons nas costas. Foi uma simpatia, me tranqüilizou, me deu dicas sobre a natação e garantiu que eu não teria problemas. Foi ótimo.
Antes de sair da área de transição, coloquei um pouquinho de vaselina na sapatilha e no tênis, conferi mil vezes se estava tudo em ordem, e escolhi a tabela de basquete em cima da bike como ponto de referência pra encontrá-la no meio das outras na hora que saísse da água.
Fui para a praia esperar a hora de largar. E aí, o melhor dos mundos! Ligia estava lá com Helena, Theo e Martim! Encontrei meu técnico, Emerson, e nervosa, pedi a benção.


Toca a buzina, é aquela correria. Não houve muito atropelo porque a largada feminina foi depois da masculina. Engoli um pouco de água, me perdi porque o sol no rosto dificultava a visão das bóias mas, um pouco no faro, um pouco na cola de outras nadadoras, consegui terminar. E não fui a última. Tempo 14m 48s – 750 mts.
Uau! É uma festa cumprir a primeira etapa! Quase tão bom como uma chegada. Ver os meninos ali, fez com que eu enchesse o peito, corresse com mais vigor. Passei pelo chefe, digo, técnico, joguei o óculos e a touca pros meninos e corri pra bike.

Achei sem problemas. Vesti as sapatilhas, a faixa com o número de peito, coloquei o capacete e fui, toc toc toc, até a saída.
Na hora de clipar a sapatilha, quase caio! O Hermann, marido da Ligia que estava lá pra fotografar, testemunhou me vacilo. Que vergonha.



O pedal foi uma delícia. Engatei um volantão (catraca maior e, portanto, mais pesada) e fui embora. Nos treinos eu tinha usado o volantão pouquíssimas vezes! Era sempre giro, giro e giro no volantinho! Me senti uma verdadeira atleta. Terminei em 40m17s os 40km. E consegui desvestir a sapatilha em movimento sem me atrapalhar!
De novo, a chegada do pedal deu uma sensação ótima, de ter cumprido a parte mais difícil. Faltava só a corrida, a parte em que tinha menos chance de errar ou ter problemas.


Boné na cara, tênis no pé e vambora! Estava cansada, mas inteira. No começo, parecia que a perna estava um pouco desencaixada mas, no segundo quilometro, já consegui imprimir um ritmo e fui passando algumas mulheres. Olhava pro relógio e não acreditava! Ia fazer um tempo bem melhor do que o previsto.
Fiz a corrida em 23m08s.
Na chegada, tinha uma curva e o Martim ficou me esperando lá. Passei, radiante, peguei-o pela mão e ele correu comigo os últimos metros, até a linha de chegada.

Foi demais. Terminei em 1h18m13s e, para o meu espanto, fui a primeira colocada na categoria e a nona no geral.
Ter o Theo, o Martim, a Ligia, o Hermann e a Helena foi ótima. Eles puderam testemuhar e compartilhar minha felicidade, um momento especial.
Fiz a maior festa no pódio. Imagino que a emoção de terminar um Iron seja esta que eu senti, mas numa intensidade muito maior. As outras atletas, mais experientes que eu, fizeram festa junto. E isso é uma das coisas de que mais gosto nas competições – embora haja classificações, troféus, categorias – a maior competição é da gente com a gente mesmo e as pessoas não torcem contra as outras, mesmo que sejam da mesma faixa.Adorei viver este momento e, cada vez que termino uma prova, essas emoções são despertadas novamente. Não são mais inéditas, mas são intensas, alegres, plenas.



domingo, 19 de julho de 2009

Meu primeiro short - Parte 1

Minha experiência era em provas de corrida – várias – e alguns biathlons (natação e corrida). A grande novidade era bike. E aí, apesar dos meus 43 anos, eu era novata — não tinha nunca pedalado aquelas magrelas, usado sapatilha ou clipe.
Eu estava treinando fazia apenas dois meses e o Emerson, meu técnico, colocou na minha planilha “short triatlon – Ubatuba”. Levei um susto. Será que ele não estava sendo precipitado? A idéia de fazer uma prova me deixou animada e apavorada ao mesmo tempo.
Para complicar a situação, estava acontecendo um surto de dengue em Ubatuba e então eu tinha mais uma preocupação (ou uma desculpa) para (não) ir. Pelo sim, pelo não, fiz minha inscrição e comecei a procurar hospedagem.
No treino de pista, na 4ª feira antes da prova, azucrinei o Emerson com um milhão de perguntas: você acha que eu vou conseguir? E se tiver dengue? Não vai estar muito calor? Não vai estar muito frio? Não tenho roupa de borracha, dá pra fazer a prova sem roupa de borracha? Não vou me atrapalhar na transição? E se eu derrubar alguém da bike? E se eu cair da bike? Não vai me dar dor de barriga? Vou conseguir beber água enquanto pedalo? E seu eu não souber onde é o retorno? E seu eu passar mal? Não vou ter cãibras? E assim por diante. A única parte que não tinha erro, era a corrida. Mesmo assim, não sabia se ia agüentar tudo.
Ele teve a paciência de Jó. Respondeu cada uma das minhas dúvidas e fez mais: foi narrando passo a passo tudo que iria acontecer desde a véspera até a hora de cruzar a linha final e ainda estimou que meu tempo seria abaixo de 1h30.
Passei os dias seguintes sonhando que a prova acontecia e que eu me atrasava e perdia a largada. Estava preocupada mesmo que algo não desse certo. Conversei sobre isso com a minha amiga Lucia Mandel e ela me disse: “Olha, divirta-se. E se der alguma coisa errado, você certamente vai ter uma ótima história pra contar!” Era mesmo. Afinal, iniciando no triathlon com 43 anos! O que mais eu queria? Certamente não era pra ganhar, nem pra provar nada pra ninguém. E, definitivamente, não era pra me angustiar.
No sábado cedo saímos de SP Theo (com 13 anos, na época), Martim (com 7) e eu. Meu marido não quis ir, então dividimos a família e fiquei com os dois mais velhos. Durante a viagem levei água e gatorade. A cada 30 minutos meu relógio tocava e eu bebia um pouco de um, um pouco do outro. Claro que isso fez com que, ao final da viagem, o xixi estivesse chegando à orelha e não chegássemos a nenhum lugar com banheiro.
Chegamos ao hotel, nos instalamos e fomos para piscina. A orientação do técnico era descansar.
Mais tarde, minha grande amiga Ligia e sua filha surfista, Helena, vieram nos encontrar para o almoço. Depois deveríamos ir buscar o kit. Eu assistiria ao congresso técnico enquanto Ligia e Helena passariam com os meninos.
Quando chegamos à praça onde estavam as tendas com os kits, Martim, que havia ganhado uma daquelas bolinhas de borracha que pulam muito alto, deixou a bolinha escapar, saiu correndo atrás dela e PAF! Não viu que o cavalete onde iriam ficar as bikes estava no seu caminho. Bateu de cara nele e caiu de costas no chão. Foi uma autêntica videocassetada. Meu coração parou. Sai correndo até ele, que estava atordoado com a pancada. Peguei-o no colo e fui atrás de uma tenda onde tivesse gelo pra colocar em seu nariz. Tive cabeça ainda pra entregar meus documentos pra Ligia e pedir que ela retirasse o kit pra mim.
Encontrei o Célio, organizador da corrida, que foi muito atencioso e arranjou gelo para meu pequeno contundido. Na hora cheguei a pensar que o acidente tinha sido sério e que eu nem conseguiria fazer a prova. Mas, felizmente, não foi nada.
Enquanto isso, minha amiga, que definitivamente não é do ramo esportivo, foi até a tenda retirar meu kit. Na hora que entreguei o comprovante a ela, ainda avisei: pegue uma camiseta tamanho P!
Pois bem, eis que a mocinha que a atende pergunta: "Short?"
E ela responde, perguntando: "Short? Short, não sei. A camiseta é P."
A mocinha olha espantada.
Ligia se explica: "Não é pra mim, é de uma amiga."
E então a moça desfaz o mal entendido: "mas sua amiga vai fazer a prova mais curta, não? O Short triathlon."
Martim de nariz roxo, camiseta P, adesivo para o capacete, número de peito... Tudo certo. Depois de jantarmos, combinei que a Ligia iria cedinho tomar café e pegar os meninos. Se desse tempo, estariam lá para a largada.
Na véspera, conferi umas 500 vezes se estava tudo certo: capacete, número de peito, pneus cheios, gel, caramanholas, gatorade, boné, tênis com elástico, vaselina para a virilha, protetor solar etc. Eu não tinha nem macaquinho de triátlon, nem roupa de borracha. Fiz a prova com um sunquíni mesmo!
Foi difícil dormir. Mas não era tensão. Era como uma criança na véspera do acampamento – ansiosa pela diversão que virá.

Theo, Helena, Ligia e Martim, na véspera.

Na pizzaria, na noite anterior, da esquerda para direita: Martim, Yan (filho da Ligia), Theo, Herman (marido da Ligia e aniversariante do dia), Ligia, eu e Helena.

sábado, 18 de julho de 2009

Becoming an Ironman: First Encounters with the Ultimate Endurance Event

Quando contei a idéia do blog pro Sergio Borejo, que treina também na MPR, me falou a respeito deste livro e ofereceu emprestado. Estou devorando.
A jornalista Kara Douglass Thom fez uma coletânea de relatos sobre o primeiro Iron de diferentes pessoas.
São histórias contadas em primeira pessoa e o modo como a jornalista fez a transcrição e a edição, nos dão a impressão de que estamos ouvindo a pessoa nos contar sua experiência sentadas à sua frente, na mesa da padoca, depois do treino.
Cada um conta um pouco de seu histórico com esporte, as razões que levaram a fazer o Iron e então descrevem sua primeira prova. Nenhum ultrapassa oito páginas e todos são interessantes.
Há histórias de pessoas que vieram a se tornar triatletas profissionais, como Joana Zeiger, a alemã que levou a melhor em Clearwater o ano passado e de gente que começou o triathlon depois dos 50 anos de idade; gente que estava mais bem preparada do que imaginava, gente que terminou aos 45 do segundo tempo e quase foi cortada e até histórias de DNFs (did not finish). Não são relatos banais e, alguns são tão comoventes que chegam quase a ser piegas. Mas não são. Há um ponto comum: para todos, terminar um Ironman é uma experiência transformadora.
Para uma candidata a estreante como eu, o livro faz a prova parecer ainda mais fascinante e assustadora.
Infelizmente, o livro não foi traduzido. Mas, se você lê em inglês, vale a pena. A Amazon.com tem um estoque de usados e sai por menos de 3 dólares.

Como tudo isso começou? (Parte 2 e ¾ )

Quem não gostava de correr quando criança?
Depois, passa. Por incrível que pareça, quando entrei na Escola de Educação Física da USP, em 1982, era um ET. A ginástica aeróbica estava nascendo, e eu achava ridículo (ainda acho), a musculação idem. Já existia o tal Cooper, mas tinha poucos adeptos. No meu vestibular estava incluído um “teste de aptidão física” e nele, o tal “teste de Cooper” - 3 km e sofri muito.
No primeiro ano da faculdade, embalada pelo ânimo de uma turma precursora da geração saúde tentei aderir a alguma atividade aeróbica. Mas não tinha paciência, não suportava por muito tempo. Tentei a corrida, no percurso que chamavam de “voltinha”: apenas dois quilômetros e meio saindo da EEFUSP, dando a volta no CEPEUSP e passando pelo velódromo. Quase morri. Botei os bofes pra fora e pensei “onde é que esses caras vão!”. Nunca mais tentei. Só corria pro bar. Aeróbico? Dançar nas festas.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Como tudo isso começou? (Parte 2 e 1/2 - Disciplina)

É difícil dizer como, onde e porque tudo começou. O episódio com a seleção de vôlei da escola certamente deixou uma marca a ser superada. Mas, ao longo da minha vida, vejo várias peças dispersas desse quebra-cabeça que, montado, forma o caminho que me levou ao triatlon e, espero, me leve a completar o ironman.
Algumas peças são óbvias, saltam aos olhos. Outras não são tão evidentes.
Não sei localizar, por exemplo, de onde vem tamanha disciplina. Uma coisa eu garanto: não nasci com ela e nem aprendi na infância. Foi algo conquistado pouco a pouco, já na vida adulta.
Talvez as gestações tenham contribuído. Afinal, em nome de algo maior, tive que controlar a alimentação, diminuir a bebida, dormir bem. Gostei disso.
Talvez a disciplina em si seja um desafio. Assim, cada um desses sacrifícios que a gente faz, vira uma pequena meta, uma prova de que sou capaz de:
- não beber mais que uma taça de vinho,
- acordar as 4:30 e ir treinar mesmo na madrugada mais fria do ano;
- ir correr mesmo que esteja começando a chover;
- sair mais cedo da festa para ir dormir cedo.
Assim por diante.
Quando a gente percebe que consegue, dá uma satisfação, do tipo “sou eu que mando em mim”.
E tem também aquele general que todos temos (outro dia o chamei de hitlerzinho) e que coloquei jogando a meu favor. Todos nós temos uma vozinha interna que dá ordens, condena, pune. Geralmente, este “ser” é um saco, só serve pra nos fazer sentir culpados, em dívida ou estúpidos. Em algum momento consegui dar a ele um lugar ao sol. De vez em quando, ele se mete onde não deve, mas, no geral, tem sido um grande aliado.
Uma vida disciplinada é uma escolha. No meu caso, não foi uma escolha feita do dia pra noite. E é uma escolha que refaço a cada dia. Tem preço. E tem recompensas.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Bike fit

Antes de ingressar no mundo do triathlon eu nem sabia que isso existia. Para mim, era olhar a bicicleta, montar em cima pra ver se, sentada, conseguia alcançar o pé no chão com facilidade, testar o conforto do selim e estava resolvido.
Quando surgiu a oportunidade de comprar uma speed - por sinal, eu nem sabia que tinha esse nome, o Portelinha (meu padrinho no triathlon, por assim dizer) foi logo me dando as dicas: “ O Serginho, da Ciclovece, vai arrumar alguma coisa boa pra você. Fala que é minha amiga”. De fato, ser amiga do Portelinha abre muitas portas, mas isso é papo pra outra hora. Acertei a compra de uma Vicini: uma bike de ciclismo honesta, por um preço justo.
Durante as tratativas de compra da bike, Portela perguntou “E o bike fit?”. Meu impulso era responder “Bike o quê?!”. Sou besta, eu? Fiz cara de sabida e devolvi: “Hummm não sei... O que você me recomenda?” Rá! Enganei ele direitinho. Concluímos que, para começar e também pra não gastar mais tempo e dinheiro, eu poderia fazer lá na Ciclovece mesmo. E eu que pensava que era só pegar a magrela e sair pedalando...
Que nada. O bike fit consiste numa sessão combinada de alfaiataria, mecânica e fisioterapia.
A bicicleta é colocada num artefato chamado rolo – palavra que também entrou no meu vocabulário neste mesmo dia, inclusive causando impacto no meu orçamento. E este negócio permite que a sua bike se transforme numa ergométrica. Ou seja, você pedala parado.
O bike fitter (acabei de inventar este nome, será que existe?) utiliza pêndulos, réguas e outros instrumentos que devem ter sido inventados por Copérnico, Galileu ou Da Vinci, para analisar a posição do ciclista, os ângulos formador por suas pernas ao pedalar, distância entre a mesa e o selim, a inclinação do guidão pra ficar mais, ou menos agressivo, a posição do taquinho na sapatilha e a localização da ponta da pipeta da bronzina (este último é mentira, mas o resto é verdade). Teoricamente, um bike fit bem feito pode melhorar mais de 20% o desempenho do atleta. E hoje ainda fiquei sabendo de mais uma: existem diferentes protocolos de bike fit! Vou procurar pra ver se encontro algum exemplo. É mais ou menos assim: se você vai pedalar sozinho, um contra-relógio (numa bike de contra-relógio) não ficará na mesma posição que ficaria se fosse pedalar num pelotão numa bicicleta de ciclismo e, imagino eu, deve ser diferente também se você vai pegar muitas subidas ou encarar um percurso plano. É complexo. É uma ciência. Ou uma tecnologia. Ou as duas coisas. Existem, no Brasil e no mundo, caras que são verdadeiras sumidades no assunto.


Fato é que, desde o ano passado, quando passei a fazer treinos de pedal mais longos, meu pé direito fica dormente. E tem também este negócio no meu tornozelo/calcanhar direito que não sara. Meu último bike fit foi quando comprei a Giant que uso atualmente, de triathlon mesmo (ou seja, é de contra-relógio) e, desde então, acho que fui ficando mais íntima da magrela e, portanto, mudando meu posicionamento. Decidi fazer um novo bike fit, desta vez, com o mestre Elpídio, da Bianchi Brasil.
Ele descobriu que eu estava toda torta. O taquinho mais pra trás do que deveria, o selim mas pra frente, os ângulos da pedalada obtusos numa parte e oblongos, na outra, a mesa muito afastada... Uma verdadeira desgraça!
Elpídio fez o que pode, mas disse que será bom colocar uma mesa menor. O problema é saber se existe, já que minha Giant é modelo XS. Avaliou que devo apertar menos o velcro da sapatilha, pois isso pode estar prejudicando a circulação do sangue no pé direito e causando o formigamento. Além disso, sugeriu que eu tenha, além dessa, uma outra magrela, de ciclismo. As bikes de triathlon colocam a gente numa posição muito anti-anatômica, são duras, e castigam as costas – principalmente se o asfalto estiver ruim, como está o da USP. Emerson, meu técnico, concorda com ele e Cacau, minha fisio, também.
Vou ter de pensar seriamente no assunto. A perspectiva, principalmente a partir do começo de 2010, é fazer treinos longos, de mais de 100 km, várias vezes, até a prova. Por outro lado, investir em outra bicicleta, também não é indolor.
Vou colocar na balança, analisar o balanço do pêndulo e, depois da prova de Penha, decido.

domingo, 12 de julho de 2009

Treinos e contratempos

A USP fechou de 5ª até hoje. Ou seja, nosso lugarzinho fácil, próximo e com padoca, estava vedado. Teríamos de organizar dois treinos: na quinta e no sábado. A previsão metereológica avisava a chegada de uma frente fria, trazendo chuva, já no início do feriado.
Nossa primeira opção era Romeiros na 5ª e Riacho Grande no sábado. Mas descobrimos que haveria romaria na estrada no dia do feriado. Pedalar em dia de romaria é inviável: dezenas de charretes com som de música sertaneja bombando em suas potentes caixas acústicas, cavalos pangarés das mais variadas variedades e, surprise surprise, muitas bicicletas com chupetas e bichinhos de pelúcia presos aos seus guidões. E eles são muitos. Quando você acha que acabou, vira a curva e pronto, lá estão eles de novo. O problema é, principalmente, nas subidas. Os romeiros-ciclistas vão pedalando até certo ponto, e aí sem aviso prévio, simplesmente param e desmontam. A gente, que vem no embalo, precisa desviar rapidinho o que, às vezes, não é simples, já que ocupam a pista inteira e, para ultrapassá-los é preciso ir pela contramão. E não vamos nem falar nas brincadeirinhas e comentários engraçadinhos no momento em que umA ciclistA (não um ciclistO) passa sozinha por eles. Mas lembra como chama a estrada: Estrada dos Romeiros. Portanto, não reclame. A prioridade é deles.
Mas voltando aos treinos deste fim-de-semana prolongado pelo feriado de nove de julho. Nossa assessoria, a MPR, combinou encontro na “estradinha”, também conhecida como Riacho Grande ou Caminhos do mar ou Estrada Velha de Santos. É uma volta de 16 km, no topo da Serra do Mar. Venta muito. Quando não venta, chove. Deve ser um dos índices pluviométricos mais altos do Brasil.
Embora a previsão não fosse das melhores, 5ª feira não choveu e rolou o treino. Com muito vento no uphill, claro. Fui até antes do horário marcado pra fazer 65 km e voltar a tempo de ver o Tour. Deixamos mais ou menos marcado o treino de sábado em Romeiros. Sábado não tem erro. Não tem Romaria.
A tal da frente fria chegou sexta com tudo. E nosso treino de sábado foi por água abaixo.
Aí, já viu. Um treino perdido por fim de semana, tudo bem. Mas domingo ia ter de ter treino. Foi um troca-troca de torpedos pra tentar combinar ONDE. Romeiros era a primeira opção. Liguei pra Itu, descobri que ia ter romaria de novo. Riacho Grande de novo. Que saco. E o tempo? Nem a previsão se decidia. Entrei em três sites diferentes e cada um previa uma coisa. Chuva desde cedo em um, nublado em outro, chuvisco no outro. Impossível ter certeza. Até meus filhos sofreram com esta indefinição. Iam dormir na casa da avó, depois não iam mais (porque a chuva parecia não ter fim), depois iam de novo (porque a chuva deu uma trégua), depois não iam (aí não teve nada a ver com a previsão, mas com o mau tempo, digo mau-humor, do pai deles mesmo) e acabaram indo (antes que a mãe deles fechasse o tempo).
Logo cedo, nova troca de torpedos. O tempo estava muito estranho. Ir pro Riacho era garantia de tomar chuva.
Eu e o Roi (meu marido, que também treina, e isso é assunto pra pelo menos uma postagem) arriscamos a USP. E entramos. E tomamos um pouco de chuva. Mas o tempo foi abrindo, foi abrindo e... abriu!
Foi ótimo. Pedalei um pouco sozinha, um pouco com o Flavio (que já fez três Irons) e foi uma ótima companhia e depois sozinha de novo. . Sempre de cara no vento. Assim se passaram 80km e nem me senti como um hamster na gaiola E o povo disse que ia pedalar, coisa e tal, se assustou com a cara feia do tempo e não foi. Perderam.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Como tudo isso começou? (Parte 2)

Então, como eu ia dizendo, na sexta-série eu já não era assim totalmente toupeira.
Naquele ano fiquei em êxtase quando vi meu nome na famosa lista. Óbvio que eu era a reserva da reserva e, provavelmente, esquentaria o banco o tempo todo. As minhas chances de entrar em quadra eram remotas. Mas meu nome estava lá. Eu teria o uniforme COM NÚMERO. Participaria de treinos especiais. Faltaria na aula nos dias de jogo. Seria vista pelos outros. Deixaria de ser um nada.
O dia em que saiu a convocação foi o melhor dia de todos os meus onze anos de vida.
Peguei o uniforme, experimentei. Ficava um pouco grande, mas nem liguei. Levei os documentos necessários e entreguei, feliz da vida, na secretaria da escola, explicando que era para me inscrever no campeonato, na seleção de vôlei.
Na noite da véspera, quase não dormi de excitação e expectativa. Deveríamos chegar um pouco mais cedo na escola para pegar a condução que nos levaria ao ginásio do Pacaembu (que era do lado da minha casa, mas é claro que eu preferia ir junto com o time).
Meu pai me levou. Chegamos à escola e fomos direto pra secretaria, conforme havia sido a orientação. Mas meu nome não estava lá. Alguém extraviara meus documentos e, oficialmente, eu não estava inscrita. Entrei em choque. Não consegui falar. Comecei a chorar sem acreditar no que estava acontecendo.
Meu pai me abraçou e me levou de volta para casa. Emudeci por uma semana (quase o tempo de duração do Campeonato Mirim) pois tive uma amidalite daquelas: febre alta e injeção de benzetacil duas vezes por dia.
Até hoje não sei direito o que aconteceu, onde foram parar as cópias dos meus documentos, ou quem foi o responsável por essa trapalhada. Foi um episódio difícil de digerir.
Acho que pro meu pai, também. Depois daquele dia, ele também mudou comigo e com meus irmãos. Mas isso é mais uma parte da história.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Sobe e desce ou a Lua na USP

Outra hora dou seqüência à história de como tudo começou. Vamos diversificar os tópicos, é saudável.

Pedal na subida é o melhor treino da USP. Nesta última terça foi sensacional. Lua cheia descendo no alto da subida da Química. Pedalávamos em direção a ela até o topo e então, como se desistíssemos de alcançá-la, virávamos as costas e retornávamos. A cada subida, ela ficava maior e mais alaranjada. E lá pela metade do treino, o céu, na descida começou a ficar rosa e, no fim, o sol vermelho, apareceu.
Na subida, não dá para pensar em nada que não seja a própria subida: o esforço da pedalada; a troca de marchas; aquele ponto ali, um pouco antes da lua, onde devo chegar e, a partir dele, aumentar o RPM (rotações por minuto, ou seja, o giro da perna); aquele cara, naquela bicicleta, que quero ultrapassar, porque sei que consigo; a hora de pedalar em pé, amassando o pedal com a sapatilha, a hora de pedalar sentada e puxar a sapatilha pra cima; sobe pulsação, aumenta respiração, a perna queima, o calor aumenta.
Na descida, os pensamentos são soprados pelo vento que bate gelado. Mas os sentidos têm de estar aguçados. Quanto maior a velocidade, mais atentos aos buracos, carros, ônibus, pedestres, outros ciclistas, lombadas e curvas temos de ficar. As pernas giram, descansando; os batimentos decrescem, a respiração acalma, o frio aumenta.
Uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete vezes. E eu queria mais.
Nas noites mais geladas, o único desconforto, é o térmico. Como coloco muita roupa pra não passar frio, morro de calor na subida e congelo na descida. Mas, nessa terça, não. Foi perfeito.



quarta-feira, 8 de julho de 2009

Como tudo isso começou? (Parte 1)

Tenham paciência comigo. Gosto de contar histórias. E, como a Lu (Lúcia Mandel, que trabalha comigo) pediu, vou explicar de onde veio essa insanidade. Mas vou resgatar isso láááá no fundo do baú. E vai virar uma novela. Com alguns capítulos.






Sempre gostei de esportes. Nunca fui muito boa em nenhum deles.
Quando entrei na 5ª série, era a caçula da classe. Saí de uma escolinha com meia dúzia de alunos por turma e entrei, sem direito a período de adaptação, em uma com trinta e três. Saí da 3ª série primária e fui direto pra 5ª, sem direito à transição. Além de mim, duas outras “Claudias” na classe e virei Claudinha (diminutivo que, confesso, até hoje não gosto). As meninas tinham peitinhos nascendo. Eu nem usava parte de cima de biquíni.

As meninas vestiam camiseta hang-ten, calça cocota e tênis All Star. Eu vestia shorts de menino e vivia descalça. As meninas e meninos jogavam vôlei, handebol e basquete. Eu ainda brincava de esconde-esconde e pega-pega. Percebi que deveria ter algo de errado. Comigo. Então, me escondia nas fileiras do fundo da classe. Tinha medo até de tossir na sala de aula.
As aulas de educação física eram um suplício. Basquete, handebol ou vôlei. Aqueles exercícios em fila, em que todos podiam assistir minha falta de habilidade. E lá, as meninas gozavam de mim porque, em vez de comprar aqueles calções bufantes, supostamente femininos, minha mãe comprara, por engano, um shorts masculino.
O pior momento, entretanto, era na hora da escolha dos times. Os tops de linha eram os capitães e escolhiam; os melhores eram disputados um a um; os médios, eram escolhidos; os ruins, ficavam no fim da fila e os “casos perdidos que não têm jeito nenhum pro esporte” bem, esses sobravam nos times. Era indiferente em que time eu, a Daniela-dos-cabelos-verdes, o Sidnei (chamado, graciosamente, de Sidnéia) ou o Peidão, iríamos ficar. Para os líderes do pelotão éramos igualmente imprestáveis e a elite torcia o nariz quando ingressávamos na equipe. E isso era nefasto para nosso IBOPE. Na escola onde eu estudava, ser bom nos esportes, estar entre os escolhidos, era tudo. Ou seja: eu era um nada.
A certa altura, consegui aprender a jogar vôlei. Não sabia dar “saque por cima” e muito menos cortar. Mas meu toque e manchete eram decentes. E eu já não furava mais todas as bolas, nem botava todos os saques na rede.
Veio então o esperado Campeonato Mirim, o evento mais importante do ano. O professor de educação física convocava as diferentes seleções, só com os melhores. Todos os alunos ficavam ansiosos, aguardando “A LISTA”. Os escolhidos teriam um uniforme especial, poderiam faltar na aula (E em provas, o que era ainda melhor!)em dias de jogo e, claro, seu já elevado prestígio cresceria paulatinamente à medida que o time vencesse.
Algumas pessoas eram convocadas para fazer parte de todas as seleções: Zaba, Tiche, Aninha. Eram as mais populares da escola. Outras, tinham vaga garantida em algum dos times, porque eram treinavam em clubes, como a Patricia Botelho, por exemplo.
Na 5ª série eu não nutri nenhuma espécie de ilusão quanto à minha convocação. Já na 6ª série...

(continua... e muito!)

terça-feira, 7 de julho de 2009

Fim do T(o)urno


A hora de dormir é um caso sério para os triatletas. Para quem acorda duas vezes por semanas às 4:20, três vezes por semana às 5:15 e mais uma ou duas às 5:45, estar na cama cedo é uma meta a ser alcançada todos os dias, ou melhor, noites. Mas, com quatro meninos em casa, não é assim tão simples.
Depois de um dia de trabalho fora, resolvendo as brigas entre os filhos, organizando a ida ao futsal (ou a volta da escola no dia em que o carro quebra), pelo telefone, procuro não chegar tarde. O horário de dormir fica piscando na minha cabeça, particularmente às segundas e quartas, por causa do treino da madrugada. Não posso desperdiçar um minuto ou acabo dormindo tarde demais. É um autêntico contra-relógio.

O jantar está pronto. 1ª Etapa: conseguir trazê-los para a mesa.
Eu – Pessoal, está na meeeeeesa!
Eles – Ah, mãe, deixa a gente jogar futebol só mais um pouquinho! Bem agora que o Martim ia catar no gol, droga!

2ª Etapa: conseguir fazê-los lavar as mãos sem ensopar o chão ou uns aos outros. (E, enquanto eles discutem comigo para ganhar mais uns minutinhos de jogo eu, para não perder nem um minuto, aproveito para pegar a bicicleta na garagem, encher os pneus e, se der, já solto a roda da frente. Tudo isso, sem sujar o modelito “senhora diretora”, que estou usando.)

3ª Etapa: jantar em paz.Todos querem falar. Ao mesmo tempo. Quando Ian começa, Félix, seu gêmeo, reclama que é ele quem deve falar primeiro, porque, afinal, nasceu 57 segundos mais cedo. Martim ri, e chama Félix de chorão. Félix se enfurece e chuta a canela de Martim. Ian começa a chorar porque ninguém está prestando atenção na história dele. Theo, o adolescente, suspira fundo e me olha, solidário. Alguns arrotos e peidos, gritos e reclamações mais tarde, terminamos. (Enquanto tiramos os pratos da mesa, aproveito para preparar meu papaia, e pegar as caramanholas.)

4ª Etapa: subida para o banho.
Eu: quem vai pro banho primeiro?
Martim: Último!
Ian: Segundo!
Félix: Ah, não vale! Vamos tirar jó-quem-po!
Eu: logo pro banho, senão não vai dar tempo de ver “Drake e Josh”.
Martim: Primeiro!
Ian: Segundo!
Félix: Ah, não vale!!! Vamos tirar jó-quem-po!
(E, enquanto isso, eu preparo as caramanholas e ponho na geladeira).

5ª Etapa: banho sem desastres e nem (muito) desperdício de água e gás. (Barulho de água escorrendo)
Eu: Ian, você não entrou no banho ainda?
Ian: Deu vontade de fazer cocô!
Eu: Então desliga a água, né Ian!
Ian: Agora não dá... tou no “vaso solitário”!
E lá vou eu, fechar as torneiras, mas ele já saiu do “vaso solitário” e ligo a água de novo. (Desço correndo as escadas, abro a porta da frente e destranco o carro para por a bike, e quando vou por a bike, vejo que o Félix ainda não subiu pro banho!)

6ª Etapa: segundo banho sem desastres, nem molhaceira no banheiro.
Eu: Félix! Você não foi pro banho ainda?
Félix: Calma, mãe! O Ian ainda não terminou.
Eu: Ian! Você ainda não terminou!?
Ian: Já tou no “queme”!
Eu: vai logo, Ian! Olha o desperdício de água!
(E o tempo vai escorrendo. Desço de novo e consigo encaixar a bike no carro, mas não sem deixar uma linda marca de corrente na calça da “senhora diretora”. Ainda falta o resto do equipamento. Subo novamente).
Eu (exaltada): Félix! Não entrou no banho ainda! Ian! Que molhaceira é essa!?
Finalmente, Ian sai e Félix entra debaixo do chuveiro.

7º Etapa: terceiro banho. Martim é mais eficiente. Mas preciso averiguar se ele realmente se lavou. Quando ele senta na cama pra ver televisão, sinto o cheiro de chulé.
Eu: Martim, você lavou seu pé?
Ele: Claro, mãe!
Eu: e esse chulé?
Martim: Não sei...Que chulé?
Eu: Pode voltar pro chuveiro e esfregar direito, com bastante sabonete.
Ele: Ah, mãe que saco!!! Posso ir no intervalo??
(Desço de novo e coloco sapatilhas, luvas e capacete no carro).
8ª Etapa: assistir TV no meu quarto. Enquanto assistem“Grandes destruições”, pego a calça de ciclismo, o a blusa, a jaqueta, bandana, e coloco no meu banheiro.
Dou uma olhada para ver se reina a paz. Então pego o monitor cardíaco, tênis e meia, levo pro banheiro.

9ª Etapa: colocar o time pra dormir.
Reclamam, mas me beijam e vão escovar os dentes e deitar.
Aí vou fazer a transição, digo, toalete: barba, cabelo, bigode, ops, dentes, pele, cabelo. E a casa ta caindo lá no “dormitório” deles. Vou até lá.
Eu: Agora chega! Acabou o dia! É pra dormir! Ian, você não vai se aquietar?
Ian: kikikikikihihihihi.
Eu: Ian! Você quer ir dormir lá embaixo na sala, sozinho?
Ian: Não!
Eu: então sossega.
(Volto pro meu quarto, visto o pijama). Algumas ameaças e broncas mais tarde, finalmente, acalmam.

10ª Etapa, colocar o time pra dormir de novo. Quando tudo parece silencioso, escuto passinhos ligeiros descendo as escadas.
Eu: onde vocês pensam que vão???
Ian: Tou com sede!
Félix: tou com fome, quero comer banana.
Eu: Rápido. E, Félix, vai ter que escovar os dentes de novo.
Eles voltam e, finalmente, encerramos esta etapa.

Última etapa. Mandar o Theo pra cama. Encostar a cabeça no travesseiro e apagar. Previsão de horas de sono: 6.

Pergunta: será que o Lance Armstrong encarava um Tour desses?

domingo, 5 de julho de 2009

Confissões na padoca

Adoro o treino de sábado. Dá pra acordar um pouquinho mais tarde – 5:45 e o melhor, depois da missão cumprida, a recompensa: café com bobagens na Estrela do Butantã. Hoje, saindo da padaria, teve até um que sugeriu: por que a gente não vem direto pra cá? Para que fazer o treino, se essa é a parte mais divertida?
Sem querer desmerecer o pedal, nosso café é mesmo um momento especial.O grupo de pessoas que vai nunca é o mesmo. Alguns, como eu, é claro, batem ponto todo o sábado. O Emerson, garçom (garçom em padoca?!) que nos atende, já sabe de cor o meu pedido – suco de laranja, baguete de parmesão com queijo branco tomate e orégano, uma média só de café expresso.
Os primeiros tópicos da conversa são os próprios pedidos: “que fome, hein?!” “Mas que sanduba light! E você lá precisa disso, magrela?”. Em seguida, antes da chegada dos esperados comes e bebes, a conversa ruma, invariavelmente para as condições gerais do treino: “nossa, hoje tava frio demais!” “Assim, não vai dar, a USP ta cada dia mais cheia! Tinha congestionamento naquela raia!” “Você viu aquela hora que o cara veio correndo na contramão com um cachorro?” “E quando passou aquele pelotão da assessoria X, com cinqüenta caras, a milhão?! Não pode, onde já se viu, pleno sábado!” “Foi forte, hoje. Quase não agüentei!”
Já de estômagos forrados, começam os comentários mais personalizados e as maledicências: “Pô, o Cachorro Louco quebrou todo mundo hoje, começando forte daquele jeito!” “E o ‘Fusion’? Quase me derrubou na volta da raia, outra vez! Quando é que alguém vai ensinar aquele cara a pedalar? È um mala!” E por aí vamos, falando com tamanha seriedade, como se aqueles problemas fossem realmente graves e a gente precisasse discuti-los até chegar a uma solução para os casos.
Essa etapa da conversação costuma durar até a chegada dos sanduíches, quando conseguimos sair um pouco do universo exclusivo do traithlon e passamos a outros mais genéricos: a economia, a seleção brasileira, uma pitadinha de política, a juventude de hoje... Mas, a melhor parte vem quando começamos a nos interessar uns pelos outros. Ops, não me entendam mal. Começamos a saber quem são as pessoas com quem compartilhamos essa grande paixão. Às vezes passamos anos convivendo e nem sabemos o nome uns dos outros! Assim, por exemplo no nosso momento na padoca, soubemos que Omar saiu dos confins da Argentina, com vinte e poucos anos e veio, com a cara e a coragem para São Paulo, onde está há 30; ouvimos de outro a história de sua depressão, tão assustadora para ele mesmo, mas que encara com bravura, e luta para não se render a ela; conhecemos a história do Marcos, que fez parte da seleção brasileira de vela, mas que depois do acidente sofrido por seu técnico, teve que virar o leme e partir em outra direção; rimos muito com os tragicômicos causos do Cachorro Louco, que não quer ver seu nome exposto na internet, mas que deveria ele próprio escrever um blog, já que tem um dom natural para narrativa; demos bronca em algumas mulheres que se queixavam da solidão mas que organizaram suas vidas como uma planilha de triathlon (de preparação para um ultraman!!!) e esperam um homem que se encaixe direitinho no pequeno espaço que elas lhes reservaram; e ouvimos ironmen confidenciarem gestos delicados e atenciosos com suas esposas. Um repertório vasto e, muitas vezes bastante íntimo. Uma troca de pequenos segredos com pessoas que, não fosse a paixão pelo triathlon, dificilmente iríamos conhecer. Já chegamos a ficar mais de duas horas depois do treino, com o umbigo atarraxado na mesinha de fórmica. E olha que ninguém bebe nada mais forte do que café. Talvez seja o efeito da endorfina, que leva a gente a isso. Para mim, tem sido um dos raros momentos de vida social, já que não consigo mais sair para jantares, nem para barzinhos e muito menos para baladas. E é uma ótima pedida.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Hospedagem em Penha




Hoje comprei as passagens aéreas e fiz minha reserva de hotel em Penha. Não por acaso. Afinal, voltei a correr depois de duas semanas parada. Este ano, o nome do filme de meu treino de corrida é O Eterno Retorno. É a quarta vez que volto. Agora quero ir direto, sem escalas na terra dos ortopedistas, até Penha. Penha, Santa Catarina, bem entendido. Lá acontecerá a prova dos 70.3 para a qual espero, boto fé e investi dinheiro (na passagem e na reserva do hotel), estarei pronta para competir.Estive lá em 2008 – por sinal, estava na ponta dos cascos, correndo sem medo de ser feliz depois de me recuperar de uma lesão no quadril com o luxuoso auxílio da Cacau, minha fisio. Mas, no ano passado, vacilei e deixei pra fazer a reserva de hotel quando já era tarde demais. Sobrei. Não que haja grandes opções em Penha, a maioria dos lugares é bastante simples e muito pouco charmosa. Mas o Hotel Lorimar superou minhas piores expectativas. Cheguei dois dias antes da prova, de mala e cuia, ou melhor, de mala e bike, e do aeroporto fui direto ao hotel. Seu Lorimar, um autêntico barriga verde, branquelo e simpático me levou, pessoalmente, ao meu quarto. A porta se abria em cima da cama de casal, que era quase dentro do banheiro, onde pia, chuveiro e vaso sanitário se amontoavam. Do outro lado da cama, se espremia uma beliche e, pendurada no teto, uma pequena televisão. E o armário? Onde ficava mesmo? Acho que embaixo do beliche ou atrás da porta do banheiro.Quando seu Lorimar afastou a porta – porque era impossível abri-la – quase cai de desgosto. Mas não havia onde. Que remédio. Quem manda deixar tudo pra última hora? Não tinha pra onde ir.Colocar a bike dentro do quarto foi um sufoco. Tive de tirar as duas rodas. Exagero. Só uma. E, como estava sozinha mesmo, acomodei a magrela na cama de baixo da beliche. Isso me causou um certo transtorno porque, durante a noite, não conseguia me ajeitar na cama porque o colchão era muito macio e estou acostumada com colchão firme. O colchão da beliche era melhor. Então, me desculpei com minha companheira e fiz contorcionismo para conseguir tira-la da cama, puxar o colchão, empurrar o meu colchão para a cama de cima da beliche, colocar o outro colchão na minha cama (que era de casal) e ajeitá-la novamente sobre o estrado. Uf. Depois de tudo isso quase que eu não precisava mais fazer a prova.Mas o pior ainda estava por vir. O meu maravilhoso quarto ficava no térreo, praticamente colado à recepção. Ou seja, toda a movimentação, os diálogos, as reclamações e até os chavecos chegavam até mim em stereo system.Ocorre que seu Lorimar tem uma filha muito bonita, Shirley, na flor da idade. Não que ela não fosse flor que se cheire, pelo contrário – ela fazia sucesso com todos, inclusive com crianças. Criancinhas. Falantes. E isso não foi bom.Eu estava cansada, não tinha nada pra fazer e iria encarar meu primeiro meio Ironman dali a menos de dois dias. Precisava descansar. Fui dormir. Você acha???Impossível. Seu Lorimar, na recepção, fazia questão de puxar papo com todos. Em alto e bom som. E a maioria respondia. Em alto e bom som. Até que ela chegou. A criancinha. Ela e seu pai. E, por sugestão de seu Lorimar, em alto e bom som, pediram uma pizza, em alto e bom som. Mas antes mesmo de pedirem a pizza, ela perguntou, em alto e bom som: “Onde ta a Shirley? A Shirley ta aqui?”. E, não sei porque, ela repetiu esta pergunta umas quinhentas e setenta e quatro vezes. Em alto e bom som. E, não sei por que cargas d’água, ninguém parecia se importar. Nem tampouco se dar ao trabalho de responder.Até a minha bicicleta já estava nervosa. Às 22 horas, achei que já podia pedir silêncio. Então afastei a porta, apenas o suficiente para colocar a boca para fora, e gritei: “A SHIRLEY NÃO ESTÁ!!! E SERÁ QUE AGORA DÁ PRA FAZER MENOS BARULHO???”Mas, seu Lorimar parecia ter compulsão em falar. Nessa hora porém, tentou ao menos abaixar o volume. Só depois da meia-noite, quando o movimento diminuiu, é que se calou de vez e eu pude adormecer.No dia seguinte, rodei a baiana e a Shirley, que estava no comando, para minha alegria, me mudou para um quarto na parte de cima, do lado do Nick (que treina na mesma assessoria que eu) e do Douglas (seu irmão). Nossa, este segundo aposento era um luxo comparado ao primeiro. Até a bike ficou contente. Mas o melhor foi que, à tarde, descobri que tínhamos uma ilustre companheira hospedada na nossa pousada. Nada menos que a triatleta olímpica Mariana Ohata! Então, quando encontrava o pessoal e me perguntavam onde eu estava hospedada e se meu hotel era bom, eu respondia: ”é uma espelunca. Mas é uma espelunca olímpica. Seu hotel tem algum atleta olímpico hospedado? Pois o meu, tem!”Este ano, não arrisquei. Fiz logo minha reserva no Vila Olaria. Afinal, eu duvido que a Mariana repita a dose e fique no Lorimar. E não sendo olímpica, tou fora!

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Meia final

Desde que comecei a treinar praticamente parei de acompanhar o futebol de que tanto gosto. Abri mão, porque tenho de fechar os olhos cedo ou porque, no domingo, se o jogo não for muuuito bom, os olhos se fecham sozinhos. Ontem abri uma meia exceção e assisti metade do jogo. Aliás, diga-se de passagem, foi uma final muito pouco corintiana. Sem sofrimento. Na era A. M. (antes do Mano) a escrita seria outra: provavelmente dois a zero pro Inter no primeiro tempo e a gente se descabelando durante todo o segundo tempo até o último minuto. É ou não é? Se assim fosse eu não poderia ter ido dormir. Mas meu coringão fechou o assunto no primeiro tempo e no intervalo pude desligar a TV, confiante de que a parada estava ganha. Estaremos lá, no ano de centenário.Acordei no meio da noite com os fogos. Parecia virada de ano. Fiquei mais tranquila ainda e aprofundei o sono até as 4:20. Logo que acordei tinha uma mensagem “Dá-lhe timão!” no meu celular. Beleza. Vesti uma calça preta de ciclismo, camisa, jaqueta, bandana alvinegra e, por cima de tudo, minha camisa autografada (inclusive pelo Nilmar hahaha).
Fui para USP. Meu único medo era que algum são paulino ou palmeirense invejoso e ciclista me derrubasse no pelotão. Alguns protestaram, outros passaram e me saudaram solidários e espalhafatosos.
Sigo o futebol à meia distância. Conheço metade do time. Assisto até o meio do jogo. Mas não consigo ser meio corintiana. É como ser meio tratleta. Impossível.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Transições na madrugada


Não gosto de pular da cama tão cedo nesta época do ano. Especialmente pro treino de pedal, num horário indecente. Mas há algo que me impulsiona e antes das 04h30min estou de pé. Acho que é um hitlerzinho que habita em mim. Pra dificultar (ou facilitar), deixo o despertador láááá no banheiro, então, ele fica tocando até eu ir desligá-lo. Aí, já acordei mesmo, só preciso me vestir. O banheiro é a minha área de transição número 1 – T1. Tênis, top, faixa do monitor cardíaco, meia e/ou meia calça conforme o frio, calça de ciclismo, blusa de ciclismo, jaqueta corta-vento, bandana, relógio – nesta ordem, de baixo para cima, empilhados. Faço xixi enquanto calço as meias e visto top (tou craque em fazer xixi em movimento!), depois visto o resto, lavo a cara e espanto o resto do sono, escovo os dentes. A casa dorme. A rua dorme. O bairro dorme. Até os mortos do cemitério do Araçá, que são meus vizinhos, parecem ainda mais adormecidos neste horário. Todo este silêncio e a escuridão chegam a dar certa melancolia, uma pitada de angústia. Mas meu Hitler de estimação me empurra: vá, você não vai se arrepender, diz ele. O celular serve de lanterna, se o marido estiver dormindo. Vou até o quarto dos três pequenos para o ritual da coberta. Martim dorme de barriga pra baixo, com os ombros tensos e o edredom preso entre suas pernas e a parede. Tento deixá-lo mais confortável e mais aquecido. Ele se ajeita. Parece aprofundar-se no sonho. Félix, na cama do meio, invariavelmente está pendurado na cama, com o edredom e travesseiro no chão. Puxo suas pernas, ajeito o travesseiro e devolvo o edredom ao seu devido lugar. Ian costuma ficar enrolado feito um rocambole. É tão complicado ajeitá-lo que algumas vezes ele até abre os olhos e diz “oi mãe!”, como se seu dia estivesse começando. O Theo... a porta está fechada, ele tem 15 anos e não me atrevo mais a entrar sem bater. Bater está fora de cogitação. Então torço para que ele esteja bem aquecido.Desço para o posto de abastecimento um P1– cozinha. O mamão já está lá desde ontem, num prato, ao lado da faca e da colher, o gel e a bananinha separados. As caramanholas, já preparadas na geladeira, com maltodextrina ou só com água mesmo. No meu escritório, área de transição número dois – T2 – ficam os óculos, carteira, dentro de uma sacola, onde coloco a alimentação. É só pegar. Se, por acaso, algo me desviar a atenção neste momento, deixo a caramanhola em cima da mesa e... Já era! Vou pro treino sem hidratação.O carro é a área de transição número três – T3. A bicicleta, o capacete, as luvas e as sapatilhas estão lá desde a noite anterior. Às vezes tenho de tirar o carro do marido da frente. Aí encontro minhas amigas coelhas. Michelle Obama e Black, a coelha albina, os únicos seres vivos acordados na face da terra do meu jardim, vem me saudar. Então abro o portão, solto o freio e só ligo o carro quando já estou na rua, pra fazer menos barulho. Muitas vezes nem o vigia se digna a me acenar. Dorme.
Parto. E neste momento, percebo que não preciso mais de Hitler.